Trip para mulheres
Um iate, dez dias, mar perfeito: 11 garotas surfistas invadem um arquipélago ao sul da Índia
Nesses anos de dedicação ao surf, sempre invejei uma coisa nos homens: eles compartilham viagens iradas mundo afora. Até que, mês passado, tive a chance não só de acompanhar uma surf trip de mulheres, mas também um encontro histórico do surf feminino. Onze atletas dos mais diferentes níveis e idades se uniram para passar dez dias em alto-mar em busca de ondas e diversão, no arquipélago das Maldivas. Um paraíso no oceano Índico, ao sul da Índia, próximo à linha do equador. Resumindo, um lugar de água quente e cristalina, fundo de coral e ondas perfeitas.
A simples ligação de uma amiga – surfista e fotógrafa – deixou minha vida de cabeça para o ar. Ela não poderia fazer a viagem e estava me oferecendo seu lugar na barca. Não sosseguei até garantir meu posto. Tive dez dias para organizar uma viagem que facilmente elegeria como um projeto de vida.
O encontro oficial da mulherada foi em Dubai, pois algumas surfistas profissionais, como Suelen Naraísa, Chantalla Furlanetto, Bruninha Schmitz, Cláudia Gonçalves e a portuguesa Francisca Pereira vinham da África, onde competiam pelo WQS (divisão de acesso ao mundial de surf). Foi lá, no superaeroporto de Dubai, que encontrei as meninas e também Brigitte Mayer, idealizadora do projeto Expedição Maldivas. Brigitte, campeã brasileira em 1998, é uma das maiores incentivadoras do surf feminino brasileiro. Além de competir, ela mantém a paixão pelo esporte por meio da revista virtual Ehlas. Tem 41 anos e uma energia de causar inveja.
Aos poucos fomos nos conhecendo e não víamos a hora em que o avião pousasse na singela ilha-aeroporto de Male, capital do arquipélago. Depois de passar pela imigração e ver as atendentes cobertas de preto da cabeça aos pés, me dei conta de que estava num lugar muito diferente, imersa numa cultura intolerante a coisas usuais no Brasil. Transportar bebidas alcóolicas, por exemplo, é crime e a punição, severa.
Quem nos aguardava ansioso no aeroporto era o “surf guide” Iboo, um nativo que entende tudo das ondas nas Maldivas. Iboo não imaginava o tsunami feminino que estava para invadir as ilhas. O barco de apoio nos levou até o grande Horizon III. Parecia um sonho. Um iate de quatro andares, com a infraestrutura de chefs de cozinha, sauna, Jacuzzi e massagista. Os gentis nativos nos esperavam com água de coco enquanto a mulherada se beliscava para acreditar no que via.
Dividimos os quartos e caí com Suelen Naraísa, atleta de Ubatuba, litoral norte paulista. Ela foi uma doce roommate, aguentou a minha bagunça e a correria para registrar tudo que elas aprontavam. Sempre apta para surfar, foi uma das primeiras a pôr o biquíni e ir para a água. Eu, ansiosa para fotografar, senti o peso do jet lag, do fuso e da ansiedade pela viagem… Passei muito mal nas primeiras horas. Mas não me entreguei. Já na primeira noite, escalamos a tripulação, botamos o “Are Baba” na caixa e dançamos até o chão. A Índia fica próxima das Maldivas e eles adoram as dancinhas que a novela das oito vive mostrando.
Surf no pé
Às cinco e meia da manhã despertávamos com as badaladas do sino do barco. O ritual se repetiu todos os dias. Quando ele soava, era hora de acordar para surfar ou para comer! A mulherada corria para colocar biquíni, protetor e já seguia para o barco de apoio para passar parafina, ajeitar as quilhas e botar pressão em quem não chegava. A única estrangeira do barco, a portuguesa Francisca Pereira, de 19 anos, era sempre uma das primeiras a se aprontar. Teve um dia em que ela até chorou de raiva pelo atraso das companheiras. Com seu jeito mais quieto, dentro d’água se transformava: não foi à toa que quebrou duas pranchas na viagem.
Um dos meus dilemas era decidir quando cair no mar e quando clicar. Como sou “merrequeira” assumida, logo saquei que meu foco teria que ficar nas fotografias. Tinha entrado um swell, o que exigiria de mim dedicação e coragem no mar. Além disso, eu era responsável por trazer boas imagens das 11 garotas surfando! Conforme os dias foram passando, porém, começava a ficar nervosa de não estar dentro d’água e pegava algumas ondas nos intervalos dos cliques. Era incrível surfar ao lado delas… A Suelen, a Francisca e a Cláudia me deram ótimas dicas. Mas o melhor surf que fiz foi com a bodyboarder Camila Flora num dia em que as outras estavam cansadas. Sem pressão, consegui me soltar e pegar várias ondas. Naquele momento pensei: “Quero mais nove dias. A surf trip começou agora para mim!”.
