Você conhece esta garota?

Maria Flor estreia dois filmes e duas séries, mas não abre mão da rotina de garota carioca

por Ariane Abdallah em

As pessoas não reconhecem Maria Flor Calaça na rua, apesar de ela já ter feito quatro novelas da Globo (Ma­lhação, Ca­bocla, Belíssima e Eterna Magia) e seis longas-metragens. Talvez ela não chame a atenção por causa do corpi­nho mignon, que faz o 1,60 metro de altura parecer menor e os 25 anos de idade passarem por 16. Ou porque, sem levar a sério essa história de ser artista, ela simplesmente tire os óculos escuros Ray-Ban – um dos poucos que não ficam grandes em seu rosto fino, “a maioria me deixa parecendo uma abelha!” – e puxe assunto com pessoas, conhe­cidas ou não, na fila da farmácia, num café que frequenta ou numa loja de roupas no Leblon. Ou ainda porque, em vez de estar na ba­­lada e nas revistas semanais, Flor prefira ver filmes em ca­sa com o namorado, passar seus “38 cremes para o rosto e o cor­po”, viajar com os amigos para uma praia tranquila na Ba­hia todo ano e comprar sapatos, muitos sapatos – ela tem cer­ca de 80 pares. Com a espontaneidade que lhe é peculiar, ela aceita passar o dia com a reportagem da Tpm e começa a en­trevista fazendo questão de trocar de mesa no restaurante em que almoçamos. Afinal estamos num espaço de seis lugares, mas somos apenas duas.

“Uma das melhores atrizes da sua geração. Consegui ir, com a personagem dela, da comédia à loucura com a mesma facilidade que troco de camisa” (Fernando Meirelles)

O mês é março, o dia é útil, mas Maria Flor quer ir à praia de Ipanema no meio da tarde. Se esta entrevista não estivesse ocu­pando seu tempo, ela aproveitaria as férias para fazer compras no Mundial, um supermercado popular do Rio de Ja­neiro. Embora more no Jardim Botânico, ela atravessa a zo­na sul até a Barra da Tijuca, duas vezes por mês, só para pagar mais barato pelos produtos que Maria coloca na lista de compras. “Ela especifica umas coisas que eu não sei, tipo ‘Veja azul para superfícies lisas’”, brinca Maria, a Flor. A xará a quem se re­fere é uma senhora que cuida de sua casa desde que a atriz ti­nha 5 anos. Há nove meses, quando Flor saiu do apar­tamento que dividia com a mãe para morar com o namorado, o assistente de direção Felipe Con­tinentino, 30, negociou a divisão de Maria. Ago­ra, duas vezes por semana, ela trabalha no apartamento do casal, que é todo “arrumadinho e colorido” – com destaque para o laranja da pol­tro­na e o roxo da mesinha de canto.

Mas naquela quinta-feira ensolarada, de regata de algodão soltinha, short jeans, chapéu e mochila nas costas, a atriz deu o cano na Maria e subiu na bike – seu meio de transporte preferido atualmen­te: “Depois da praia, vamos à aula de ioga”, decidiu. Até porque ela perdeu a hora e não acordou às oito da manhã para se exercitar, como faz diariamente quan­do não está filmando nenhum longa. Depois de oi­to anos de balé, em 2004, a atriz trocou a dança pe­la ioga. “Teve um momento em que pensei que fos­se seguir carreira profissional. Até que enjoei do ba­lé e a vida me levou para outro caminho”, explica.

SEM PRESSA
Foi pensando em “ser uma bailarina mais completa” que Maria Flor começou a frequentar di­­versas au­las, como uma comandada pela coreógrafa De­­borah Col­­ker, na Fundição Progresso, casa de shows que também sedia respeitadas compa­nhias de teatro, co­mo Ar­­ma­zém e Intrépida Trupe. Em 2004, ao ser chamada pa­ra um teste no longa O Diabo a Qua­tro, de Ali­ce Andrade, ela lembrou que quando era cri­an­­­ça que­ria mesmo ser atriz – já tinha até feito cursos na CAL (Ca­sa das Artes de Laranjeira, bairro onde nasceu) e no tea­­tro Laura Al­vim. Se jogou, então, no filme que lhe rendeu, de es­tre­ia, três prê­mios de Melhor Atriz (nos festivais de Cuiabá, Ma­­naus e Pa­raty).

