Shame on you

Vergonha, algo pessoal e intransferível!

por Lia Bock em

Vergonha é uma coisa bem pessoal – apesar de o termo ser usado de forma genérica, como se tivesse o mesmo significado pra todo mundo. “Tal coisa é uma vergonha!” Eu, por exemplo, morro de vergonha de falar besteira, de trocar o nome das pessoas ou postar um texto em que há um CH no lugar de X. Morro. Choro. Às vezes, acontece. Porque, claro, só temos vergonha de coisas que, mesmo desejando profundamente que não, acontecem. Tirar a roupa não me envergonha. Não entendo muito bem esse negócio de que bunda é algo muito pessoal e que só deva ser visto pelo núcleo duro – e olhe lá. Bunda, braço, pés, nuca, região lombar. Partes do corpo que todo mundo tem e que podem ser usadas para viver, simplesmente; ou, em alguns casos, para sensualizar, protestar, quebrar o gelo, brincar. (Viva!) Não entendo, de verdade, o tamanho da vergonha das pessoas em mostrar bunda. No Rio, parece, o constrangimento é menor. Em São Paulo, não. Mesmo durante o Carnaval, quando o festival de bundas invade a mídia, se você fizer um bundalelê no bloco haverá um cristo que vai se ofender, dizer que tem crianças no recinto e questionar: você não tem vergonha? Hum... não. (Parênteses: criança assistindo brutalidades na TV pode, observando uma bundinha alheia, não? Difícil de entender.)
    Tenho vergonha, aí sim, dessa sua camisa com um logo gigante de uma marca escrota que cobra caro e usa trabalho escravo. Tenho vergonha da colega que defendeu a pena de morte numa conversa de bar. Tenho vergonha de morar numa cidade que reelegeu um governador da Opus Dei que não nos ajudou a evitar o fim da água pra não prejudicar sua vitória no primeiro turno. Tenho vergonha de ter batido o carro (de leve) porque estava mandando uma mensagem no celular. Mas de mostrar a bunda, não. E nem de subir na mesa e dublar Alanis Morissette loucamente na festa da firma. Jura??? Juro. Ah, sim, também não tenho vergonha de gostar de Alanis.
    Isso não faz com que eu tire a roupa em qualquer ocasião. E nem me venha com aquele argumento 5ª b “se você não tem vergonha, então tira, agora!”. Tsk, tsk. Deixa eu explicar, amor: tirar a roupa é um ato de liberdade e como todo ato de liberdade precisa ser, primordialmente, espontâneo. Pode ser premeditado também, mas premeditado com espontaneidade. E sempre me pego pensando, puxa, será que algumas pessoas vão passar por esta vida sem, jamais, tirar a roupa em público? Triste. Levantar a blusa inesperadamente numa foto de família é bem divertido. Mas levantar a saia e exibir a bunda é meu preferido. É rápido e pode ser tanto um ato de amor (você vira de costas para alguém que ama e tchum, levanta a saia exibindo a calcinha de renda fio dental premeditadamente vestida), como pode ser um ato de protesto, como se fosse um xingamento. Carinha para em cima da faixa de pedestre, atrapalha a passagem e não faz aquele gesto universal de desculpa em que você dá uma abaixadinha na cabeça e levanta a mão ao mesmo tempo? Vira de costas, levanta a saia e mostra a bunda. É, praticamente, um vai tomar no cu desenhado. Libertador.
    Sei que é difícil para algumas pessoas e que anos de opressão da igreja dificultam a libertação do que chamamos corpo. Mas não dói e é a expressão plena e absoluta de que “o corpo é meu e faço dele o que quiser”. Tristes dos que jamais entenderão.

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