Todo-poderoso

John Casablancas, o fundador da agência Elite, falou ao site da Tpm

por Flora Paul em

 
Ele acaba de lançar sua biografia, Vida Modelo, na qual fala mal das editoras de moda, das supermodels e do mundo fashion. John Casablancas, o fundador da agência Elite, falou ao site da Tpm sobre The Strokes, Barack Obama e Gisele Bündchen

Aos 65 anos, John Casablancas continua a causar polêmicas. O nova-iorquino que em 1972 fundou uma das maiores agências de modelos do mundo, a Elite, apresenta agora sua biografia Vida Modelo (400 páginas, editora Agir), escrita em parceria com a jornalista Ana Maria Bahiana. Nela, o empresário que ajudou a construir a carreira de modelos como Naomi Campbell, Claudia Schiffer, Cindy Crawford e Gisele Bündchen conta curiosidades dos bastidores do mundo fashion, fala mal das editoras de moda e, claro, das modelos, em especial de Gisele. “Não entendo como uma pessoa pode fazer isso a outros seres humanos, deixar que trabalhem como loucos para ela e no dia que consegue o máximo cuspir na cara deles”, conta John sobre Gisele, com seu português quase perfeito, em entrevista por telefone ao site da Tpm.

Na entrevista, John, que hoje está à frente da agência de modelos Joy Model Management (ele vendeu a Elite em 2000, quando a agência começou a entrar em decadência), em São Paulo, fala sobre a eleição de Barack Obama: "O mundo não teria digerido uma nova versão de Bush”, sobre a fama de polêmico e de seu desafeto pelas pessoas do mundinho da moda: "Gosto de ter minhas opiniões e de ser livre. Detesto fazer parte de grupinhos que pensam todos do mesmo jeito. Por isso tenho tantos problemas com o mundo fashion", além de contar detalhes sobre a carreira de Naomi, que possui "inteligência de autopromoção", e a de Gisele, uma pessoa "sem muita substância”, e concluir que as modelos só se tornam grandes quando se expõem na mídia: "Modelos que desfilam e depois vão pra casa ver televisão, fazer exercício e beber água, nunca vão ser estrelas".

Por que lançar uma biografia agora?
Uma questão de timing. Agora, depois de oito anos longe do mundo da moda, tenho um olhar sobre as coisas que aconteceram, o que me fez comparar o jeito que as coisas existem hoje com o modo como aconteciam durante os meus 30 anos de carreira. E achei que era o momento de contar. Também, porque recentemente achei a fórmula boa. Havia tido duas oportunidades de escrever livros, mas sempre com dois formatos: ou falando sobre a profissão de modelo, "how to book", com conselhos, dicas etc., o que eu acho um saco; ou livros muito indiscretos, quem se deitava com quem, quem usava drogas, quem era insuportável, mas não gostava desse aspecto escandaloso. Por acaso, numa discussão que tive com um amigo meu, comecei a desenvolver a idéia de um livro com as minhas impressões, o que eu tinha pensado, vivido. Como eu, que não era desse meio, atravessei a oportunidade de ser o agente número um do mundo por quase um quarto de século. Isso achei interessante, porque corresponde à minha maneira de ser. Também demorou muito para achar a pessoa com quem pudesse escrever isso, porque não sou autor. Finalmente tive a sorte de encontrar Ana Maria Bahiana, uma excelente jornalista e com quem desenvolvi essa parceria.

Qual reação você espera das modelos e das editoras, de quem falou bastante mal no livro?
Olha, eu acho que ele não é muito favorável sobre muitas coisas. Então, algumas pessoas vão falar que fui sincero e que descrevi o mundo da moda como é, e outras vão se zangar, ficar ofendidas, perguntar por que, se tenho tantas críticas para fazer, fiquei nesse mundo tanto tempo. Muitas pessoas que estão dentro desse mundo vão aprender sobre como funciona a mente de um agente de modelo do meu nível.

As pessoas te julgam um cara polêmico. Gosta disso?
Difícil. Tudo depende de como você interpreta a palavra polêmica. Se polêmica quer dizer que eu falo as verdades que os outros escondem, então sim, gosto de poder falar que sou polêmico, porque sou sincero. Mas, se polêmico quer dizer que sou brigão, então não gosto. Gosto de ter minhas opiniões e de ser livre. Detesto fazer parte de grupinhos que pensam todos do mesmo jeito. Por isso tenho tantos problemas com o mundo fashion, todo mundo pretende ser muito criativo e original, mas na realidade faz a mesma coisa, se repete. Você fala com 60 pessoas do mundo fashion e elas dizem as mesmas coisas do mesmo jeito, até o sotaque e o jeito de falar são os mesmos. Isso eu combato, gosto de ser controverso e de abrir o debate. Consegui me libertar de um sistema, achar e preparar as mulheres mais lindas do mundo e desenvolver a carreira delas de maneira particularmente criativa, então as pessoas desse mundo fashion tiveram de certa maneira que seguir esse movimento. E me acho um dos pouquíssimos agentes que criou tendências, e não somente se submeteu a elas.