Embora as ondas das Maldivas tenham fama de pequenas e fáceis, deparamos com um outro panorama. Um forte swell de 8 pés (2,5 metros de altura), ondas pesadas e dias mais nublados do que ensolarados. O cenário intimidador testou o limite de cada uma e elevou o nível das que se atiraram. A direção do vento e da ondulação favoreciam as “direitas”. Mas a maioria das meninas surfava de frente para a esquerda, portanto tinham a base “goofy” e pegavam com mais facilidade as “esquerdas”. Isso fazia crescer o desafio: a maioria delas teria que surfar de costas para ondas grandes. Honkys, Colas, Chickens, Jails e Sultans foram alguns dos picos mais surfados. A Suelen, a Cláudia, a Francisca, a Brigitte e a Isabela Lima mandaram muito bem nos dias de ondas maiores. E a Camila, única bodyboarder do grupo e surfista “for fun”, me impressionou em todas as quedas. Ela, que na “vida real” é assessora de moda, tem 30 anos e fez trabalho e marido esperarem enquanto ela fazia sua surf trip.
Um dos momentos mais legais da rotina no barco era a hora da beleza. As meninas se reuniam à noite para fazer as unhas e, enquanto pintavam as mãos com cores vibrantes, falavam sobre a saudade dos namorados, as últimas viagens e, claro, sobre surf. Foi por água abaixo o mito de que surfistas são masculinizadas, e desleixadas.
Olhos atentos
Cláudia Gonçalves, de 24 anos, revelou-se a figura do barco. Sua energia era inesgotável. Uma das mais atiradas no mar, ela agitava as partidas de mau-mau e o karaoke que embalava as noites. A carioca Belinha Lima encontrou na Cláudia uma grande parceira para fazer suas molecagens.
Sempre que o barco de apoio chegava a um pico de surf e despejava a mulherada na água, elas saíam arrepiando. Era curioso observar a expressão dos demais surfistas – que perguntavam de onde tinham surgido aquelas mulheres. Na maioria das vezes, elas surfavam muito melhor que eles. E impressionavam tanto pela radicalidade das manobras como pelos corpos esculturais.
Era sempre um choque visitar uma ilha local e dar de cara com mulheres cheias de lenços e roupas largas. Tímidas e discretas, nos olhavam ora com cara de espanto, ora admiradas. As ilhas Maldivas formam um país islâmico que segue à risca os rituais da religião. Ouvíamos nos alto-falantes as cinco rezas diárias e deparamos com mesquitas diferentes para homens e mulheres. Nas ilhas locais é proibido usar biquíni e os tripulantes nos aconselhavam a andar mais cobertas. Mesmo assim, a mulherada parava o trânsito e o comércio quando andava por uma das ilhas atrás de lan houses.
Conforme os dias passavam, ficou visível o laço que todas construíram ali. Durante a viagem, Chantalla fez 20 anos e as meninas prepararam uma festa surpresa que a tripulação jamais vai esquecer. Brigadeiro, bolo, balões e muitas dancinhas. Na última noite, uma homenagem à Brigitte fez começar a choradeira da despedida. Ninguém queria acordar daquele sonho, muito menos eu, que, no fim da viagem, já podia me sentir a 12ª surfista do barco.
* Manoela D’Almeida, 24, é jornalista, fotógrafa e gaúcha. Aos 12 descobriu que o surf seria para toda a vida. Coleciona destinos em busca de imagens e se dedica à fotografia de moda e publicidade. Veja mais em www.manuphoto.com.br
DICAS
Quem leva
A companhia aérea Emirates Airlines é a opção mais rápida para quem sai do Brasil. O voo é via Dubai e dura cerca de 15 horas. Chegando lá, você pega outro voo de cinco horas até Male, a capital das Maldivas. Uma boa dica é aproveitar para conhecer Dubai. O visto é tirado na hora e custa US$ 150. Vá preparada porque eles exigem que você tenha uma reserva na cidade, caso contrário não cedem o visto. Se tiver passaporte europeu, o tratamento é outro. Não é necessário pagar taxa nem ter reserva de hotel.
