Traço de união
A ministra Luiza Helena de Bairros, uma das principais lideranças do movimento negro, luta por punição
Luiza Helena de Bairros, 60 anos, ministra da Secretaria Especial de Promoção da Igualdade Racial e uma das principais lideranças do movimento negro, luta por uma real punição a quem comete crimes de racismo
“Qualquer pessoa negra enfrenta dificuldades em sua trajetória. A diferença é como cada um de nós lida com elas. No meu caso, felizmente encontrei o movimento negro muito cedo. Por isso, passei a encarar o racismo de outra forma, percebendo nele uma dimensão política que foi matéria-prima para o meu processo de organização. Acredito que todas as mulheres que passaram pelo movimento negro foram empoderadas tremendamente por ele. Era a possibilidade de não só tratar o racismo, mas as inúmeras discriminações contra a mulher.
Participei de uma série de processos que resultaram na emergência do movimento de mulheres negras no Brasil. Isso foi pelos anos 1970, quando nos encontramos no movimento feminista. Por ser formado majoritariamente por mulheres brancas, de classe média, havia uma resistência enorme às questões relativas ao racismo – especialmente no que se referia às trabalhadoras domésticas. Sentíamos a necessidade de combater a exploração que havia, e ainda há, nessa categoria.
Aos 25 anos, fui para a Bahia. O que me levou a Salvador naquele momento foi a possibilidade de viver em um lugar onde a população negra era maioria. No entanto, crescer no Rio Grande do Sul, como parte de uma minoria, me tornou consciente da existência do racismo e de como ele opera. Em Porto Alegre, eu diria, não havia nenhuma possibilidade de uma família negra criar seus filhos sem expor para eles a existência desses obstáculos.
O movimento negro se encarregou de denunciar sistematicamente o racismo e de quebrar a resistência que sempre houve em reconhecer o tratamento diferenciado que os negros recebem aqui, especialmente na forma como sua história é contada. Temos hoje no Congresso Nacional um percentual de negros que não chega a 9% do total de parlamentares, enquanto os negros representam cerca de 51% da população brasileira.
No entanto, vivemos uma fase que demonstra que o movimento negro foi capaz de transformar o racismo em uma questão nacional. À medida que os casos de racismo se tornam cada vez mais explícitos, as pessoas discriminadas se sentem mais dispostas a denunciá-lo. Isso significa que conseguimos quebrar a ideia de que vivemos em uma democracia racial. Agora, a sociedade, independentemente do pertencimento étnico, se organiza para validar a democracia brasileira a todos os grupos sociais.
"O movimento negro foi capaz de transformar o racismo em questão nacional"
Nos últimos 12 anos, o governo tem adotado políticas públicas visando a eliminação de desigualdades raciais. O legislativo aprovou leis que são extremamente importantes para dar conta da garantia dos direitos da população negra no país, como é o caso do Estatuto da Igualdade Racial. Hoje temos maiores condições para fazer valer a legislação que considera o racismo como crime no Brasil. Nesse sentido, é muito importante que o racismo, sempre que aconteça, seja denunciado, repudiado e punido.
Existe uma postura mais progressista em relação à admissão dos crimes de racismo pelas cortes superiores no Brasil, mas muito ainda precisa ser feito para que isso também seja uma realidade nas justiças de primeira e segunda instâncias, onde o acolhimento ainda é muito baixo.”