Em pouco tempo, Flor deixaria de ser anônima para diretores como Fernando Meirelles, que a comandou, em parceria com Gisele Bar­roco, na série Som e Fúria, com lançamento previsto para ju­nho, na Globo. “Ela é uma das melhores atrizes da sua geração no Brasil. Mas, quando a conheci de perto, vi que era muito me­lhor do que eu imaginava. Consegui ir, com a personagem dela, da comédia à loucura com a mesma facilidade que troco de camisa. É atriz na­ta. E encantadora no convívio. Ela definitivamente entrou no meu rol de atrizes a serem sempre chamadas”, garante Meirelles, que se encantou com seu traba­lho no filme de Laís Bodanzky, Che­ga de Saudade.Cinco anos de carreira foram suficientes para Flor também conquistar os diretores Sandra Werneck (Cazuza – O Tempo não Para, em parceria com Walter Carvalho), Lúcia Murat (Quase Dois Irmãos, que lhe garantiu prêmio de Melhor Atriz Coad­ju­vante, no Festival de Belém), Arthur Fontes (Podecrer!) e Jorge Durán (Proibido Proibir). “Vi Maria Flor em algum outro longa que não lembro agora. Ela era muito talentosa, tinha uma fotogenia difícil de encontrar. Saímos para conversar em um bar. Ela é muito inteligente, teve a exata compreensão do que eu pro­curava. Além de o rosto dela ser belo, o sentimento que passa é emocionante. Notei uma inteligência cinematográfica mui­to for­te”, observa Durán. Agora quem aposta na atriz é Arna­ldo Jabor, diretor de Suprema Felicidade, que a escolheu para o elenco do longa-metragem que será filmado neste mês.

Mesmo diante de tantos atestados de sucesso, muita gente também não reconhece Maria Flor pelo nome. É o caso de Do­min­gos Oliveira, consagrado diretor carioca, que su­gere que procuremos outra pessoa, já que não tem nada a declarar sobre a atriz. O paulistano Antunes Filho, um dos mais res­­­peitados diretores do teatro bra­sileiro, fundador do CPT (Cen­tro de Pesquisa Tea­tral), também não sabe quem ela é. Le­vamos, então, uma foto da atriz para ele, no Sesc Consolação, sede de seu grupo. Com a ima­gem em mãos e suas as­sistentes em volta, recordando as ce­nas que Flor fez na última nove­la (Eterna Magia, em 2007), o ve­te­rano lamenta, mas manda dizer à Tpm que “nun­ca a viu”. O fato de ela ainda não ter tra­balhado no tea­tro é uma justificativa para esse anonimato. “Que­ro muito fazer algo que realmente me toque, mas ainda não aconteceu. Tenho um projeto com a atriz Bianca Com­pa­rato, e estamos tentando captar recursos”, revela Flor.

SÓ NO PASSINHO
A carioca se empolga falando de trabalho como uma criança que aprende a ler e não perdoa uma só pla­ca na rua. “Com cada diretor e atriz que co­nhe­ço, a­pren­­­do um jeito de trabalhar. A Vera Holtz, por ­­e­xem­­­­­plo, chega ao set e a e­­­­nergia muda. Ela brinca com todo mundo. A Andréa Beltrão passa texto ouvindo mú­­­sica”, conta Flor, que tem mania de de­co­rar as falas de quem contracena com ela. As duas atrizes da ve­lha guar­da fazem parte de suas amizades recentes. “A Frozinha é uma atriz fora de série, ex­traor­dinária. Du­ran­te as gravações de Som e Fúria, em São Paulo, eu me sentia sozinha por­que meu marido e meus três filhos estavam no Rio de Janeiro. A Flor cuidou de mim, não me deixava ficar triste, me­­­­ le­­­­­vava pra passear, jantava comigo todas as noites, saíamos pra fazer compri­nhas... Ela foi uma mãezinha... Por isso me chama de ‘fia’”, lembra Andréa Beltrão. Vira e mexe, Flor liga para saber como estão as colegas ou para marcar um encontro. Um de seus programas preferidos é ir à casa de Vera Holtz, ver seus novos li­vros de arte. Cássia Kiss e Malu Mader também são novas amigas, com quem contracenou em Eter­na Magia. “No camarim era a Malu, a Irene Ra­va­che, a Aracy Balabanian, a Cleyde Yáconis, a Cássia Kiss, eu, a Milena­­ Tos­cano, outra atriz jo­vem, Eliane Giar­dini... Fi­cá­va­mos todas juntas, falando de tan­tas coi­sas, que na hora que cha­mavam pra gravar, a gente fa­lava: ‘Não! Estamos con­­versan­do!’”, diverte-se.

