Vida Corrida
Projeto na periferia de SP estimula a atividade física – e a autoestima – entre mulheres
A manhã fria de segunda-feira era mesmo daquelas que grudam a gente na cama, ainda mais às sete em ponto. E enquanto alguns conseguem alguns minutinhos a mais de preguiça (e outros tantos estão no batente ou a caminho dele), dezenas de mulheres se aquecem nas dependências do ainda mais gelado Parque Santo Dias, na zona sul de São Paulo, ao som de música pop-eletrônica como as ouvidas em academia. Mas o que esquenta mesmo a mulherada é o incentivo de Neide Silva, 52 anos. “Mesmo com esse tempinho chovendo, temos um objetivo de estar aqui hoje, viu? Infelizmente, quem ficou na cama perdeu esse treino maravilhoso”, diz, enquanto coordena o alongamento e o projeto Vida Corrida, que há 13 anos estimula a prática da corrida entre crianças e adultos no Capão Redondo.
Tudo começou quando Neide, costureira de profissão (até hoje) e maratonista amadora nas horas vagas, passou a receber pedidos das amigas do bairro. Elas queriam praticar alguma atividade física e, em um bairro que então menos opções de esporte e lazer ainda, a vizinha era a referência quando o assunto é exercício. “A maioria tinha problemas familiares, consigo mesma, com o corpo, com o marido. Elas queriam ter qualidade de vida”, relembra a fundadora do Vida Corrida. Se no começo eram apenas seis corredoras, hoje o projeto conta regularmente com 200 adultos e 150 crianças, a maioria mulheres.
Em conversa rápida com qualquer uma das corredoras, é fácil perceber que o mundo ficou bem diferente da ponte pra cá por causa do trabalho de Neide. Muitas são donas de casa, estavam acima do peso e insatisfeitas com o corpo e com a rotina puxada de cuidar dos filhos. Além de conquistar um bom condicionamento físico, os participantes começaram a participar de corridas em circuitos profissionais, como a São Silvestre. No entanto, a maior medalha do Vida Corrida talvez seja mesmo a conquista da autoestima. “A mulher da periferia vê muita TV e pergunta ‘por que não posso ter um corpão igual ao de artista?’. Aqui no Vida Corrida ela pode. Sempre digo que lipoaspiração de pobre é a corrida”, comenta a patrona, aos risos.
Antes o material esportivo era improvisado graças aos esforços da patrona, que saía à cata de tênis usados. Agora, os atletas do Santo Dias contam com doações de empresas do porte da Nike, que ajudam a cobrir os custos, e do próprio salário de Neide, que ficou 30% menor para que ela pudesse dedicar mais horas do dia aos treinos. E é para chegar a tempo ao trabalho depois de resolver as pendências da sua própria vida corrida que ela se despede às pressas, lá pelas dez e meia, sem deixar de pedir desculpas por não poder ficar mais. Como sempre, atenciosa. “Agora preciso sair correndo para pagar as minhas contas”, se despede, tomando uma das trilhas do parque.
Vai lá: www.vidacorrida.org.br // www.facebook.com/ProjetoVidaCorrida
* Colaboraram André Silva, Estevan Muniz, Helena Dutt-Ross e Henrique Carneiro