Onde ficar
Para conhecer as Maldivas a bordo do Horizon III, contate a Laila Werneck, da Atoll Travel Brasil (www.atolltravel.com) pelo (21) 7820-4526 ou pelo lwerneck@wnetrj.com.br. O barco tem quatro andares, capacidade para 20 pessoas, 11 cabines, sauna, Jacuzzi, telefone, internet e 1,5 litro de água potável por pessoa/dia. O pacote de dez dias sai por R$ 2.200 por pessoa e inclui alimentação completa, transfer (do aeroporto ao barco) e “surf guides”.
Para uma viagem de surf com hospedagem em resort, a agência Nivana sugere o Hudhuran Fushi, www.fiestaholidays.com.au/hotels/hunduranfushi.html. Os arredores contam com excelentes ondas para surfar. O pacote de dez dias sai a partir de US$ 3.137, com passagem inclusa. O quarto acomoda três pessoas e há um barco que faz o transporte entre o aeroporto e o resort.
A Nivana também indica o barco Manta Cruise para uma viagem de sete noites. A embarcação de quatro estrelas tem capacidade para 20 pessoas, nove cabines, Jacuzzi e bar. O pacote com passagens da Emirates Airlines inclusas sai por US$ 3.156 e inclui alimentação completa, chá, café e água à vontade, aperitivos servidos depois do surf, visita a uma ilha desabitada – com direito a piquenique – e city tour em Male. Nivana Super Trips, (11) 3256-1590, www.nivana.com.br
Onde surfar
Se estiver em um boat trip é necessário um bom “surf guide”. As melhores ondas que encontramos foram em Jails, uma direita extensa, cavada e muito rápida. Como na maioria dos picos, o fundo é de coral e, dependendo da maré, pode estar bem raso. O nome da onda faz menção à prisão que existe nessa ilha, por isso é proibido fazer imagens. Sultans tem uma direita pesada que segura swell de até 8 pés. A sessão final é bem tubular, o que permite cavar bons tubos. Colas, segundo Iboo, nosso guia, é a onda mais pesada das Maldivas. Uma direita bem cavada onde pegamos ondas perfeitas de até 4 pés. O nome faz referência à fábrica da Coca-Cola que existe na ilha. É a única fábrica da Coca no mundo que usa água dessalinizada.
Chickens foi a única esquerda de qualidade que as meninas conseguiram surfar. Nessa ilha era possível entrar e fotografar, mas apenas com autorização da polícia. A onda que a maioria ficou aguçada para experimentar foi a de Pasta Point. Uma esquerda cavada, perfeita, que quebrava solitária na ilha em frente a Sultans. Para surfar essa belezura, só mesmo estando hospedado no resort Chaaya Dhonveli (www.chaayahotels.com) ou pagando US$ 100 por dia, tendo que sair da água sempre que um hóspede quiser surfar.
O que levar
Não deixe de levar prancha grande, pois realmente pode entrar um bom swell de até 8 pés. Lembre-se de jogos de quilhas, parafina, leashes, kit para reparar pranchas, biquínis, maiôs. Remédio para enjoo é essencial, assim como qualquer outro que você esteja acostumada a tomar. Comprar medicamentos no exterior nunca é uma boa pedida. Leve muitos tubos de protetor solar, especialmente aqueles que grudam na pele! É legal levar uma máscara de mergulho e pés de pato, mas é possível pegar emprestado no barco ou alugar.
É necessário tomar vacina contra febre amarela pelo menos dez dias antes do embarque.
Tpm+
Confira um miniperfil de cada uma das surfistas.
