Um ano imperfeito

... já que a perfeição provoca tanta insatisfação com o próprio corpo

por Fernando Luna em

Como dizia aquele francês, criador do mais irresistível clichê destas plagas, “Brasil, terra de contrastes”.

De um lado, a abundância da Mulher Melão, da Priscila BBB e da Nicole Paniquete, três candidatas à musa deste Carnaval. De outro, a fila esquálida de modelos nas semanas de moda. Umas com tanto, outras com tão pouco. Ei, e se a gente trocasse de lugar as passarelas do samba e da moda?

As mulheres-hortifrútis e seus derivados desfilariam, sei lá, no SPFW. Quadris pra mais de metro esgarçam as silhuetas esguias do outono-inverno. As coxas solidificadas à base de muito leg press e injeção de gás carbônico apavoram a fila A. Os peitos espremidos nas roupinhas manequim 36 sacodem para, enfim, alegria dos fotógrafos. O estilista chora.

Enquanto isso, no Sambódromo, as meninas magrinhas fariam carão em frente à bateria de uma escola de samba. O peso do espaldar curva o corpo frágil, prejudicando a evolução. O tapa-sexo desta vez tapa muito mais que o sexo, já não há mesmo muito o que ver nas ancas impúberes. Os braços finos saúdam o povo, atônito, e pedem passagem (para Paris). O carnavalesco chora.

Chooora, não vou ligar: o que modelos pesos-pena têm em comum com quadris de 120 centímetros? Susan Orbach responde.

Peraí, Susan quem? É do Brazil’s Next Top Model? Tava na Record? Fez Malhação? Não. Essa inglesa é uma das melhores pensadoras de questões femininas. Psicoterapeuta, ajudou a princesa Diana a escapar da bulimia. Autora de vários estudos sobre o corpo, foi consultora da “campanha pela real beleza” da Dove, aquela que mostra mulheres de vários tamanhos e cores em seus anúncios.

Em seu livro mais recente, Bodies (ainda sem tradução por aqui, mas numa Amazon perto de você), Susan investiga o que está acontecendo com o meu, o seu, os nossos corpos. Com os corpos subfaturados da moda e os corpos superfaturados da avenida. Um e outro, reflexo do mesmo problema, que ela resume numa frase: “Nos últimos 30 anos, passamos a ver o corpo em que vivemos como um corpo que pode e deveria ser perfeito”.

O que é perfeição? Depende. Na moda, é o que deixa a menina sem comer para continuar magríssima. Na avenida, é o que faz a mulher comer ração humana no café da manhã, clara de ovo no almoço e nada no jantar, para ficar bombada. É, sempre, aquilo que você não é – e que, diabos, cisma em tentar ser. É, afinal, o que provoca uma insatisfação permanente com o próprio corpo.

Como ainda é fevereiro e esta é a primeira Tpm do ano, ainda está em tempo: um ótimo (e imperfeito, no melhor sentido) 2010 para você.

Fernando Luna, diretor editorial

 

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