Rainhas do louvorzão

As cantoras evangélicas Aline Barros e Bruna Karla vendem tantos discos quanto ícones pop

por Kátia Lessa em

Talvez você não conheça estas duas mulheres – elas não são figurinhas fáceis dos programas de maior audiência da TV e não são capa nas revistas de celebridade. Isso não as impede de vender discos, muitos discos. Mais precisamente 12 milhões de peças (5 milhões, Bruna e 7 milhões, Aline, e isso, sem contar a época de gravadora independente). Mais do que ícones como Ivete Sangalo ou Claudia Leitte – a comparação é inevitável. E daí nos perguntamos: como pode duas pessoas venderem tanto sem ter suas músicas marteladas em nossas cabeças pelas rádios, sem cantar no Carnaval da Bahia ou estar nos programas de auditório? Pois bem, louvando Deus, Aline e Bruna conseguiram isso. E então, claro, foram convidadas para programas televisivos, mas mesmo assim, se você não for evangélica, talvez não tenha escutado falar delas. Tpm foi atrás dessas cantoras para entender esse sucesso e contar quem são essas celebridades do mundo evangélico, o que elas pensam e o que têm cantado por aí.

Aline Barros

São 14 horas em um shopping da Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, quando Aline Barros nos recebe em uma loja de roupas infantis, a Minha Maria, seu negócio há três anos, desde que teve a segunda filha. De calça jeans skinny, ankle boots e camisa xadrez, ela podia ser qualquer garota à espera de um show do Foo Fighters no festival Lollapalooza, mas, neste caso, é a carioca que comanda com retórica e voz afiadíssimas plateias de 200 mil pessoas, como faz anualmente no festival evangélico Louvorzão. 

Aline pede um tempo para retocar a maquiagem para as fotos. Enquanto isso, no corredor do shopping, um grupinho de cinco garotas fofocava: “É ela, é ela, você viu? Vamos pedir para tirar uma selfie!”. Cantora desde os 5 anos, ela é um fenômeno. Faz em média dez shows por mês, já lançou 20 CDs entre os trabalhos adulto e infantil, ganhou dois discos de diamante (300 mil cópias vendidas) por Som de adoradores (2006) e Extraordinário amor de Deus (2011). Acha pouco? Aline também já foi seis vezes indicada ao Grammy Latino. Ganhou cinco. 

Bióloga que nunca exerceu a profissão, ela foi a primeira cantora gospel a participar do Teleton, no SBT, e a segunda a emplacar uma música tema, “Recomeçar”, em uma novela da Globo, Duas caras (2007). E, sim, Aline já participou de programas como TV Xuxa, Domingão do Faustão, Domingo legal, Raul Gil e De frente com Gabi, mas dificilmente é reconhecida por quem não segue a mesma fé. Seu sucesso não é diretamente proporcional a sua aparição na TV. “É uma luta divulgar o trabalho delas, há preconceito. Mas os canais estão finalmente entendendo a força que esse público tem”, diz uma assessora da gravadora gospel MK Music. 

Em 1990, 9% da população brasileira se dizia evangélica; em 2010, esse número pulou para 22%, e, segundo o professor da Escola Nacional de Ciências Estatísticas, do IBGE, José Eustáquio Diniz Alves, no estudo “A dinâmica das filiações religiosas no Brasil entre 2000 e 2010”, em 2040 teremos mais evangélicos do que católicos no país. Abraçar esse público não é uma escolha da TV, e sim uma necessidade.

Mas o sucesso não tem esperado os canais focarem esse público. Hoje, a plataforma que ajuda a promover com velocidade milagrosa o trabalho dessas cantoras é a internet, mais precisamente as redes sociais. Aline tem mais de 13 milhões de seguidores no Facebook. Até o fechamento desta edição, Anitta e Ivete tinham pouco mais de 10 milhões cada. “Não vejo muito TV. Quando chego em casa prefiro o silêncio, mas sou conectada. Tenho aproveitado as mídias sociais para mostrar meu trabalho e a palavra de Deus. Hoje nosso canal é direto, não depende de mais ninguém. Às vezes eu posto o trecho da Bíblia para animar o dia dos meus fãs e 15 minutos depois ganho 2 milhões de curtidas”, diz.

