Sair de cena...

não é se separar ao primeiro sinal de crise. É seguir no desejo de manter a relação

por Antonia Pellegrino em

 

Entre a quinta e a sexta caipirinha é hora de tomar água ou deixar a festa. Regra tácita, frequentemente infringida. Entre a jaca e a casca de banana, pernas trôpegas rumam ao bar e a voz pastosa pede a sétima com caju e sem açúcar, faichfavor. Ou depois das três e meia da manhã, as 12 badaladas contemporâneas, quando as cinderelas de bocas vermelhas viram borralheiras e só tem sapo na pista, é hora de puxar o carro. Mas quem consegue não passar do ponto? Por mais que ele seja luminoso, muitas vezes a gente só nota quilômetros depois, na ressaca moral ou física do dia seguinte.

As lições de Greta Garbo, a detentora do cinturão de campeã mundial na arte de sair de cena, estão aí para serem aprendidas. Dificilmente introjetadas, mas necessárias. Sair de cena é um exercício de subtração que vai sendo aperfeiçoado na hora de pedir água e não mais uma dose, de chamar o táxi, de dormir sozinha em vez de mal acompanhada, de não insistir pela terceira vez na mesma ideia em uma reunião. Pequenos treinos, o nosso ensaio de cada dia, para adquirir músculos que nos tornem capazes do grande salto, no Maracanã da vida, as relações amorosas.

Se o seu(sua) namorado(a) ou marido(a) te deu um perdido madrugada adentro, e se ainda há amor, em nome dele, não ligue 12 vezes, mande cinco mensagens de texto ou apareça no bar com um rolo de macarrão em mãos. Segure sua onda e, ao alvorecer, horário em que a figura provavelmente voltará encachaçada para casa, saia, evitando o confronto. Dê uma, duas, dez voltas no quarteirão até a ansiedade baixar, a raiva virar endorfina, e o confronto ser menos briga e mais conversa, apesar de não haver muito a ser perguntado. É óbvio que a peste estava na vagabundagem. E cada resposta evasiva ou detalhe sórdido será mais uma punhalada em um coração já aflito. Em nome do respeito inerente ao amor, saia de cena.

É cedo ou tarde demais

Sair de cena não é deixar de tentar nem se separar ao primeiro sinal de crise. É seguir firme no desejo de manter a relação, mas lutando de maneira passiva, com a delicadeza de quem tem um recém-nascido nos braços. Tenha medo de ficar, não de se tornar ausente, distante, memória. Abrir espaço é um ato de coragem.

Se o leite já tiver sido derramado e a separação for fato, que o pranto te leve às profundezas da terra e você retorne dos mortos em preto Yohji Yamamoto. Não se dissipe perseguindo o ex pelas ruas, deixando bilhetes no vidro do carro ou loudando o e-mail de 5 em 5 segundos. Bloqueie-o do Facebook e faça as malas. O aeroporto Tom Jobim é uma solução à altura dos seus problemas. Não se trata de fuga, o drama continuará oscilando entre seu lóbulo frontal e o córtex, mas desesperar-se diante de uma tela de Rothko será deveras melhor que qualquer choradinha no Baixo Gávea.

O cineasta George Lucas diz que os grandes filmes podem ter segundos atos medianos, desde que seus começos sejam ótimos e os fins espetaculares. Uma grande entrada em cena pode anunciar um triunfo, mas uma triunfal saída de cena faz do último fotograma uma bela memória, a última sensação que você deixa no outro ser guardada no peito com amor.

Antonia Pellegrino, 31 anos, é roteirista e escritora. Seu e-mail: a.pellegrino@terra.com.br

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