Pitty

A cantora extrapolou limites e se tornou a única roqueira brasileira dos tempos de hoje

por Renata Leão em

Ela começou a gostar de rock no auge da lambada e, com 16 anos, organizava festivais de hardcore em Salvador. Sempre exceção em ambientes tipicamente masculinos, Priscilla Novaes Leone, a Pitty, extrapolou limites e se tornou a única roqueira brasileira dos tempos de hoje.

Pitty é do rock. Não é de se estranhar, então, que tenha marcado o encontro com a reportagem da Tpm em um pub escuro e escondido na rua Augusta, em São Paulo. Bem longe da badalação dos Jardins, perto de onde o centro da cidade ferve. Ela se aproxima e denuncia, com seu 1,60 metro, ser bem menor do que parece na TV. Pitty veio daí, de “pititica”. Assim que começa a falar, mostra que está muito mais para amiga divertida do que para o mulherão que encarna quando sobe nos palcos para tocar guitarra e cantar coisas como “Medo escorre pelos meus dedos/ Eu lambo os dedos/ E saboreio meu próprio medo”.

Os 31 anos de vida são poucos, mas suficientes para que, por duas horas e meia, Pitty se faça entreter com sua história. Nasceu em Salvador em 1977, em uma família bem humilde. Nunca estudou inglês nem fez cursos de música. Sempre teve sede de conhecer as ruas, o mundo e a si mesma. Aos 12 anos foi morar com os pais em Porto Seguro, em pleno auge da lambada. Se jogava nas baladas com saia rodada – ao mesmo tempo em que descobria Sex Pistols, Deep Purple e Metallica. Não havia quem a controlasse: pai, mãe, namorado. Queria ganhar as rédeas de sua vida.

Assustada com a precocidade da filha – e separada do marido –, sua mãe a levou de volta a Salvador, onde achava que a menina tomaria jeito. Engano. Jeito ela tomou pelo rock. Aos 16 anos, época em que trabalhava num estúdio de jingles, se juntou aos quatro integrantes do Inkoma, banda soteropolitana que representava a cena hardcore da época. Saiu de casa, foi morar com o namorado (na época o Duda, seu baterista até hoje) – e se virou em mil para conseguir gravar uma demo e fazer com que sua voz saísse da Bahia e chegasse ao Rio. Chegou, exatamente no estúdio da Deckdisc, gravadora independente pela qual a baiana lançou seus quatro álbuns: Admirável Chip Novo (2003); Anacrônico (2005); {Des}Concerto ao Vivo; e o mais recente, Chiaroscuro (2009).

Do underground de Salvador para as paradas de sucesso – Pitty coleciona cinco Discos de Ouro e dois de Platina, sem contar seu novo CD –, a roqueira precisou persistir. “O cenário musical em 2002, 2003 era insosso. Não tinha nada muito forte rolando e eu queria chegar com tudo. Estava nas ruas, sabia o que a galera queria ouvir”, conta. Insistiu para que a gravadora a deixasse chegar ao mercado como achava que deveria: acompanhada de guitarras pesadas e letras “nem um pouco fofas”. Não queria fazer sucesso só pelo sucesso. “O mais fácil sempre me apavorou”, garante. Fácil ou não, o fato é que Pitty é um sucesso. O clipe da música “Me Adora”, por exemplo, foi o vídeo mais comentado, mais bem avaliado e mais visto no mês de agosto nos canais de música do YouTube.

A paz que ela não sente
Pitty também fica apavorada quando se pega incomodada por ter engordado alguns gramas ou tem seu figurino criticado. “É muito fácil ser absorvida por esse ideal de beleza. Tomo cuidado pra não entrar nessa”, diz ela, que prefere se jogar com os amigos numa pizzaria a “jantar folhinhas e acordar sequinha”. Em 2007, a roqueira vivenciou os piores momentos de sua vida. Engravidou, se assustou com a notícia e, quando estava feliz com a ideia, perdeu o bebê e o chão. Ao mesmo tempo, descobriu a força de seu namorado – hoje marido –, Daniel Weksler, baterista do NX Zero, oito anos mais novo que ela. “Foi quando vi que o pirralho era um homem”, lembra. Na entrevista a seguir, você entende como é que a baiana do rock se relaciona com sucesso, dinheiro, família, imagem e cabeça: “Sempre me senti agoniada. Até hoje não conheço a paz”.