Apesar do visual descolado, a cantora segue a ferro e fogo os preceitos da igreja. Frequentadora da Comunidade Evangélica Internacional da Zona Sul, no bairro do Flamengo, ela foi convertida aos 2 anos de idade, quando a mãe virou evangélica. Casou virgem com o ex-jogador de futebol e atual pastor Gilmar, com quem namorou desde os 16 anos, e diz que não casaria com quem não seguisse sua religião. “Os sonhos seriam muito diferentes”, garante. Quando pergunto sobre aborto, ela chora. “Ninguém pode tirar a vida de um ser. Sou um exemplo disso. Minha mãe engravidou de mim aos 18 anos e as pessoas falavam para ela tirar. Minha mãe diz que mesmo antes de se converter pedia para Deus que eu tivesse uma voz linda. Eu sou uma obra-prima de Deus. Somos todos especiais”, prega.

Bruna Karla

Do outro lado da cidade, depois do almoço, foi a vez de interromper a gravação de Bruna Karla, que recebeu a Tpm em seu estúdio. Com o look igual ao de Aline (xadrez é a nova saia abaixo do joelho), ela gravava com o marido enquanto o bebê de 8 meses brincava sereno ao lado da mesa de som.

"Morro de tristeza por ter beijado outro homem antes do meu marido Queria ter casado virgem de tudo"

Aos 25 anos, dos quais 13 de ministério, Bruna nasceu em berço evangélico. Aos 3 anos subia na mesa da escola para simular cultos. Aos 5 pedia ao pastor para cantar na igreja e um ano depois já fazia shows em outros templos. “Amo música, achava lindo Sandy & Junior, mas o que eu sempre quis foi louvar a Deus. Usar minha voz para entoar os hinos. No meu carro o que toca é Thales Roberto [hit gospel] no último volume.”

Bruna nasceu em uma família humilde no morro carioca da Congonha. Na infância, morou de favor com o pai, pedreiro, e a mãe, dona de casa, em um imóvel atrás da igreja. “A gente tinha o leite do dia, às vezes alguém chegava com uma sacola de comida dizendo que Deus tinha mandado entregar”, diz.

Bruna lembra que, como não tinha computador nem televisão, não havia muito acesso ao que rolava fora da comunidade evangélica. “Minha mãe arranjava umas fitas cassete de cantoras gospel e eu ensaiava igual. Fui muito humilhada na vida. As pessoas diziam: ‘Você mora aqui neste buraco. Ninguém vai te ver. Você acha que vai fazer sucesso na TV?’”, diz ela, que já tem sete discos gravados e há poucos meses participou do programa Esquenta, de Regina Casé. Com mais de 9 milhões de fiéis no Facebook, Bruna ultrapassa a marca dos fãs de Claudia Leitte, que, aliás, adora o trabalho da cantora gospel. “Não sou religiosa, mas acredito em Deus piamente. Escuto sempre o trabalho dessas meninas, além de lindas elas são talentosas”, diz a cantora baiana. 

Bruna Karla, que já fez parte da Assembleia de Deus, teve uma juventude dentro dos preceitos da igreja. Casou virgem, mas diz “morrer de tristeza” por ter beijado outro homem antes do marido. “Queria ter casado virgem de tudo. Mas não tive relação sexual antes do casamento”, conta. Como qualquer outra mulher, vive brigando com a balança. “Não tenho vergonha de dizer que tomei remédio. Perdia 10 quilos em duas semanas e vivia com o coração acelerado, mas isso é porque ia em médico chinfrim, agora estou
fazendo tudo com bom acompanhamento e quero começar o boxe mês que vem.”

Até hoje nunca tomou um gole de cerveja e tem opiniões conservadoras sobre questões como aborto e casamento gay. “Como serva de Deus acho que a relação homossexual é pecado. Mas não concordo com as agressões aos gays. Cada um escolhe ser o que quiser e é preciso respeitar isso. Mas acredito que orando a pessoa pode deixar de ser gay. Já ouvi testemunhos de gente que mudou de vida e conseguiu ter uma família”, diz.

E o que ela gosta de assistir na TV? “Tenho visto mais Discovery Kids, mas adoro os filmes de comédia com Ashton Kutcher. Quando a cena com ele começa a mostrar umas coisinhas a mais... é simples, eu mudo de canal.”

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