Uma luta rumo às flores

Mara Gabrilli: 'Em um país onde a saúde da mulher já é mais do que negligenciada, uma decisão política piora um pouco a situação'

por Mara Gabrilli em

Linda, de sorriso fácil, olhos brilhantes. Foi assim que chegou a mim Flavia Flores, empresária do ramo da moda que arrasta uma multidão de seguidoras em sua página Quimioterapia e beleza, no Facebook. Depois de sentir no banho um carocinho na mama esquerda, correu para o ginecologista. Fez exames, uma cirurgia para troca de prótese, mas só depois veio o choque: aos 35 anos, a notícia do câncer de mama.

Desespero, dor, medo. Flavia contou-me que chorou a ponto de ir parar embaixo da mesa do médico. Mas ela, que não carrega flores no nome por acaso, fez do câncer um caminho lindo para guiar outras mulheres que enfrentam a doença. A superação foi tão latente quanto o choque imediato.

A identificação com Flavia não poderia ter acontecido de forma mais natural. Assim como ela, que enfrentou a temida quimioterapia e perdeu o cabelo, eu também fiquei careca quando sofri o acidente e tive que fazer uma cirurgia que ia até o topo da cabeça. Perdi movimentos, tive de me reinventar, mas não abri mão da graça. Simplesmente ser mulher, com direito a todas as loucuras e frivolidades, não cansa de me encantar.

Flavia se acha uma Barbie careca. E é mesmo! Em sua página, compartilha dicas de moda, beleza, saúde, bem-estar... Dessa forma, consegue extrair a autoestima perdida de muitas mulheres. Penso que não há beleza mais exuberante que dividir sua vontade de viver com outras pessoas. Tem herança melhor que o ânimo?

Tratamento precoce

Além de resgatar autoestima, o exemplo de Flavia é muito importante como alerta para a prevenção da doença. Aos 35 anos, ela não faz parte da faixa etária em que há maior incidência de câncer. Sua história mostra a importância da mamografia, exame cujo acesso no Brasil ainda é restrito.

Uma recente portaria do Ministério da Saúde diminuiu o repasse de verbas aos municípios para realização desse procedimento, restringindo o acesso às pacientes entre 50 e 69 anos. Caso queiram realizar o exame em mulheres de até 49 anos, as prefeituras receberão verba apenas para a realização da mamografia em uma mama.

Já imaginaram quantas Flavias serão privadas de buscar tratamento precoce?

Estamos movendo uma ação judicial para que esta portaria seja anulada e que o Ministério Público Federal seja notificado a tomar as devidas providências.

Em um país onde a saúde feminina já está doente, isso é a morte. Devemos seguir. Rumo à vida, em direção às flores. É o que todas as brasileiras merecem.

Mara Gabrilli, 42 anos, é publicitária, psicóloga e deputada federal pelo PSDB. É tetraplégica e fundou a ONG Projeto Pró­ximo Passo (PPP). Seu e-mail: maragabrilli@maragabrilli.com.br

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