Tpm. A música que abre seu novo disco, “8 ou 80”, diz: “Todo mundo tem receio/ Do que vê na frente do espelho”. Qual é seu grande receio? Pitty. Você assistiu a Vicky Cristina Barcelona? Sabe aquela hora que a Maria Elena [Penélope Cruz] fala pra Cristina [Scarlett Johansson]: “Insatisfação generalizada. É isso que você tem!”? Naquela hora eu me dei conta: “É isso que eu tenho!”. Nunca estou satisfeita com nada, sempre acho que pode ser melhor, estou sempre buscando uma coisa que eu não sei nem o que é. Os especialistas chamam de angústia.

Nas suas fotos dá pra ver que você muda muito fisicamente. Como lida com o corpo, com a imagem? Sempre acho tudo uma merda. Tenho uma coisa de autoestima pra resolver. Por mais que eu seja muito segura em algumas coisas, por outro lado tenho esse desejo de me gostar mais. Quando era magra achava que era muito seca, sem perna, sem bunda. Aí quando engordo um pouquinho fico achando que meu braço está muito redondo.

Isso te tira o sono? Gostaria de ser mais regrada, mas não consigo. Tenho pena de ir num jantar com meus amigos e comer folhinha. Acho que esses momentos valem mais do que estar no outro dia magérrima. “Deixei de tomar duas taças de vinho, mas minha barriga tá sequinha.” É tudo escolha.

Sua imagem está sempre na TV, em revistas. Isso te faz ter cuidados que não tinha antes? Às vezes. Mas tomo cuidado com a paranoia. Mulher que tem uma vida corrida volta e meia fica com a perna cabeluda, a unha descascada. Eu passo por isso e procuro barrar aquele sentimento de “ai, que desastre!”. Só que a gente é tão bombardeada com a imagem da mulher perfeitinha que às vezes eu digo: “Pera aí, isso não é meu, não sou eu”.

O que é a imagem perfeita? A que as pessoas me cobram. Tá cheio de veículo que vai cobrir uma premiação de música e solta coisas tipo “a Pitty estava mais gordinha”. Nessa hora eu penso: “É nisso que as pessoas reparam? Se a pessoa tá magra, com a roupa da moda?”. Que valores são esses? É fácil ser absorvida, entrar na paranoia do “ai, tô gorda” ou “ai, preciso de tal estilista pra que todo mundo fale da minha roupa”.

Você tem alguma rotina? Nenhuma.

Sente isso no corpo? Sim. Não ter horário pra nada dá um desgaste, um cansaço. E, quanto mais o tempo passa, isso pesa mais. Aos 20 e poucos era diferente. Pratico ioga há algum tempo e isso me dá certo vigor, uma sensação de energia.

Como descobriu a ioga? Os meninos da banda que começaram, com uma professora particular. Eu achava uma coisa boba, lenta. Um dia fiz uma aula e falei: “Caralho, o negócio é pesado!”. E olha que já tinha feito muito circo em Salvador. Ioga é punk. Você sente o corpo inteiro. O que me cativou é que não é só exercício e sim uma parada que faz prestar atenção na respiração. Fora isso, você faz mais xixi, vai mais ao banheiro, o organismo funciona melhor. Achei do caralho. Dá um eixo à minha vida desregrada.

Você já barbarizou muito? Muito.

Em que sentido? Nem foi de sexo e drogas. Era de não querer regras. Ficava mal de me sentir controlada. Aquela arrogância da adolescência. Ao mesmo tempo, não era idiota, não me metia em confusão. Nessa época descobri a maconha. A galera fumava, eu não tinha vontade. Se todo mundo fumava, queria ser do contra. “Não fumo”, sabe?

O que sua mãe fazia? Trabalhou como vendedora de sapatos, com uma série de coisas. Parou para ajudar meu pai num restaurante que ele tinha. Depois disso foi ficando mais em casa, aí nasceu meu irmão, dez anos mais novo que eu, e ela virou dona de casa. E, depois que se separou do meu pai, passou a viver da pensão alimentícia, que é a maior roubada que uma mulher pode fazer.

