Mais mulheres morrerão por cima do cadáver do Eduardo Cunha

#precisamosfalarsobreaborto: nossos representantes políticos querem incluir novos atos que criminalizem as mulheres e limitem suas liberdades

por Natacha Cortêz em

Crédito: Redação

Em fevereiro de 2013, aquele que até então era apenas o Deputado Eduardo Cunha (PMDB/RJ), junto com os colegas Isaias Silvestre (PSB/MG) e João Dado (PDT/SP) apresentaram o projeto de lei nº 5069. O projeto pretende criar mais um artigo no Código Penal para tipificar um novo crime contra a vida: "Anúncio de meio abortivo ou Induzimento ao Aborto". Esse crime prevê pena de detenção de quatro a oito anos para quem induzir ou instigar gestantes a usar substâncias ou objetos abortivos e, também, para aqueles que instruírem, orientarem ou prestarem qualquer auxílio às grávidas na prática do aborto.

"Até mesmo os setores mais conservadores do planeta - incluindo o próprio Vaticano, entendem que o aborto não pode ser considerado um crime e que a mulher não deve ser encarcerada em decorrência da sua prática. Mas, aparentemente, nossos deputados preferem que as brasileiras sigam ocupando o banco das rés "

Enquanto nós (e quando dizemos nós incluímos além desta redação, inúmeros movimentos de mulhers pelo Brasil afora) estamos lutando para excluir o aborto do rol dos crimes previstos no Código Penal, nossos representantes políticos querem incluir novos atos que criminalizem as mulheres e limitem suas liberdades.

Até mesmo os setores mais conservadores do planeta - incluindo o próprio Vaticano, entendem que o aborto não pode ser considerado um crime e que a mulher não deve ser detida e nem encarcerada em decorrência da sua prática. Mas, aparentemente, nossos deputados preferem que as brasileiras sigam ocupando o banco das rés (ou seria res que, em latim, significa coisa?) e não o banco da sala de espera nos serviços de saúde.

Esta esdrúxula proposição legislativa será levada para debate em uma audiência pública, requerida pela Deputada Érika Kokay (PT/DF), na próxima quinta feira, dia 1 de outubro, na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados. Mas, o Deputado Evandro Gussi (PV-SP), relator do projeto na Comissão, já apresentou um parecer substitutivo ao projeto inicialmente previsto que consegue, incrivelmente, piorar o que já estava muito ruim. Em seu substitutivo, o Gussi mantém a criação dos novos crimes e acrescenta alterações às regras legais previstas para o atendimento da mulher vítima de violência sexual nos hospitais da rede pública de saúde, dificultando o acesso e a garantia dos seus direitos.


Em nome de uma retaliação

É preciso entender que esse projeto nasceu e se mantém em trâmite, em nome de uma retaliação, orquestrada pela bancada evangélica, contra a Presidenta Dilma Rousseff que sancionou em 2013, a Lei n° 12.845 que dispõe sobre o atendimento obrigatório e integral de pessoas em situação de violência sexual. Esta lei torna obrigatória a oferta da profilaxia da gravidez - conhecida como "pílula do dia seguinte", assim como o fornecimento de informações sobre os direitos legais da mulher, pelos profissionais da rede pública de saúde, quando do atendimento da mulher vítima de qualquer atividade sexual que tenha acontecido sem seu consentimento.

"Esse projeto de lei propõe o retrocesso de um recente avanço feito na direção da conquista dos direitos reprodutivos das brasilieras, em nome de supostas convicções religiosas de homens brancos, ricos e engravatados"

Portanto, esse projeto de lei propõe o retrocesso de um recente avanço feito na direção da conquista dos direitos reprodutivos das brasilieras, em nome de supostas convicções religiosas de homens brancos, ricos e engravatados. A proposta nega todos os avanços feitos e coloca o Brasil, mais uma vez, no ponto mais conservador do ranking que mede o respeito das nações para com suas mulheres.

Apesar de usar sua pauta anti aborto e lançar mão de teorias misóginas, enfurecidas e completamente insensatas, o projeto de lei fala de temas que não estão vinculados ao aborto e, sim ao atendimento da mulher e o seu direito de evitar uma gestação oriunda de uma violência sexual. Estamos, aqui, trabalhando na esfera da profilaxia, da prevenção, e, portanto, fora do campo do aborto. Até mesmo neste ponto, o projeto se mostra equivocado ao negar acesso à uma prática lícita e até mesmo desejada.

Em outras palavras, o projeto prevê que a mulher, vítima de violência sexual, deverá fazer um boletim de ocorrência, narrando o crime sofrido, além de um exame de corpo de delito. Esse requisito nega à mulher acesso ao direito constitucionalmente previsto de assistência médica integral. O acesso ao atendimento médico está na esfera de direitos sociais do indivíduo e deve ser livre por força constitucional, não podendo se restringir ao cumprimento prévio de requisitos que são da área penal. Aqui, temos mais um erro conceitual para o projeto.

Seria inviável, além de violador, exigir que uma mulher que procura ajuda médica, apresente, antes, uma queixa crime. Estaríamos criando um obstáculo que impediria o acesso ao atendimento integral de saúde, além de provocar graves conseqüências para a vida das mulheres que passarão a sofrer uma dupla violação de direitos humanos: A primeira pelo agressor e a segunda pelo Estado.

De acordo com os dados das Nações Unidas e da Organização Mundial de Saúde, mais de 60% das vítimas de violência sexual são agredidas por parceiros e/ou familiares e, em razão desse vínculo, muitas decidem não apresentar queixa contra seu agressor. Por esta razão, mas sobretudo em nome da liberdade e da autonomia das mulheres, ainda que não haja denúncia criminal, as vítimas precisam ter seus direitos sociais e civis respeitados. Nada justifica tamanha negligência para com as mulheres. 

"Nessa briga, quem continua entrando com os cadáveres são as mulheres mortas por falta de atendimento. Mas, o mais importante continua sendo que Deus seja Louvado! Será mesmo?"

A única conclusão clara é que existe uma disputa política que coloca o Governo e a Bancada Evangélica em pólos opostos. Além disso, sabemos que os direitos das mulheres estão sendo sucateados e usados como moeda de troca dentro desse contexto político. Mas, nessa briga, quem continua entrando com os cadáveres são as mulheres mortas por falta de atendimento. Mas, o mais importante continua sendo que Deus seja Louvado! Será mesmo?

*Este texto teve a fundamental colaboração de fontes do CLADEM, o Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher, e de movimentos brasileiros de mulheres, e seria incompleto e pouco minucioso sem essas ajudas. A Tpm ficaria honrada de nomear cada uma das fontes, mas neste momento delicado deve protegê-las. Obrigada, meninas. Obrigada de verdade pela pesquisa e depoimentos fortes que ajudaram a contrução deste artigo.

Arquivado em: Tpm / Aborto / Comportamento