#VemPraRua

Mas, antes de sair sozinha, não esquece de colar um esparadrapo em cada peito

por Fernando Luna em

Só para não correr o risco de algum cara perguntar se você está com frio ou apenas feliz em encontrar com ele. Ah, se estiver de calça justa, melhor amarrar um casaco na cintura. Para não atrair atenção indesejada, sabe?

Vai de metrô? Tenta conseguir lugar no vagão exclusivo para mulheres, à prova de passadas de mão na bunda e encoxadas em geral. Vai de táxi? Certo, nunca é confortável viajar sozinha no carro de um desconhecido: melhor ficar no banco de trás, pelo menos mantém um distanciamento físico do motorista.

Vai a pé mesmo? Se estiver numa rua mais vazia e avistar um homem vindo na direção contrária, atenção. Quando se cruzarem, olha pro chão, pro outro lado ou para qualquer lugar em que ele não esteja. Só para deixar claro que você não deseja trocar uma ideia e muito menos fluidos com ele.

Tudo isso é irritantemente familiar para qualquer mulher. Pela frequência com que acontece, pode até dar a impressão de ser algo normal, uma dessas leis naturais não escritas e irrevogáveis. Mas esse estado de alerta permanente não deveria ser a condição normal de temperatura e pressão da vida de ninguém.

Basta uma mudança de sexo para se dar conta do absurdo: imagina a Secretaria de Transportes anunciar um ônibus só para homens, onde eles pudessem se sentir protegidos das investidas femininas. Ou seu namorado perguntar se a bermuda dele é muito curta para ir rapidinho à padaria tomar um café da manhã. Ou abrir um guia de turismo e folhear uma seção inteira dedicada a “homens viajando sozinhos”, com várias dicas de segurança e recomendações sobre como eles devem se comportar para voltarem sãos e salvos. Ou então aquele seu amigo sarado confessar que fica meio assim de entrar num boteco à noite para comprar cigarro.

Tudo isso seria bizarro. Tudo isso é bizarro: a suposta gracinha que a mulher tem que escutar na rua (só é gracinha se os dois acham graça, afinal), o cara que acredita que agarrar seu cabelo é uma ótima cantada, o estupro físico. Tudo isso é violência sexual.

E um de seus aspectos mais grotescos é a insistência em culpar a própria vítima, como revela a reportagem “Não, a culpa não é sua”. “Ela pediu”, “ela mereceu”, “ela sabia onde estava se metendo”, “ela estava provocando”, “ela estava bêbada” – quantas vezes se tenta justificar assim um crime que não tem justificativa?

Nenhuma mulher tem como evitar a violência sexual. Só quem pode fazer isso são os homens – simplesmente não fazendo.

* Fernando Luna, diretor editorial

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