Veterana na luta
Aos 48 anos, a judoca Fátima Belboni de Camargo, campeã mundial, fala de sua luta diária
Fátima Belboni de Camargo tem um ritmo para poucos. Trabalha em um clínica ortopédica, dá aulas particulares, faz bicos de personal trainning, estuda educação física e, também, vende marmitex para ajudar na renda.
Fátima é judoca desde os 10 anos de idade, quando, à revelia de seus pais, desistiu de fazer balé e começou a treinar – em uma equipe masculina. Apesar de até hoje não conseguir se manter só com o esporte, é uma verdadeira campeã: além de colecionar medalhas de campeonatos paulistas, brasileiros e sul-americanos, recentemente venceu o Campeonato Mundial Master de Judô.
Mesmo com todas as dificuldades, nunca desistiria de lutar, afirmou em entrevista ao site da Tpm. Mas alertou: “Se um atleta não tem incentivo, ele desiste”.
Quando você começou a praticar?
Eu comecei quando tinha 10 anos, era menina, pequenininha. Escolhi o judô porque sempre via a meninada lutando e gostava. O sonho da minha mãe era que eu fosse bailarina. Então ela me colocou no balé, mas eu não gostava, chorava muito. Eu gostava de judô, não adiantava, o meu sonho era ser lutadora. Eu ia para a academia sozinha, depois da aula, para treinar.
Mas você teve o apoio dos seus pais depois que começou a lutar?
Meus pais, não, nunca apoiaram. Apanhava muito, para querer largar. Mas na academia eu era tratada muito bem, as pessoas tinham o maior carinho comigo, alunos, professores. Quantas vezes meus professores não tentaram falar com a minha mãe que não era na pancada que ela ia resolver isso. Acho que se não fosse assim, apanhando tanto, até largaria. Mas isso me incentivou e continuo até hoje.
"sempre treinei com homens, treino até hoje"
E como foi quando você começou a competir?
A primeira competição que ganhei foi na equipe masculina, no Clube Esportivo da Penha. Antes, entravam as meninas e eu, que sempre fui uma atleta muito rápida, muito dedicada e adorava praticar, lutava com elas e jogava elas pra tudo quanto é lado muito fácil. Um tempo depois, com 12 anos, passei a competir na equipe feminina. Mas sempre treinei com homens, treino até hoje. Faz uns quatro anos, lutei novamente em uma competição masculina em um clube em São José do Rio Preto. Eu perguntei “Mas não tem equipe feminina?”, eles falaram sim, mas que eu devia lutar na masculina. Lutei com um dos campeões da região. Ele era muito forte, até me machucou, mas daí eu dei um ypon [o golpe mais rápido e eficiente da modalidade para vencer um adversário] e venci. Veio toda a mídia da cidade pra fazer entrevista!
Você conseguiu conciliar o esporte com os estudos?
No começo eu estudava, depois fiquei muito tempo sem estudar, parei porque porque tinha que ajudar a família e trabalhar. Com 10 anos comecei a trabalhar numa banca de frutas na feira, mas tudo isso ainda fazendo o esporte. Ajudava a montar barraca, arrumava as caixas de fruta, mas nunca desisti do judô, falava para mim mesma “Eu jamais vou desistir do judô”.
E hoje, dá para viver do judô?
Viver não. Não ganho nem um centavo pelo judô. O que me faz viver é o meu trabalho, faço vários serviços. Trabalho em uma clínica ortopédica, entrego marmitex, corro, me viro de um lado e do outro, dou aulas de judô, que é a coisa que eu amo de paixão, faço personal trainning, massagem.
Como é um dia comum da sua vida?
Levanto às seis da manhã, faço personal com uma aluna, vou para a clínica, depois entrego marmitex. Tenho um horário para estudar, treinar, depois vou para a faculdade. Treino de duas a três horas. Gostaria de poder treinar mais, mas tenho que trabalhar. Gostaria de treinar umas quatro, seis horas por dia, como já consegui.
Você luta com pessoas mais novas. É respeitada?
Normalmente luto com meninas de 20 anos. E, sim, o pessoal me respeita muito, até o pessoal na faculdade em que eu estudo me respeita pra caramba
Mas nunca sofreu preconceito por ser mais velha?
Às vezes sofro, mas levanto a cabeça e dou a volta por cima, eu não tenho esse problema. Tem gente que fala “Você é velha, não pode fazer”, e é aí que, quanto mais falam, mais eu treino.
Você é solteira. Acha que ser judoca intimida os homens?
Não, não intimida não. Hoje está difícil é achar a pessoa ideal. Você tem que correr atrás. Eu corro, mas está difícil. Quando eu achar, quem sabe. Você tem que ter uma pessoa bacana, que te entenda, que ajude. Não adianta ter qualquer pessoa do seu lado.
Você é vaidosa? Faz algum tratamento para o corpo, tem cuidados especiais de beleza?
Adoro malhar, adoro fazer musculação. Vaidade tenho, mas só um pouquinho. Mas vou ao cabeleireiro, lógico, tem que ir. Tem um salão de beleza que cuida de mim, que é meu patrocinador, no bairro onde eu moro. Cada um me ajuda como pode, é o que me traz essa vontade de lutar, de participar de todos os campeonatos. Para mim sempre foi uma dificuldade muito grande, mas sempre tive ajuda, seja um pai de aluno, a lavanderia que lava meus quimonos, a clínica que cuida de mim com ortopedista, fisioterapeuta. Se um atleta não tem incentivo, ele desiste.
Então, mesmo com todas as dificuldades que enfrenta, nunca largaria o esporte?
Jamais. Só largo o dia que Deus me levar embora. Enquanto tiver essa saúde, eu vou continuar a lutar e vencer todo mundo no ypon. Eu não largo meu judô. É a coisa que eu mais amo. Nada é mais maravilhoso do que você estar em um pódio, ouvir o Hino Nacional.