Um webnamoro com Reynaldo Gianecchini

Criada durante a pandemia, a experiência audiovisual Amor de Quarentena propõe criar atmosfera de intimidade no Whatsapp

por Carol Ito em

Saudades de ir ao teatro, ao cinema e rever crushes, né, minha filha? Pois bem. Amor de Quarentena, uma experiência audiovisual criada para o WhatsApp, busca amenizar essas carências pandêmicas. Comprando um ingresso a R$ 44, meros mortais recebem textos, vídeos, fotos e áudios românticos de celebridades que interpretam um amor do passado. Dá pra escolher entre Débora Nascimento, Mariana Ximenes, Jonathan Azevedo ou Reynaldo Gianecchini, os protagonistas da temporada, que começou em setembro e vai até 5 de novembro. 

“A experiência que a gente quer levar para as pessoas é de criar uma intimidade e, a partir daí, causar sensações de empatia, como elas fizessem parte de uma relação amorosa”, conta Gianecchini, em entrevista respondida por áudios no WhatsApp. “O processo criativo para construir esse personagem foi muito divertido, dei meu palpite em tudo. Não é necessariamente uma autobiografia, mas passa muito pela minha memória afetiva. O texto é ótimo, dava pra preencher com mil nuances.”

O texto é do argentino Santiago Loza, escrito sob encomenda do produtor uruguaio Ignacio Fumero, que teve a ideia depois de ficar sabendo de vários casos de pessoas que entraram em contato com ex-amores pelo zap durante a pandemia. A peça virtual também rolou em outros seis países, como explica o diretor brasileiro, Daniel Gaggini: “No mundo todo, cerca de 25 mil pessoas já vivenciaram a experiência. No Brasil, foram mais de 1500, antes mesmo de completarmos um mês de temporada”, conta. O dinheiro arrecadado com a venda de ingressos contribui com o Fundo Marlene Colé, de apoio a artistas e técnicos que estão sem trabalho por conta da pandemia. 

“É uma solução muito interessante para os tempos que a gente está vivendo, em que estamos impossibilitados de fazer girar a roda da cultura. Como qualquer obra artística, a ideia é trazer um pouco de alento, reflexão e entretenimento”, diz Gianecchini, que conta que o período de reclusão também o fez repensar sobre algumas relações: “Eu não tenho um ex-amor que eu sinta que tenho coisas para falar ou digerir, como o personagem. Mas tenho amigos que fiquei com vontade de retomar o contato ou rever uma má comunicação do passado.” 

A ideia de ter um pseudo date virtual com Reynaldo Gianecchini – que atualmente pode ser visto na reprise da novela Laços de Família, da Globo, ou exibindo um grisalho belíssimo em seu perfil no Instagram – me pareceu curiosa. Resolvi testar a experiência de ser acompanhada por treze dias pela voz do galã em seu monólogo de WhatsApp e relato algumas impressões a seguir.

Dia 1

Estava pesquisando preços de ração para meu cachorro pelo celular quando recebi a primeira mensagem de Gianecchini: “Oi, tudo bem? Quanto tempo…”. Interpretei como o típico “oi, sumida”, que, em geral, significa que o crush tem interesse em retomar o contato e, quem sabe, marcar um date. Na quarentena, a expressão não tem a mesma eficácia, já que não tenho a perspectiva de sair com um desconhecido, o que, além de ser arriscado em termos de contágio, envolveria aplicar um questionário prévio constrangedor, com perguntas como: já pegou Covid? Vê seus pais idosos com frequência? Há quanto tempo não entra em contato bucal com outra pessoa? Em quem você votou na última eleição?

Não é o caso, de qualquer forma. Depois da primeira mensagem, vieram outros três áudios, em que Gianecchini diz que se lembrou de mim ao acordar em um dia ensolarado. Mandou foto de um entardecer, dessas de plano de fundo de desktop. Ele tem um senso de ridículo bem apurado, o que é reconfortante para alguém que também se sente um pouco ridícula ouvindo um monólogo de um ator famoso pelo WhatsApp. “São tempos estranhos, então, a gente pode aproveitar e se entregar um pouco mais à estranheza”, propõe.

Ao final, ele envia um link do YouTube com o clipe de “Depois”, da Marisa Monte, um clássico da música de fossa brasileira. Obrigada, Gianecchini, por me fazer me lembrar do meu ex nesta segunda-feira.

Dia 2

“A verdade é que eu não penso em um reencontro. Agora, só me importa que você me permita falar com você.” Começou mal nesse áudio, gato. Sempre me irritou o hábito que algumas pessoas têm de manter aquela conversinha virtual, com direito a envio de nudes, sem nunca partir para a ação off-line. Parece que você é acionada só para amaciar o ego frágil de alguém que quer se sentir desejado sem grandes esforços.

A coisa melhora quando Giane – já me sinto íntima – manda um vídeo em que grava a janela de seu banheiro enquanto toma banho. No vidro embaçado pelo vapor do chuveiro, está escrito um “bom dia” feito com o dedo. O barulho da água me faz imaginar como teria sido esse banho matinal. Ele está se ensaboando de um jeito meio frenético ou esse barulho é coisa da minha cabeça? Depois, ele manda um vídeo gravado de sua sacada, mostrando o céu rosado ao entardecer. Não prestei muita atenção, ainda estava presa na história do banho. 

Dia 5

“Faz sol aqui, outro dia ensolarado, o ar tá muito limpo. Durante todo o dia, eu tive esperança.” Em tempos de recordes de queimadas na Amazônia e Pantanal, colocar “ar limpo” e “esperança” na mesma frase só pode ser brincadeira. “Se essa pequena esperança pudesse te contagiar, eu queria poder te transmitir essa fé com o mundo que surgiu hoje.” Eu queria ter esperança, Giane, mas o noticiário não deixa. 

Por fim, ele revela seu lado pai de planta e manda foto de cactos do quintal, com a frase “os cactos são criaturas resistentes, não precisam de mto cuidado.” Só os cactos sobrevivem nessa seca emocional pandêmica, mesmo.

Dia 10

Hoje veio falar de praia. Golpe baixíssimo! O mais perto que cheguei de uma praia na quarentena foi assistindo reportagens de pessoas que, no pico da pandemia, se banhavam aos finais de semana no litoral, com direito à aglomeração e rostos livres de máscaras. Que raiva eu sentia. Agora, tenho raiva por não conseguir ser uma dessas pessoas, por me culpar ao sair para comprar uma marmita no restaurante do bairro, abraçada ao meu rancor quarentener. 

“A praia poderia ser em Barcelona. A gente comeria umas sardinhas assadas com salada, tomaria gaspacho.” Puro luxo. Eu já ficaria bem satisfeita com um espetinho de queijo e uma caipirinha em Ubatuba.

Dia 11

Giane manda um áudio sonolento dizendo: “À noite, eu tive um sonho tão profundo que achei não fosse acordar mais. O corpo demorou a reagir.” Essa sou eu quase todos os dias da quarentena, que match! 

Ele boceja. Saudade de sentir um bocejinho no pé do ouvido, que não seja do meu cachorro deitado ao meu lado. Aliás, eu sempre disse que jamais deixaria um não-humano dormir comigo na cama, não é pedagógico para o animal (para o animal?) e tem a questão dos pelos. Mas a carentena bate forte e queimo minha língua com frequência. Giane manda um som tentando levantar os ânimos: “Tudo que for leve”, de Alice Caymmi. Seguimos tentando. 

Créditos

Imagem principal: Divulgação

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