Quando a viagem não compensa

Viajar é que nem viver: às vezes dá ruim. Por isso o turismo deve ser mais crítico sobre o impacto ambiental, social e econômico

por Gaía Passarelli em

Considerada a mais bela ilha da Tailândia, Ko Tachai foi explorada até o osso por turistas do mundo todo, afetando a vida marinha da região. A coisa chegou num nível de descontrole que o país está fechando o acesso à ilha indefinidamente – leia aqui. Há quem critique, dizendo que isso vai sobrecarregar outras ilha-paraísos do Sudeste Asiático, mas também há quem argumente que esse pode ser o caminho certo, sim.

A Tailândia não está sozinha nesse rolê. Machu Picchu, a Muralha da China e as pirâmides do Egito são "destinos" (jargão da indústria do turismo para "local visitado") que sofrem a cada temporada com o excesso de visitantes humanos que, barulhentos e cheios de necessidades, espantam animais, alteram o cenário e esgotam recursos na mesma velocidade com que tiram selfies. 

Ko Tachai, na Tailândia: comporta 80 pessoas por dia, mas recebe mais de 1.000. Barulho e fumaça de diesel dos barcos acabam com a vida marinha - Crédito: Gunter Flegar via BoredPanda

Mas o problema pode ser menos o fluxo exagerado de gente e mais a falta de educação dos visitantes. Pense no vexame do nadador olímpico Ryan Lochte na Olimpíada do Rio de Janeiro (leia aqui), que encheu a cara e destruiu o banheiro de um posto de gasolina. O caso dele é piorado por tentar inventar um assalto e por, claro, ser atleta olímpico. Mas esse tipo de comportamento babaca acontece no Rio, acontece em Dubrovinik (que planeja como restringir o acesso de turistas ao seu centro histórico medieval), acontece em Angkor Wat (onde turistas foram multados por tirarem fotos pelados) e acontece em Amsterdam (onde recentemente a população votou pelo fim da venda de cannabis para turistas nos coffee shops). 

Em resumo: acontece. É a famosa falta de educação, de empatia, de responsabilidade. Todo turista é assim? Óbvio que não. Mas em casos como o do maluco que subiu num moai na Ilha de Páscoa e arrancou um pedaço da orelha da estátua (juro!), fica claro que basta um idiota para que algo de valor inestimável seja danificado para sempre. Como contornar?

Momento "vida real" na chegada a Angkor Wat, no Camboja - Crédito: Trey Ratcliff via BoredPanda

Turismo é um negócio e tanto. Lazer é a primeira coisa que uma pessoa investe quando o dinheiro dá, e viajar é o lazer máximo: ver coisas bonitas, comer bem, fazer, comprar e colocar as fotos no Facebook. É status, mas não só. É um prazer. Só que no afã de aproveitar seu momento de prazer, tem turista que esquece que é um convidado e age como dono do lugar. E quando isso acontece, todo mundo sai perdendo.

A boa notícia é que não é tarde demais. Exemplos como os da Tailândia, da Costa Rica, do Butão e de Fernando de Noronha ganham espaço. A solução que esses lugares encontraram para lidar com o problemas do turismo são variadas. No Butão a estratégia é “high cost and low impact”, ou seja, poucos visitantes e custos altos.

O Butão não enxerga seu patrimônio histórico e cultural como algo que todo mundo tem direito de ver e sim como algo que é único, especial e deve ser preservado. Já na Costa Rica, um dos países mais verdes do mundo, a abertura existe, o turismo é a indústria principal e é tratado com cuidado. O país entende que, se destruir aquilo que tem de precioso no país, a entrada de grana acaba. E Fernando de Noronha, candidato brasileiro a geoparque da UNESCO, usa o formato de cobrar taxas e controlar quantas pessoas entram por vez no território. 

Templo no Butão: o direito de não receber turistas. - Crédito: Tourism Council of Bhuthan

Lá funciona porque é uma ilha. Outros lugares, em especial os de natureza delicada como o deserto de sal da Bolívia ou a lagoa de Veneza, vão precisar encontrar seus próprios formatos para continuarem existindo. Nunca se viajou tanto e para tantos lugares como hoje, mas o que vivemos está longe de ser uma era de ouro do turismo. É, isso sim, um momento crucial que pede reflexão e uma visão mais crítica do impacto ambiental, social e econômico do turismo.

Para saber mais: três sites de viagem que incentivam o turismo consciente.
Vai lá: 
ethicaltraveler.org
theincidentaltourist.com
dentrodomochilao.com

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