Surf feminino no Brasil: surfistas lutam contra o preconceito e a falta de apoio
Hoje há dez vezes menos surfistas mulheres que homens no país
Desde que Margot Rittscher subiu numa "tábua havaiana" no litoral de Santos e se tornou a primeira mulher a surfar no Brasil em 1936, muita água rolou nos mares brasileiros. O ambiente ainda é predominantemente masculino - segundo a Associação Brasileira de Surf Profissional, o número de homens que surfam profissionalmente no país (cerca de 350) é mais de dez vezes maior do que o de mulheres (32) –, mas as garotas aos poucos conquistaram espaço em cima das pranchas e hoje são admiradas mundo afora, caso da big rider Maya Gabeira, 27 anos, pentacampeã do Billabong XXL, principal premiação de ondas gigantes. Ainda assim, as atletas que desejam se dedicar ao esporte enfrentam uma série de dificuldades, que vão da falta de formação de base, patrocínio e campeonatos ao machismo que ainda persiste nas areias.
As mulheres foram especialmente afetadas pela crise que atingiu o surf brasileiro há quatro anos, quando o campeonato nacional Super Surf acabou por falta de patrocínio. "Os estados começaram a fazer competições regionais masculinas, mas a categoria feminina muitas vezes ficou de fora", se queixa Cláudia Gonçalves. Nascida no Guarujá (SP), Claudinha, como é conhecida, surfa desde os 4 anos, começou a competir com 14 anos e se profissionalizou aos 16, ganhando etapas mundiais como o WQS, na Inglaterra, em 2006. Hoje, aos 29 anos, ela se dedica à televisão: é integrante dos programas Por elas, Sol & sal, e vai estrear mais um, em abril, todos sobre surf no canal Off, especializado em esportes radicais. Com o fim do circuito nacional, muitas atletas ficaram desempregadas. "Quem não se reinventou, dançou. A Claudinha focou em seu trabalho nos programas de TV. A Suelen Naraisa [bicampeã brasileira de surf] dá aulas numa escolinha de surf. Outras trabalham como modelos", conta Manoela D’Almeida, fotógrafa gaúcha e colunista da revista Hardcore que está produzindo um documentário independente, ainda sem nome, que visa jogar luz no universo do surf feminino.
"É uma pena ver garotas que tiveram as carreiras interrompidas aos 17, 18 anos. Muitas têm talento e poderiam chegar à elite do surf mundial, caso recebessem o apoio necessário", diz Claudinha, que destaca a falta de formação de base. "Você vê meninos da nova geração falando inglês fluente, entrando na água de igual para igual com atletas estrangeiros. Eles recebem uma formação completa desde cedo, o que não acontece com as meninas", afirma. "É como no futebol: a mulher, em geral, é menos valorizada que o homem", concorda Alana Pacelli, free surfer paulistana de 21 anos.
As surfistas apontam para o exemplo da cearense Silvana Lima, única representante feminina brasileira na principal competição mundial de surf, o WCT (World Championship Tour), e que há dois anos está sem patrocinador. A surfista teve que apelar para um crowdfunding na internet para bancar suas despesas. "Como pode uma atleta do talento da Silvana não ter um patrocinador?", questiona Claudinha.
Onda Medina
Além da falta de patrocínio, as mulheres enfrentam uma dificuldade extra para se manter no esporte por conta da maternidade. "A carreira de um esportista já é curta. Agora, para a mulher, é mais curta ainda, caso queira ser mãe. Grandes nomes do surf mundial, como as australianas Chelsea Georgeson e Melanie Redman-Carr, tiveram que interromper a carreira após a gravidez", aponta Manoela.
As garotas torcem pela volta dos bons tempos do surf no Brasil, país que no passado chegou a ter o maior circuito nacional do mundo. A vitória histórica de Gabriel Medina no campeonato mundial no Havaí, em dezembro, é vista como uma ótima oportunidade para que os patrocinadores, os órgãos esportivos e a mídia acordem e deem o devido valor ao esporte. "Nossa esperança é que as coisas melhorem no surf brasileiro com essa conquista do Medina, inclusive para as mulheres", afirma Silvana Lima. Uma reação começa a ser esboçada e já há esforços para a volta do campeonato nacional Super Surf este ano. "Quem sabe não surge uma campeã mundial no futuro? Mas as meninas precisam receber investimento desde cedo para que possam mostrar todo seu potencial. Sem isso, elas vão morrer na praia".
O documentário dirigido por Manoela busca incentivar o Brasil nesse sentido. Em parceria com Pablo Aguiar, diretor catarinense de filmes de surf, ela retratou uma viagem de cinco surfistas brasileiras – Claudinha, Alana e também Marina Werneck, Chantalla Furlanetto e Barbara Müller – pelo litoral da Costa Rica, país famoso pela qualidade das ondas e pela beleza natural. O média-metragem está em fase de edição e deve ser lançado em maio. "Percebemos a lacuna existente de filmes sobre mulheres surfistas. Há vários sobre surf masculino, mas quase nada sobre o feminino", explica Manoela. Pela beleza e tranquilidade, as praias, os mangues e as cachoeiras do litoral costa-riquenho foram escolhidos como cenário para sessões de surf, ensaios e depoimentos das garotas sobre a relação delas com o mar. O filme mistura esporte, moda e lifestyle e vem para ajudar a quebrar o estereótipo de que surf é coisa de homem ou de "mulher-macho".