Tati Mônico não tem medo de voar
Mãe de dois e pilota comercial há mais de uma década, a goianiense divide sua rotina com mais de um milhão de seguidores no Instagram e no YouTube
No dia em que conversamos com Tati Mônico, 39 anos, também conhecida como Mamãe Piloto, nome do seu canal do YouTube, ela tinha acordado às 3h40 em Goiânia, voado para o Rio de Janeiro, de lá para Florianópolis e, às 14h, estava de volta ao Rio de Janeiro, sua base e onde mora há 14 anos, para pegar os filhos na escola. Uma rotina bastante incomum para a maioria das mães brasileiras. "Em 2010, as mulheres representavam 0,8% dos pilotos do Brasil. Hoje somos 2%. Parece pouco, mas o número mais do que dobrou", diz.
Nascida em Goiânia e moradora de Mozarlândia (GO) até os 14 anos, Tati cursou ciências aeronáuticas na PUC Goiás, cumpriu suas horas de voo no hangar local e chegou a ser piloto particular de uma dupla sertaneja famosa. Seu trajeto teve frustrações e períodos de desânimo, mas o desejo falou mais alto. Tati queria voar.
Desde 2010 está na GOL Linhas Aéreas pilotando Boeings 737. Nesses 14 anos, fez mais de 7 mil horas de voos, casou, mudou para o Rio, teve dois filhos, Luna e Eric, 8 e 6 anos, e virou influenciadora digital com mais de 1 milhão de seguidores no Instagram, inspirou e inspira mulheres e se encanta cada dia mais com a aviação. "De cada lugar tem uma coisa que sou apaixonada. Quando voo para Goiânia vou direto para a casa da minha mãe, já quando faço Rio Branco chego e vou atrás de comer peixe e farinha de coco. Consigo aproveitar o lado bom de cada cidade", diz.
Tpm. Vamos falar sobre como você virou piloto?
Tati Mônaco. Eu brinco que a gente não vira piloto, a gente nasce piloto. Desde pequena eu escutava barulho de avião e saia correndo para vê-lo passar. Ficava pensando qual era a visão lá de cima, qual a sensação de voar.
Alguém à sua volta te inspirou nessa paixão? Ninguém era ligado à aviação. Meu pai via que eu gostava e passou a me dar de presente voos panorâmicos, em hidroaviões, na temporada do rio Araguaia. Foram meus únicos voos até virar piloto.
E como foi o caminho do sonho para a realidade? Fui criada até os 14 anos em Mozarlândia, então querer ser piloto era o equivalente a eu desejar virar astronauta, praticamente impossível. Na época não tinha nem internet para eu buscar informações. Cheguei a pensar em estudar odontologia, quando minha irmã mais velha apareceu com a lista de cursos do vestibular e lá tinha ciências aeronáuticas. Ali eu decidi meu futuro. Um ano depois, prestei vestibular e entrei em sétimo lugar no curso da PUC Goiás. Não entendia nada de avião, aerodinâmica ou motor, mas comecei a realizar meu sonho.
Conta da sua entrada na aviação. Éramos 6 mulheres na faculdade e hoje só eu mais 2 voamos. É desafiador, tem desconfiança, ciúmes. Quase desisti, mas a vontade era mais forte: eu precisava voar.
E seu caminho até a GOL Linhas Aéreas? Quando entendi que eu queria mesmo voar, fui estudar inglês em Londres. Já tinha bastante horas de voo e decidi fazer o ICAO [prova que mede a proficiência linguística de pilotos]. Voltei em 2008 e em 2010 entrei para a GOL. Mas o mais legal é a história de como aconteceu: estava voando de GOL, Goiânia - Rio de Janeiro, com meu namorado, hoje marido, e pedi, como sempre fazia, para visitar a cabine. Contei então minha história para o comandante e ele falou para eu cadastrar meu currículo na empresa. Quando a Mônica, nunca vou esquecer o nome dela, me ligou perguntando se eu seguia interessada em participar do processo, eu entrei em choque. Eu estava pronta!
Qual o peso de ser piloto numa empresa comercial deste tamanho? Percebi que na linha aérea o sucesso depende exclusivamente da capacidade, sem essa de gênero ou religião. Nos meus 14 anos na companhia nunca me senti discriminada. Um dado legal é que quando entrei, eram 0,8% de mulheres pilotos no Brasil e, hoje, já somos 2%. É pouco, mas mais do que dobrou.
Como é a realidade da vida de mãe e piloto? As empresas aéreas têm o benefício da "escala mãe", que garante que você fique só 48 horas fora da base [a base da Tati é o Rio de Janeiro]. Esse programa funciona até os filhos terem 5 anos, eu não teria mais, mas pedi para continuar com esse direito devido ao laudo de autismo dos meus dois filhos. Isso quer dizer que eu voo, por exemplo, para Buenos Aires num dia e volto no outro.
E seus filhos, encaram bem essa rotina incomum? Hoje sim. A Luna sempre pergunta quando é minha folga, ou se vou pernoitar em algum destino. Eu imprimo minha escala e deixo na geladeira, ela já sabe ler os códigos. Mas como cada dia é um dia eu consigo participar de todos os momentos dos meus filhos: um dia levo na escola, no outro busco, no outro vou à aula de música… Sempre que saio de casa eu falo que a mamãe se sente realizada no trabalho. Acho importante mostrar que além de mãe, sou uma mulher independente e feliz na profissão.
Você tem mais de 1 milhão de seguidores em sua página no Instagram e mais de 300 mil inscritos no canal Mamãe Piloto no YouTube. Conte-nos o início dessa história? Foi em 2020, na pandemia. Tinha que seguir pagando a terapia dos meus filhos, ambos detectados no espectro autista, e um primo me deu a ideia de abrir um canal nas redes sociais. No começo tive medo, mas superei pela Luna e pelo Eric. Hoje vejo uma importância ainda maior nesse trabalho: sinto que represento e inspiro muitas mulheres do país. Recebo muitos recados de quem nem sabia que existia piloto mulher ou então quem vai estudar para virar uma piloto.
Como você vive e pensa suas redes? Estou mais casca dura, nenhum comentário mais me abala muito. Mas no começo cheguei a ficar de cama com as críticas. Hoje vejo que esse trabalho, além de ajudar nas minhas contas, tem a função de empoderar mulheres: tanto para seguirem carreira na aviação ou mesmo em outras profissões, pois falo muito sobre acreditar no sonho, fazer acontecer, não desistir. Hoje tenho um público 39% feminino que para o tema aviação é bastante alto. Faço meu conteúdo pensando em quem nunca viajou de avião e tem curiosidade de saber como funciona um banheiro, por exemplo, ou ainda para quem tem medos ou sonha em ser piloto. Me inspiro nas perguntas que recebo e produzo os vídeos.
Qual recado você dá para mulheres que querem se tornar pilotos? Mentalizar seu futuro e não desistir. Além disso, é legal ter referência de quem já fez ou está fazendo disso uma profissão. Eu admiro muito, por exemplo, a Kalina Milani, primeira mulher piloto da Varig e da Emirates Airlines.
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