Um texto que dispensa culhões

Nessa semana, ouvi três diferentes mulheres dizendo que precisar de culhões

por Mariana Perroni em

Nessa semana que passou, ouvi três diferentes mulheres, em três diferentes situações dizendo que precisavam de culhões para resolver algo. O que havia em comum entre elas é que todas usaram a expressão para se referir à motivação e coragem para agir de forma a acabar com alguma situação difícil que as desagradava na vida profissional, familiar e num relacionamento, respectivamente. Até então, eu nunca tinha prestado muita atenção nessa expressão. Mas a repetição dela acabou gerando alguns questionamentos em mim. Minha conclusão foi de que ela é, no mínimo, inadequada e sem sentido (para nao dizer machista, talvez).

 
Para dar embasamento a meu ponto de vista, alguns esclarecimentos são necessários. Porque quem não estudou embriologia, provavelmente não sabe que a loteria da vida define se seremos homens ou mulheres por uma combinação de mecanismos genéticos e hormonais. E nem deve ter ouvido dizer que durante as primeiras semanas desenvolvimento, todos nós somos bipotentes (ou assexuados, de acordo com o gosto do leitor). Ou seja, temos os substrato para ser tanto Felipes quanto Júlias. Carminhas ou Tufões.
 
Eu explico: é só lá pela sexta semana do desenvolvimento embrionário que a diferenciação começa a ocorrer. Se você é XY, um gene do cromossomo Y "acorda" e faz com que as células existentes se diferenciem para formar os componentes masculinos, com subsequente secreção de grandes quantidades de testosterona. Agora, se existe em você o XX, mais do que para a formação de uma banda de rock indie excelente, prossegue-se para o desenvolvimento das estruturas femininas e seus respectivos hormônios. Acho que dá até pra dizer que, numa primeira instância, todos começamos a vida como mulheres. Até aquele pedaço do Y se manifestar.
 
A teoria é bem interessante. Só que simplificá-la acaba gerando a errônea generalização de que: Y+ testosterona = Homem e falta de testosterona = Mulher. Isso piora mais ainda quando começa o papo de que há vários estudos que mostram que a testosterona influencia o comportamento e é o hormônio responsável pela postura mais agressiva, maior tendência a correr riscos e persistência para alcançar objetivos por parte dos machos da maioria das espécies, quando comparados com as fêmeas. 
 
Na minha opinião, é aí que está pelo menos parte da origem dos estereótipos de gênero, das expectativas sociais e de vários dos preconceitos que as mulheres (ainda) vivem hoje em dia. Afinal, elas mesmas, ainda que nem percebam, acabam deixando subentendido que a coragem para mudar algo que as incomoda depende da presença de um par de testículos entre as pernas.
 
Só que eu tenho algo a dizer para você, mulher que gosta de falar que está precisando de culhões para algo: mulher também produz testosterona. Nos ovários e nas supra-renais. O organismo feminino é tão fantástico que nem precisa de testículo para isso. Então, vou terminar esse texto pedindo um favor. Pequeno. E que, na verdade, não é nem para mim. É para você mesma: Pare de usar essa expressão. O arsenal, pelo menos hormonal, para se tornar protagonista de sua própria vida, você já tem. E, ainda que você não saiba o que está faltando para tomar as rédeas, garanto que é na vida e não na bancada do laboratório que vai encontrar.
 

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