“Não sou de fazer planos. Sou mais do passinho, sabe? De ir construindo algo sólido. Prefiro chegar aos 35 anos, olhar para trás e ver o que fiz”

Mas a companhia mais frequente da atriz é sua mãe, a roteirista publicitária Marcia Leite. “Como mi­nhas amigas não são artistas, uma é bióloga, ou­tra é ad­vogada, normalmente não podem sair quando pos­­so. Sempre que o Felipe não vai comigo a estreias de peça, a um show ou a um desfile de moda, minha mãe acaba sendo a pessoa”, conta ela. Desde que se se­pa­­rou do pai de Flor, um técnico de som de cinema, quando a menina tinha 5 anos, Marcia criou a filha so­zi­­nha e nunca fez perguntas do tipo: “A que horas você vol­ta?”. Assim, estabeleceram uma relação estilo Gil­mo­­re Girls. “Ela é minha melhor amiga mesmo”, confirma a atriz. Mas garante que Mar­cia não era hippie, como pode sugerir o nome com que batizou a filha. “Ela que­­ria que fosse bem bra­si­leiro e diz que fui eu mesma que fiz a escolha, por­que até ela olhar para mim na ma­­ternidade estava de­cidido que eu me chamaria An­to­nia.”

Foi Marcia quem emprestou a bicicleta para a repórter da Tpm acompanhar a filha pelo resto do dia. No cami­nho até sua casa, encontramos um cara de ber­muda abaixo do joelho e cabelo repicado. “Esse é o na­mo­rado da minha mãe”, apresenta. A repórter comenta que ele parece jovem para um “namorado de mãe”. “Ele é moderno”, retruca. E tem 35 anos, dez a mais que a enteada e 12 a menos que Marcia, que tem 47 e muitas vezes é confundida com irmã ou amiga de Flor. “Uma vez saiu num site: ‘Maria Flor se despede de uma mulher com beijo na boca’”, conta, rindo. “Foi tipo um selinho, na minha mãe!”

A atriz aguarda a estreia, em junho, da série Aline, ins­pirada nos quadrinhos de Adão Iturrusgarai e dirigida por Maurício Farias (que teve um episódio exibido em 30 de de­zembro de 2008), e dos longas O Senhor do La­bi­­­rinto (de Geraldo Motta) e O Bem Amado (de Guel Arraes), prome­tidos para o segundo semestre deste ano. Mas não parece ansiosa nem preocupada com fama. Prefere falar da vida profissional em entrevistas, namora há cinco anos o mesmo cara – que não gosta de aparecer – e adora cuidar da casa. “Não sou de fazer planos. Sou mais do passinho, sabe? De ir construin­do algo sólido. Prefiro chegar aos 35 anos, olh­ar para trás e ver o que fiz”, fala, só de calcinha, sentada com os pés no banco da sauna, depois da aula de ioga.

Antes de se vestir com peças da Isabela Capeto e da Maria Bo­ni­ta Extra, marcas que adora, a atriz se pesa na balança do ves­tiário. O marcador crava 46,6 quilos. Ela olha em volta, franze a testa e pergunta: “Alguém se pesou aqui hoje? Tô achando que está errada...”. Vai, então, para a frente do espe­lho e dá uma secada em si mesma, como se procurasse o 1,6 quilo­ excedente aos habituais 45 quilos. Aproveito para perguntar: “Já recebeu convite para posar nua?”. Ela ri. “Graças a Deus, não... Acho que não faço o perfil. Com tanta mulher-fruta por aí...” É, Maria Flor está em outra.

Crédito: Murillo Meirelles
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