Vidas roubadas
Quantas pesquisas poderíamos produzir com os recursos desviados no mensalão?
Quantas pesquisas o Brasil poderia produzir com os recursos desviados no escândalo do mensalão?
A grande estrela esperada era o pesquisador israelense Dimitrios Karussis, de Jerusalém. Ele virou objeto de desejo de pacientes, familiares, profissionais da saúde e fomentadores de pesquisas, como eu, quando se espalhou por todas as redes sociais interessadas no tema que ele havia curado um rabino com ELA e miastenia (doença autoimune que causa fraqueza muscular) ao mesmo tempo. Após as apresentações técnicas dos protocolos de pesquisas, nos reunimos num auditório com o doutor Karussis, Kevin Eggan, de Harvard, que também pesquisa sobre ELA, a nossa Mayana Zatz, que há muito desbrava as distrofias musculares, Silvia Tortorella, representando o Instituto Paulo Gontijo, que investiu mais que a Fapesp (órgão do estado de São Paulo que patrocina pesquisas) nesse congresso, e familiares e pacientes com ELA. Estes questionaram a velocidade das pesquisas. O porquê de não serem chamados para participar de experimentos. Os cientistas sempre alegam não haver ainda segurança suficiente e que o risco de formação de um tumor maligno, por exemplo, é grande. Estavam a irmã da minha amiga Alexandra, que tem ELA, o Antônio Jorge, o Ildo, que eu acabara de conhecer, e a Priscila, que chorava implorando um tratamento para o pai.É a segunda vez nos últimos meses que participo de congressos que falam de pesquisas para tratamento de doenças neuromotoras. Nessa semana o tema era células-tronco e terapia celular. A doutora Lygia Pereira da Veiga abriu o congresso definindo genoma como a “receita do ser vivo”. Vários pesquisadores internacionais e a nossa nata de pesquisadores apresentaram trabalhos. Pesquisas com implantes de células-tronco adultas e embrionárias na área de autismo, esquizofrenia, distrofias e, a nossa principal vilã, esclerose lateral amiotrófica (ELA – ALS, em inglês). Como, via de regra, são dados três anos de vida depois do diagnóstico, isso faz da ELA a doença mais cruel entre as estudadas.
Atitude suspeita
Eu ouvi pacientes dizendo: “Prefiro viver com um câncer a morrer sem ele”, “Puxa, quero poder abraçar meus netos”, “Nosso maior inimigo é o tempo”. Fiquei ali consternada, sentindo as dores de todos os lados e um pensamento castigante me arrebatou... Sei que pesquisa científica no Brasil, na maioria das vezes, engatinha. Embora tenhamos representantes de altíssimo nível, não temos a cultura americana e de outros países de fazer grandes aportes em pesquisa, assim como as iniciativas individuais e privadas de investimento também não acontecem. Além disso, um insumo de laboratório que o pesquisador americano encomenda de manhã tem chance de chegar à tarde, enquanto aqui pode demorar um ano e meio. Mas o pensamento inconveniente não foi esse.
Lembrei do julgamento do mensalão e configurei na minha cabeça por onde anda o respeito às instituições brasileiras. Enquanto ainda existir desvio de verba pública existirá criança sem escola, gente morando na rua, pessoas sem remédios e menos investimentos em pesquisa do que nossa capacidade permite. Segundo a revista Veja, mais de R$ 350 milhões foram desviados pelo esquema do mensalão. Quantas pesquisas o Brasil poderia produzir com esse recurso?
As pessoas ali na minha frente implorando pela vida, e o ex-presidente Lula se mostrando tão egoísta que cada palavra que emite para amenizar o mensalão só confirma que sua preocupação é com ele mesmo, e não com o Brasil.
Mara Gabrilli, 42 anos, é publicitária, psicóloga e deputada federal pelo PSDB. É tetraplégica e fundou a ONG Projeto Próximo Passo (PPP). Seu e-mail: maragabrilli@maragabrilli.com.br