Um livro de areia
Novo livro de Alan Pauls, "A vida descalço", investiga por que a praia nos fascina – e nos liberta – tanto
O escritor argentino Alan Pauls é um devoto da praia. Em muitas de suas lembranças da infância, sedimentadas durante as tantas temporadas ao lado do pai em Villa Gesell (praia perto de Buenos Aires), a imagem da “horizontalidade infinita do mar e da praia, que gostava de varrer encarapitado na ponta das dunas” é intensa.
Desse fascínio pelo litoral nasceu o livro A vida descalço, que será lançado no próximo dia 7 pela Cosac Naify. Em quase cem páginas de ensaio, o autor de O passado (2003, com versão para o cinema dirigida por Hector Babenco) percorre as águas caudalosas de sua experiência, em um texto feito areia: homogêneo visto de longe, mas, ao olhar mais atento, cheio de pequenas complexidades, conchas, cristais, referências históricas, literárias e mitológicas, aliadas à publicidade e à cultura pop. Em cada detalhe ele busca compreender como um ato tão modesto como estar sem sapatos (e em trajes de banho) define um estilo de vida profundamente diferente do praticado no asfalto.
É o suficiente para disparar uma sequência envolvente de imagens e conceitos sobre a relação do autor (e de todos nós, como não?) com o que define como “maquete provisória, sazonal, de uma pequena sociedade sem estado e sem mercado”. A vida na praia, para ele, é “anarquia sem agressividade”, carregada de euforia adolescente. O local do prazer sem compromisso, da informalidade como única lei social vigente, que tudo e a todos abarca. Afinal, é o único ambiente onde se aceita a quase nudez e onde muitos de nós temos experiências únicas e irrepetíveis – quantas histórias não há de aventuras sexuais que só encontraram condições de existência sob a brisa marítima, lembra Pauls.
Não sem pesar, o livro contrapõe o aspecto paradisíaco do litoral à especulação midiática e imobiliária em seu entorno. Mesmo assim, a praia não deixa de ser utópica. Porque ela é sempre fronteira, sempre evoca o espaço intocado pela ação humana. E, sendo inalterada (ainda que minimamente), é um lembrete de nosso lado primitivo, anterior à civilização. Daí a liberdade que sentimos ao tirar os pés do sapato e cruzar a fronteira entre a calçada e a areia: estamos livres para nos recriar, para ser o que quisermos ser.
Vai lá: A vida descalço, ed. Cosac Naify, R$ 45