#precisamosfalarsobreaborto - mas não com a polícia!

Um médico quebra o sigilo e denuncia uma jovem que provocou seu próprio aborto após socorrê-la. Quem é o criminoso dessa história?

por Natacha Cortêz em

Crédito: Stefano Corso

No dia 16 de fevereiro, uma mulher de 19 anos foi autuada em flagrante por provocar um autoaborto. A denúncia foi feita pelo próprio médico que a socorreu no Hospital de São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo. Dr. Mahmud Daoud Mourad, clínico geral e pediatra, chamou a polícia, para quem a mulher teve que pagar R$ 1.000 de fiança para ser libertada. A notícia  é do jornal Folha de S. Paulo.

Em novembro do ano passado, a Tpm lançou a campanha #precisamosfalarsobreaborto a favor da descriminalização e do fim do tabu sobre do assunto. Hoje, reiteramos nossa posição: essa é uma questão de saúde pública e a prática deve ser descriminalizada para ontem. Dr. Mahmud Daoud Mourad, quem é o criminoso dessa história?

No Brasil, aborto ainda consta no código penal como crime contra a vida (está tipificado entre os artigos 124 e 126). A mulher que interrompe sua gravidez corre o risco de cumprir pena de até 3 anos de detenção. Esse pode ser o destino da jovem - ela não quis ser identificada – atendida em São Bernardo do Campo.

Em reportagem de dezembro de 2014, a Exame mostrou que 33 mulheres foram presas por aborto e grande parte das denúncias que as condenaram naquele ano vieram do mesmo endereço: os hospitais que as atenderam. Em outras palavras, esses profissionais têm quebrado o sigilo entre médico e paciente, estabelecido no Código de Ética Médica, e exposto mulheres em situação de extrema vulnerabilidade à uma condição punitiva e nada complacente. Além de lidarem com o próprio aborto, e a precariedade na qual ele geralmente é feito, elas precisam prestar contas à justiça.

Segundo a Folha, o Cremesp (Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo), entende que Mourad violou o artigo 73 do Código de Ética Médica. O conselho citou o parecer 24.292, de 2000, que estabelece normas de conduta específicas para o caso: "Diante de um abortamento () não pode o médico comunicar o fato à autoridade policial ou mesmo judicial, em razão de estar diante de uma situação de segredo médico". Tendo isso em vista, o conselho afirmou que o médico pode ter seu CRM cassado.

Na reportagem #preciamosfalarsobreaborto, a advogada Gabriela Ferraz, coordenadora do Cladem (Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulhe) no Brasil explica a questão abortoXprisão no país. “Comparado a outros crimes, como o tráfico de drogas, o autoaborto tem um número baixo de registros policiais. Mas, sim, existe mulher presa e existe mulher que está respondendo a processos.” Na mesma reportagem, o então deputado federal Marcelo Freixo (PSOL - RJ) recordou os casos de Elisângela e Jandira, mortas por se submeterem a clínicas clandestinas de aborto em 2014 no estado do Rio de Janeiro. “Ninguém lembrou que, se encontradas vivas, elas teriam sido algemadas e presas. É assim que uma mulher como elas deve ser tratada?”.

Quando perguntado sobre sua atitude, Mourad disse ao jornal que decidiu chamar a polícia por ter sido "obrigado por lei a denunciar". Mariana Perroni, médica clínica e intensivista nas UTIs de hospitais paulistanos, como o Albert Einsten, vai contra o colega de profissão e defende o sigilo entre médico e paciente. “Médico algum tem a obrigação de comunicar abortos às autoridades. Ele sim precisa manter o sigilo das informações a que teve acesso durante o exercício de sua profissão. Isso é respaldado pela Constituição e previsto no Código de ética da classe. É lamentável que um colega se preocupe em assumir papel de juiz ao invés de se focar em acolher e socorrer uma mulher em situação de fragilidade".

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