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Os comerciais de absorvente, com seu nobre líquido azul, são o último refúgio da monarquia
Comerciais de absorventes são o último refúgio da monarquia. Um Paço Imperial de 30 segundos reservado a mulheres nobres, de sangue azul. É, azul.
Reparou? Quando chega a hora de demonstrar as asseadas qualidades do produto, entra em cena o puríssimo Líquido Azul. E lá vai ele, o Líquido Azul, em seu fluxo límpido, desaparecer entre as tramas do algodão.
Vermelho é proibido. Lembra sangue, e sangue lembra menstruação. E, curiosamente, tudo o que não se quer lembrar num anúncio de absorvente é menstruação.
Pois bem, a maior parte das revistas femininas é um comercial de absorvente.
Publicam milhares de matérias prometendo sensação de limpeza, refrescância prolongada e bem-estar íntimo. Enfileiram “truques”, “dicas” e “métodos infalíveis” para, bem, para fingir que mulheres são como a Barbie – um corpo de plástico, sem orifícios.
E, quando se constata o óbvio (e como não constatar por experiência própria que gente é imperfeita, que gente vaza?), vem a impressão de inadequação. Uma crise essencialmente feminina.
A escritora inglesa Charlotte Roche vendeu mais de 1 milhão de exemplares de Zonas Úmidas, debochando dessa obsessão higiênica que persegue as mulheres. Um trechinho educativo.
“Em algum momento percebi que meninas e meninos recebem lições diferentes sobre como manter limpas suas regiões íntimas. Minha mãe sempre valorizou muito a higiene da minha xoxota, mas nunca ligou para a higiene do pênis do meu irmão. Ele pode até fazer xixi sem se limpar e deixar o resto na cueca.
Em casa, a limpeza da xoxota é tratada como uma ciência absolutamente séria. Supostamente, seria muito difícil mantê-la limpa. É claro que isso é uma idiotice total. Um pouquinho de água, um pouquinho de sabão, esfregar e esfregar. Pronto.
Nada de limpar demais. Primeiro, pela importante flora da xoxota. Mas também pelo seu cheiro e seu gosto, muito importantes no sexo.”
E os homens nisso? Vale ler o que um deles escreveu. Rubem Fonseca, em Secreções, Excreções e Desatinos. No conto “Encontros e Desencontros”, uma mulher conversa com um homem:
“É uma coisa repugnante, é sangue, um sangue diferente, tem cheiro, cheiro ruim de menstruação. Dizem que tubarões são atraídos por esse odor, mas eu não acredito. Ninguém, nenhum animal, gosta desse cheiro.
‘Eu sou.’
‘O quê?’
‘Atraído por esse cheiro.’”
Exatamente, atraído. Relaxa. A reportagem “Nojenta?” coloca o dedo (sem lavar as mãos) na paranoia feminina com o próprio corpo. Nenhuma revista se chama Tpm à toa.