Tirando o Morrissey do armário

Nina Lemos veste uma camisa do ídolo e sai por São Paulo

por Nina Lemos em

Nina Lemos descobre uma camisa do ídolo guardada em um apartamento de São Paulo, pede emprestada e sai usando a peça que foi atirada para a plateia por Mozza em um show em Londres: mata amigos de inveja e descobre uma maldição

Vesti uma camisa listrada (do Morris­sey) e saí por aí. Sim, aconteceu. E era dele mesmo, eu juro. Quem é fã do músico in­glês – que acaba de lançar o disco Years of Refusal – sabe que ele tem o hábito de ti­rar a camisa que usa nos shows e jogar pa­­­ra a plateia, que quase se mata para con­­­seguir o manto.

E agora o grande furo jornalístico do ano: há uma ca­misa do Morrissey em São Paulo! O especialista em tecno­lo­gia da in­for­mação Flavio Espin­do­la e o bo­o­ker Fa­bio Bechepeche, ambos de 38 anos, con­se­guiram ganhar tal prê­mio em um show do cantor em 2004 em Lon­dres. Eles con­tam.

“Estávamos na frente e, de repente, uma camisa voou em ci­ma da gente, ele jogou bem na nossa direção. As pessoas pula­ram tan­to para pegar que eu me abaixei. De repente come­ça­ram a gri­tar: ‘Where’s the shirt, where’s the shirt?’”, conta Fla­vio. O que ele não sabia é que o companheiro, esperto, já tinha pegado a ca­mi­sa e escondido embaixo de sua camiseta. “Ela caiu em cima de mim e um monte de gente veio imediatamente tentar rasgar. Só que eu escondi.” Claro, eles fi­caram com medo de apanhar e, por isso, mu­daram de lugar e passaram o res­to do concerto tensos por causa da peça, que hoje mora no apartamento deles. Sem nun­­­ca ter sido lavada, a camisa é cobiçada por todos os ami­gos, como o maquiador Robert Estevão: “Ele ofereceu pra­ti­ca­mente tudo o que tem em casa em troca da camisa”, entrega Fla­vio.

Fabio e Flavio são tão loucos que ti­ve­ram coragem de me emprestar a camisa pa­ra um teste. Sim, eu vesti uma camisa do Morrissey em um domingo (everyday is like Sunday) e fui dar um rolê na Augus­ta, o reduto dos in­dies paulistanos. É uma ca­­misa Gucci e é real­men­te emocionante pensar que o Morrissey a usou em um show. Parece conversa de maluco. E é. Mas não vou mentir. Fi­quei emocionada.

A maldição da devoção
Tentei tirar uma onda com os indies da Augusta. Perda de tempo. Eles me olharam com ar blasé. Aí lembrei que po­dia fazer um amigo desmaiar. E quase o fiz. “Meu Deus, isso é praticamente um San­to Su­dá­rio”, disse o ator Dionísio Neto ao de­parar com a “joia”. Ele vestiu a camisa emo­cio­na­dís­simo, dizendo coisas como: “Não acredito que ele usou”. Outro amigo, o ad­mi­nis­trador Afonso Antunes saiu de sua casa ex­clu­sivamen­te pa­ra me encontrar – e conhecer a camisa. “Isso é o mais perto que já estive DELE”, dizia.

Mas agora preciso confessar o lado metafísico da camisa. Morrissey, como se sabe, é uma pessoa antissocial, com pouca paciência com a humanidade. E, de repente, algo aconteceu. Co­mecei a ser tomada por um mau humor irrefreável e in­comum, tan­to que briguei com duas pessoas: um amigo de amigo e uma garçonete que tentou me impedir de ficar em pé na rua Augusta. Pensei que estava louca. Mas depois lembrei que era efeito da ca­misa, que estava cheia de energia antigente! Tirei e, me sen­tin­do a versão feminina do Morrissey, voltei para casa cantando: “This world, I’m afraid, is designed for crashing bores. I’m not one”.

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