Você praticamente criou o conceito de top model, com as garotas que lançou. Você acreditava que ia chegar tão longe?
Criar um fenômeno social do tamanho que eu criei? Não, não acreditava. Fiquei confiante em um certo momento, quando comecei a desenvolver a carreira de algumas das grandes modelos, e me dei conta de que quanto mais as inseria na vida social, nas colunas sociais, nos eventos, mais elas ganhavam o status de modelo. Que não adiantava para uma modelo ter um rosto reconhecido, se não tinha um nome reconhecido. Então, comecei a desenvolver esse fenômeno das supermodels, para aumentar o valor das modelos que eu representava, para servir aos interesses das modelos que eu representava. O que aconteceu foi que meus concorrentes foram muito lentos em reagir. Eu tinha 80% das modelos. Isso me deu o poder de criar tendências, um fenômeno social. Acho que fui um elemento importante, junto com muitos estilistas de moda, como Giani Versace, Giorgio Armani. Eles mesmos começaram a virar personalidades, porque há 20 anos os estilistas não eram celebridades. O fenômeno dos designers superstars é mais ou menos contemporâneo ao fenômeno das modelos superstars.

Você criou, além de modelos, celebridades como Naomi Campbell e Cindy Crawford. Acha essa exposição boa para as modelos e para a agência?
É excelente. Não tenha a menor dúvida de que aquelas modelos que são unicamente cabides, que colocam vestido, desfilam – possivelmente maravilhosamente bem –, fazem as fotos – possivelmente maravilhosamente bem – e depois vão pra casa ver televisão, fazer exercício e beber água, nunca vão ser estrelas; vão ser estrelas aquelas que fazem coisas interessantes, aventureiras, saem, são vistas. Elas mesmas viram lançadoras de tendências, moda, estilo, tem namorados interessantes, vidas interessantes, participam de causas interessantes, tudo isso aumenta o valor de uma maneira incrível. Naomi era convidada para todos os eventos, então colocava quatro vestidos diferentes na bolsa, pegava um chofer e ia a quatro festas e trocava de vestido no carro. No dia seguinte, apareciam quatro fotos dela vestida com quatro vestidos diferentes nas colunas sociais. Isso é o que eu chamo de inteligência de autopromoção. Ela também fez coisas que possivelmente foram menos calculadas, como os escândalos, mas mesmo essas acho que subconscientemente a modelo sabe que vai ajudar seu nome a ser reconhecido. Se exageram, naturalmente, isso vai acabar as matando.


A capa do livro Vida Modelo e seu autor, John Casablancas

Como é sua relação hoje com Gisele? Como se sentiu quando ela deixou a Elite?
Quando nos encontramos, ela é educada, e eu também. Não acho que ela é um ser humano horroroso. Eu e meu time todo cuidamos com muito carinho e muita atenção de sua carreira. Deixa o carinho de lado, vamos falar de negócios. Cuidamos com muito profissionalismo, fizemos um plano de negócio muito bem pensado pra ela, com os pais dela sempre participando. Foram quatro anos sofridos, em que pouco a pouco a qualidade do trabalho dela foi subindo. Recusamos trabalhos para assegurar que a imagem dela fosse bem construída. Era uma menina de 14 anos que começou conosco e que aos 18, 19, era a número um do mundo. E então ela fez pela primeira vez a capa da Vogue americana, estava para sair a segunda capa, que, digamos, é o máximo, ela ia receber o prêmio do Vogue Awards, que é informalmente o Oscar das modelos, e tudo estava fantasticamente bem. Não tínhamos briga por dinheiro nem por nada. Ela sempre foi um pouco difícil, gostava de fazer jogos de poder, sabe, para que a agência ficasse um pouco insegura, mas só. Então, numa sexta-feira nos despedimos, beijinho beijinho em todo mundo, e, na segunda-feira, descobri que ela tinha deixado a agência. Exatamente no momento em que tinha se tornado a número um. Foi sem falar nada, sem discutir nada e fez de conta que nunca tinha existido essa formação que ela teve.

Teve muitas modelos que foram famosas como ela, tipo Cindy Crawford, Linda Evangelista e Claudia Schiffer, e nunca nenhuma delas fez isso comigo. Algumas foram embora depois de 14 anos, como a Cindy, que não queria mais pagar comissão. Mas a Gisele fez com uma frieza absolutamente incrível. Não entendo como uma pessoa pode fazer isso a outros seres humanos, deixar que trabalhem como loucos para ela e no dia que consegue o máximo cuspir na cara deles. E foi o que ela fez. Então, a mágoa que tenho com ela é essa, é de ela ter se comportado de uma maneira tão fria, tão egoísta e sem razão. Além disso, ela fez declarações mentirosas na Justiça. Falou que o pai dela tinha assinado o contrato sem saber, que ele era basicamente um analfabeto, quando o homem é um homem formado, professor de economia, um cara superlegal e superpreparado. Foi tudo muito feio e me deixou aquele sabor amargo.

