Um toque pra você
Todos nós temos o poder de melhorar a vida de alguém e de tocá-lo de uma forma nova
Sabe, muitas vezes me ocorre que não sei nada. Eu fico indignada quando “ressinto” emoções ruins no tempo e no espaço errados. Esse tipo de burrice afetiva tem que ser reparado. Você sabe do que estou falando? Aquela dor que chega e depois a gente se dá conta de que não condiz com a situação presente. Coisas mal resolvidas.
Eu escrevi este texto num domingo lindo de céu azul, sol quente, brisa refrescante, passarinhos e um som lounge rolando no fundo, biquíni, piscina e meu amor comigo. Foi um dia em que caí apaixonada! Quero entregar a você todo o sentimento que extraí da natureza pura, sem toque no teclado do computador, sem teto. Só com o som da minha voz.
Escrever um texto na memória é uma das vantagens de ser “tetra”. Algumas informações básicas do dia-a-dia – como números de telefone e agenda de compromissos – são armazenadas no único lugar a que tenho rápido acesso sem depender de alguém. Assim, deixo a minha vida melhor.
Sabia que todos nós temos o poder de melhorar a vida de alguém? Eu uso esse poder! E não sou do tipo boazinha. Mas acredito que cada ser humano que tem sua vida melhorada faz a minha vida melhor. E a sua também. A meu ver, aquelas pessoas que acham a própria existência uma porcaria disseminam inutilidade e insatisfação no ar que respiram. O pior é que esse ar vai ser respirado por outros. É falta de educação, de cuidado e de elegância. Não estou falando de dinheiro, saúde, beleza, trabalho... Estou falando de responsabilidade, determinação, felicidade. Quando escrevo, mexo com tudo isso ao mesmo tempo. Escrever é liberar sentimentos dos quais nem me dou conta. É uma salvação da vida emocional sufocada, a conquista da liberdade. A conversa também traz um pouco disso, principalmente se envolve elogios ao outro.
Hoje estou na velocidade do pensamento. Não quero nem parágrafos.
Outro dia uma moça foi baleada por um menino porque ela não queria ficar com ele. Resultado: voltou da festa com uma paraplegia. Depois de um mês internada, chegou em casa sem informação nenhuma sobre como lidar com a nova condição. A família não sabia nem se podia tocar nela. A menina de 20 anos não se mexia, usava uma sonda com saco de xixi pendurado, tinha infecção na bexiga, ferida na bunda e dor no ombro.
Eu, Alfredo e a Aninha fomos visitá-la. Era uma casa simples num bairro distante.
Com certeza você conhece alguém que conhece alguém que conhece alguém que precisa de um esclarecimento, de um gesto.
Conversei com ela, a Aninha conversou com a família, e o Alfredo a deixou em pé pela primeira vez desde o “acidente”. Ensinamos à família formas de movimentá-la, de tocá-la.
E, por falar em toque, está aí uma coisa que me inquieta e aflige. Sabe quando dá aquela vontade louca de apertar, acariciar, sentir e exteriorizar com o toque, uma onda de amor que vem estourando, que ultrapassa o limite físico do corpo? Não poder fazer isso me deixa enlouquecida. Parece que eu “ressinto” emoções ruins que achava superadas.
Tudo bem que eu posso pedir ajuda para o toque, mas isso tiraria a força que o ímpeto do gesto traz. Um dia perguntei para o Alfredo se ele não fica injuriado por eu não poder tocá-lo. Sabe o que ele me respondeu? “Você me toca em lugares que ninguém nunca tocou.”
Bom... Depois dessa, a única coisa que ainda tenho a dizer até para mim mesma é: “Se toca, gatinha!”.
Quem acha a própria existência uma porcaria dissemina inutilidade e insatisfação no ar que respira
* Mara Gabrilli, 36 anos, é publicitária e psicóloga. Dirige a ONG Projeto Próximo Passo (PPP), ligada à qualidade de vida do deficiente físico – ela é tetraplégica e foi TRIP Girl na TRIP #82. Seu e-mail: maragab@uol.com.br