Você tem fome de quê?
... e sushi tem gosto de futuro namorado...
Estou com passagem comprada para o Brasil. Eu e a Graziela embarcamos no final de novembro para matar a saudades da família, dos amigos e outras cositas más. Já vai fazer dois anos que moramos na Ásia, na Índia, Tailândia e agora no Nepal. Dá para imaginar como estamos com saudades de casa! Mas quando me pego pensando no que quero fazer quando chegar em São Paulo, a primeira coisa que vem à cabeça é COMIDA. Já planejei tudo: na chegada no aeroporto vou comprar pão de queijo e guaraná, ir para casa tomar um banho e bora para o Ritz comer bolinho de arroz com bloody mary. Eu sou magrela e nem como tanto assim, mas o que eu me dei conta aqui do outro lado do mundo é que comida não tem sabor doce, salgado ou apimentado. A comida tem sabor de amizade, de família, de romance, de infância.
Toda vez que eu sinto cheiro de bacon frito eu lembro do meu avô Wilson. Sempre que ele fritava bacon, eu bem pequena corria para a cozinha e perguntava: “o que é esse cheiro tão gostoso que eu quero um pedaço?” Ele morria de rir, e isso virou uma brincadeira nossa. Para mim bacon tem gostinho do meu amor pelo meu avô. Ele foi embora para outro mundo nesse tempo que eu morei na Índia, e agora toda vez que sinto cheiro de bacon deixo cair uma lagriminha de saudades.
Faz seis longos anos que eu saí de São Paulo, cidade que amo. Nesse tempo todo, sempre que eu vou visitar, a primeira coisa que faço é ir para o Ritz. Ai, que delícia que é o bolinho de arroz e o bloody mary do Ritz. O melhor do mundo! Mas tem que ser o da Franca, lugar onde sempreu vou com os meus amigos. Bolinho-de-arroz-do–Ritz-da-Franca tem sabor de melhores amigos do mundo.
Outro vício é o pão de mel da Santa Marcelina. Foi meu pai quem me apresentou para essa delícia. Ele sempre compra o dobro quando eu vou visitar, come um de sobremesa e depois que ele vai dormir eu como todo o saco e deixo o último, para não tomar bronca. No dia seguinte ele sempre fala espantado, “nossa, Elka, vc comeu o todo”. Pão de mel tem gosto de molecagem com o pai.
O meu irmão, o Bruno, trabalha com gastronomia e morou anos na Europa se especializando nos melhores lugares. Ele me disse que “adora dar prazer para as pessoas através do paladar”. Ele sabe muito bem que a gente saboreia uma emoção e não um gosto. Tanto sabe que vai abrir um restaurante no Itaim em outubro, o Bionde, que nesse caso, tem sabor de futuro.
Chester e ravioli tem gosto de natal e da Dedê tocando tarantela no acordeão. Canja de galinha tem gosto da minha filha Graziela e da música do Jorge Ben. Molho de tomate tem gosto da minha mãe. Chá de manteiga tem gosto de sentar no chão frio em Dharamsala para ouvir os ensinamentos do Dalai Lama ao lado dos monjes. E sushi tem gosto de futuro namorado.
Lembro que quando eu morava num templo budista, estava na cozinha dos lamas e uma amiga passou com uma bandeja com hamburguer, chocolate, pizza. Era para uma cerimônia que a lama ia fazer para uma pessoa próxima, bem jovem, que tinha morrido em um acidente de carro. Nessa prática, o lama usa a comida para atrair a consciência da pessoa, que mesmo sem o corpo tem a lembrança do sabor... A gente não se dá conta o quanto os sabores representam nossas emoções e memórias.