Mas, no seu caso, você já roubou modelos de outras agências?
Roubei muitas modelos de outras agências, perdi muitas, e não tenho guerra com nenhuma. Mas no caso da Gisele o que houve de especial foi que ela se manteve número um por todos esses anos e nunca teve a generosidade de dizer: "Olha, esse cara é um chato, fala mal de mim, mas eu entendo, porque realmente eles fizeram um excelente trabalho para mim e me fizeram ser a número um". Ela não é capaz de dizer isso, faz de conta que tudo que ela tem vem dela, que não deve nada a ninguém. De resto, ela é divinamente bonita, uma modelo fantástica, tem um talento em frente à câmera excepcional. Tiro meu chapéu e reconheço suas qualidades como modelo, mas como pessoa, do meu ponto de vista, é sem muito interesse e sem muita substância.

Quando está buscando modelos, o que procura em uma garota? O que a faz ter “aquilo”?
Acho que é um talento que Deus me deu. É como um médico que somente vendo a cor da pele, o interior do olho, a posição do corpo, sabe fazer o diagnóstico de um paciente. A mesma coisa comigo e com as modelos. Vejo algumas vezes meninas que podem não estar muito bem, que são imperfeitas, mas sinto que elas têm alguma coisa especial. Uma energia, uma sensualidade, um estilo pessoal, alguma coisa que transcende e que as torna diferentes das outras. E que, quando além disso têm as qualidade básicas, 1,78 metro, pernas compridas, dentes perfeitos, naturalmente vai ajudar. Mas, dentro das mil que têm essas características, aquelas que são especiais eu reconheço. Pelo menos nos mais de 30 anos de carreira, nunca recusei uma modelo que depois fez uma grande carreira. Devo ter recusado alguma que fez uma carreira honesta, mas nenhuma que eu possa dizer: "Ai, ai, a Kate Moss estava no meu escritório e não vi que ela era especial".

Quem é sua modelo favorita hoje?
Fisicamente, Adriana Lima. Ela é uma mistura de raças, tem características excepcionais, olhos claros, aquele corpo comprido e fino que é sensual ao mesmo tempo. Para mim, ela é um exemplo físico perfeito. Já para fazer fotos eu acho que Linda Evangelista é única, numa categoria especial. Do ponto de vista do vídeo, se fosse uma campanha de beleza, ainda hoje pego a Christy Turlington. Ela é divina, tem uma pureza facial que é incrível. Na passarela ainda gosto de ver a Naomi. É divertida de ver.

Mais profissional?
Acho que a mais profissional que conheci foi a Cindy Crawford. Ela era business, business, business, e ao mesmo tempo muito simpática. Isso é ser muito profissional, todo mundo gostava de trabalhar com ela.

Menos profissional?
Acho que a menos profissional foi a Tatjana Patitz. Ela foi casada com o Seal, atual marido de Heide Klun. É uma menina maravilhosa, supersimpática, linda em fotografia, mas não tinha disciplina, não levava nada a sério. Ela poderia ter sido muito mais do que foi, e olha que ela foi uma supermodel, mas não chegou a ser tudo que poderia ser.

Você acabou de escrever um livro. Gosta de ler?
Eu leio de tudo. Todas as revistas, novelas de John Grisham, livros em francês de Gerard de Villiers, artigos antigos, releio Dostoievski. Estou lendo agora sobre a colonização em 1808, de Laurentino Gomes. Biografias me interessam muito. Estou lendo aos poucos, porque é difícil de digerir, a autobiografia de Fidel Castro, que é um personagem de que não gosto nada, então tenho dificuldade em ler mais de 20 páginas. Fico com raiva ou com sono. Leio muita revista, de notícia, masculinas, femininas, de moda. Sou o sonho de qualquer dono de quiosque de jornais! Também adoro tudo de esportes, tênis, futebol, leio e olho todas as competições, gosto muito.

Barack Obama acaba de ser eleito presidente dos Estados Unidos. Você votou? Qual sua posição sobre ele?
Uma palavra: aleluia! Que bom, meu Deus. O mundo precisa, o mundo não teria digerido uma nova versão de Bush, e olha que o McCain era melhor que o Bush, porque é impossível ser pior que o Bush. Mas Obama é um raio de esperança para o mundo. E também o fato de ele ser negro é fantástico, pois pode mostrar que podemos nos desfazer de uma vez por todas dessa doença que é o racismo.

Pergunta inevitável, gosta do Strokes (John é pai de Julian, vocalista da banda)?
Graças a Deus gosto, porque deve ser terrível para um pai ter um filho que é músico e não gostar da música que ele faz. Acho muito melódico, muito lindo. Não sou muito do rock, mas o estilo deles, o som deles, a voz do meu filho e o talento de compositor me deixam abismado. Sou um fã completo. Um coruja e fã ao mesmo tempo.

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