Vai encarar?
Já tentou receber um cadeirante na sua casa? E como você bateria um papo com um surdo?
Ingressamos numa feliz fase da história brasileira em que serviços, espaços e produtos incentivados pelos meios de comunicação são convites crescentes ao repensar. Então, vamos lá... As pessoas com deficiência no nosso país há anos fulguram no compêndio dos brasileiros invisíveis. Muitos nem conseguem sair da própria casa porque não têm uma cadeira de rodas ou algum outro equipamento de tecnologia assistiva que lhes dê maior autonomia física ou sensorial. Ou porque só se deslocam com o auxílio de um acompanhante e isso não se tem à disposição facilmente. Outros não têm saúde pra deixar a cama, uns não conseguem transpor as barreiras físicas das calçadas, da topografia ou mesmo da escassez do transporte acessível e, por fim, há aqueles que simplesmente não têm para onde ir.
Presume-se que, depois do Censo 2000, o número de pessoas com deficiência no Brasil já tenha chegado a 30 milhões. Praticamente o Canadá inteiro.
Para tirarmos esse contingente de pessoas do cárcere induzido são precisas muitas ações como a execução e a fiscalização de uma política pública de inclusão multissetorial, ações assertivas da iniciativa privada na contratação e capacitação dessas pessoas, acessibilizando espaços e serviços, quebrando barreiras construtivas e de comunicação, além do esforço do terceiro setor em se profissionalizar para trabalhar cada vez mais estrategicamente.
A olho nu
Mas não é disso que quero falar. Preciso evidenciar aquelas pessoas com deficiência que mesmo com toda a dificuldade enfrentada circulam por aí. E você as enxerga? Estou falando do seu comportamento. Quero que note o óbvio das atividades diárias daquelas pessoas e que possa repensar e fazer melhorar você e quem estiver por perto. Você é do tipo que não conversa nem reflete sobre surdo, cego, cadeirante ou anão, e ainda acha que isso é natural por não conhecer nenhum desses tipos? Já pensou como um rapaz anão faz xixi no vaso? E, na hora de enxugar as mãos, imagine que seus braços e suas mangas se ensopam antes de a mão ficar seca. Já tentou receber um cadeirante na sua casa? Pensou na disposição dos seus móveis? Refez na sua cabeça o percurso que um cego faria para chegar ao seu trabalho? E como você bateria um papo com um surdo? Já pensou em contratar alguma dessas pessoas?
O meu desejo é que você tire da sua invisibilidade esse segmento. Como fez a revista Trip há nove anos, me colocando tetraplégica seminua na capa da revista como Trip Girl. Perceba o quanto a diversidade pode te envolver e deixar sua concepção de vida engrandecida. Vai encarar? Esse é o nome do livro que inspirei a jornalista e escritora Claudia Matarazzo a escrever. Fui a consultora e ela, a artífice do “repensar”. O livro busca disseminar um comportamento inclusivo. Mergulhe na onda do desenho universal e deixe a diversidade te levar!
*Mara Gabrilli, 40 anos, é publicitária, psicóloga e vereadora por São Paulo. Fundou a ONG Projeto Próximo Passo (PPP), é tetraplégica e foi Trip Girl na Trip #82. Seu e-mail: maragabrilli@camara.sp.gov.br