Por Manoela D'Almeida
Cláudia Gonçalves 24 anos Local de nascimento: São Paulo Onde surfa: Mora no Guarujá. Vive pelo mundo competindo e também encontrando o noivo Adriano de Souza (surfista que está entre os top 5 do circuito mundial) Fatos: Surfista profissional há 8 anos, foi campeã brasileira em 2002. Corre há 3 anos o WQS, já tendo ganho etapa importante na Inglaterra, ficou em 13ª no ranking. Nesse meio tempo faz faculdade de jornalismo e é editora da revista Ehlas. Atleta da Oakley. “Era uma das porta-vozes do grupo. Muito comunicativa, cheia de energia levantava o grupo para cima além de ser, com certeza, uma das maiores atletas do Brasil.” | Chantalla Furlanetto 20 anos Local de nascimento: Criciúma, Santa Catarina Onde surfa: Florianópolis, Santa Catarina Fatos: Vice Campeã Brasileiro Amador Maresias- São Paulo 2006. 13ª colocão Quikcquisilver Isa Games Mundial de equipes Sub18 2006. 9ª colocada Super Surf Praia da Ferrugem 2007. 5ª colocação Latino Pro ALLAS Montanitas_Equador 2008. 3ª colocação Sul americano Pro Jr Pichilemu Chile 2008. Campeã Circuito catarinense Surfing Games 2008. Atleta da Onbongo. “Ganhou uma super festa de aniversário no barco e sua bundinha era uma das mais comentadas nas sessões de surf!” |
Suelen Naraíssa Domingos de Almeida Santos 24 anos, surfa desde os 8 anos e é irmã de dois surfistas profissionais Local de nascimento: Ubatuba, São Paulo Onde surfa: Ubatuba Fatos: É profissional desde 2001. Faz 5 anos que corre o WQS, e seu foco é Supersurf: “quero ser campeã brasileira neste ano”. Bi campeã paulista amadora, foi duas vezes vice-campeã brasileira profissional, campeã circuito Petrobrás 2006, vice campeã iniciante, Atleta Nicoboco “É uma das mulheres mais guerreiras que já conheci. Estava sempre entre as primeiras a cair na água. Puxou o nível da maioria das atletas no barco” | Brigitte Margarete Mayer 41 anos Local de nascimento: Rio de Janeiro, RJ Onde surfa: Surfa na Barra Fatos: Surfista veterana que está há mais de 20 anos entre as top do Brasil sendo campeã brasileira em 1998. A Brigitte é uma grande agitadora do surf feminino brasileiro, fez muito pelo esporte ao longo da sua carreira e até hoje ela é competidora . Apesar de lamentar a falta de incentivo que o esporte sofre, ela aconselha as atletas mais novas “ Tem que correr atrás e se fazer valorizar!”. Atleta Starpoint “ Grande matriarca da viagem e tinha uma energia fenomenal. Foi responsável por toda organização da viagem e fez bonito nas sessões de surf” |
Fernanda Infante 20 anos 6 anos de surf Local de nascimento: É de São Caetano, São Paulo Onde surfa: Surfa na Praia Grande, São Paulo Fatos: Artista plástica e freesurfer. Faturou títulos em competições universitárias “ Era uma das mais agitadas do barco e parecia estar vivendo um sonho. Pegou uma grande onda em Sultans que com certeza não vai esquecer por muito tempo” | Maria Franscisca Araújo Pereira dos Santos 20 anos Local de nascimento: Lisboa, Portugal Onde surfa: Surfa em Costa da Caparica, Ericeira Fatos: campeã nacional Open, Júnior e Universitária Internaciona. Terceira colocada no Circuito Euroupeu 18 no ranking WQS em 2009. Atleta Roxy “Tinha uma fome de ondas e metia muita pressão nas manobras. Encantava todas as meninas da trip com seu sotaque português” |
Camila Pereira Flora 30 anos Freesurfer e trabalha como consultora de moda 12 anos de surf Local de nascimento: É de São Paulo,SP Onde surfa: Surfa em Maresias Fatos: Única bodyboarder da viagem “Era uma das primeiras a entrar na água e dropava as maiores sem medo! Energia para dar e vender!” | Camilla Callado Duarte 20 anos Surfa há 06 anos Local de nascimento: São Paulo, SP Onde surfa: Guarujá Fatos: Estudante de Pedagogia. É atleta freesurfer da Local Motion e surfa de Stand Up Paddle “ É um doce de menina, linda, meiga e encantou toda a tripulação do barco faturando o título de Miss Horizon III. ” |
Júlia Gurgel Botelho 25 anos Local de nascimento: São Paulo, SP Onde surfa: Surfa na praia da Baleia Fatos: Freesurfer formada em turismo e trabalha com marketing “Animou a viagem em muitas aspectos! Seu jeitinho único provocou boas risadas. Ela temeu a incompreensão por isso ameaçou abandonar o barco várias vezes!Seus tombos homéricos geraram preocupação e gargalhadas.” | Isabela Rocha Lima 16 anos, surfa desde os 9 Local de nascimento: Rio de Janeiro,RJ Fatos: Campeã Mirim circuito Petrobrás 2007 Campeã Open Circuito Petrobrás 2008 Campeã Rip Curl Groom Search 2009 (sub-16) Mirim, Open. Atleta Billabong Girls. “Foi a mascote da viagem, deu energia para o restante do grupo. Mas impressionou quando dropou as maiores ondas de Chickens e Sultas. A garota carioca promete!” |
Bruna Schmitz
|