Que lembranças você tem da infância? A gente era uma família humilde, tudo de grana era apertado. Estudava em escola particular porque tinha bolsa. Fazia dança no Sesc porque era barato. Mas quando era criança eu não me importava. Só queria brincar.

“Sempre acho tudo uma merda. Tenho uma coisa de autoestima pra resolver”

E brincava? Muito, na rua. Morava no centro de Salvador, num apartamento micro. Depois a gente mudou pra um lugar mais legal. Era uma rua tranquila, então eu, basicamente, brincava. Depois, mais adolescente, fomos morar em Porto Seguro.

Em pleno auge da lambada? Exatamente, 1990. Beto Barbosa, Kaoma, sainha rodada. Tinha duas lambaterias que ferviam na praia. Era a única balada que tinha e eu ia com tudo. Me apaixonei pelo rock lá, nesse ambiente totalmente improvável.

Como isso aconteceu? Foi o começo da minha vida mundana. De descobrir quem eu era. Já tinha escutado algumas coisas de rock, minha mãe gostava de Beatles e de Raul, mas nessa época caíram nas minhas mãos umas fitas K7 e comecei: Pinky Floyd, Metallica. “O que é isso? Que vigor!” Bateu.

Você assistia à MTV? Pouca gente tinha lá em Porto porque era sinal UHF. Uma vez, porém, eu descobri “um canal só de clipe”, na casa de uma tia. Fiquei chocada. Era a época do Dee Light, do Information Society, do Nirvana. Festa de Natal na casa da tia, todo mundo na sala, e eu lá, na frente da TV, obcecada pelo Faith No More.

Seu pai tocava na noite? Sim, era o violeiro do boteco. O cara que tocava Raul, Geraldo Azevedo, Alceu Valença. Todas as pérolas do cancioneiro popular.

Você cantava com ele? De vez em quando, mas não era oficial. Ainda não tinha ideia de quem eu era, muito menos de que queria trabalhar com música. E nessa época meus pais estavam se separando, e eu me afirmando como dona da verdade. Minha mãe com meu irmão pequeno, e eu louca pra conhecer o mundo, saber como era ser adulta.

Por que voltaram a morar em Salvador? Acho que minha mãe ficou com medo do que eu podia virar em Porto Seguro. A gente voltou e toca eu conquistar uma turma, um espaço, tudo de novo. Até que achei uma turma que andava de skate, gostava de Nirvana e Faith No More. Falei: “É essa galera”. E foi a fase grunge da minha vida. Andava de bermuda, camiseta e falava “E aí, tudo bem?” [imitando voz de menino].

E a relação com sua mãe? Era difícil. Tivemos umas fases tristes, de se xingar de formas que eu não xingaria nem uma pessoa que odeio. Hoje penso: “Cara, quanto desespero de ambas as partes!”. Pra mim era uma coisa de: “Você não me entende, não tem a menor vontade de saber quem sou e o que penso”. E aos poucos fui me afastando de casa. Só ia lá trocar de roupa. Dormia na casa dos namorados, dos amigos.

Você tinha uns 16 anos? Por aí. Foi quando arrumei meu primeiro namorado, um garoto dessa turma do skate. Me apaixonei perdidamente. E tive uma puta decepção, foi o cara mais escroto da minha vida. Descobri que ele tinha outras, que botava os amigos na janela pra ver a gente transar, uma merda! Perdi a fé na raça humana. Primeiro tem a imagem do pai, que abandonou sua mãe. Depois acontece isso. Leva um tempo para dissociar.

 

Com quem você conversava sobre essas coisas? Com os amigos, nunca fui de ter amiga mulher. E nessa época me distanciei tanto da minha mãe que parecia nem ter mais volta. A gente só foi voltar a conversar agora, eu com 30 anos. Foram 15 anos de hiato.

 

Nessa época você já tinha banda? Sim, eu já tava com uns 17 anos e tocava no Inkoma, que era uma banda de hardcore.

Como você foi do grunge pro hardcore? Trabalhava num estúdio de jingles e slogans, como recepcionista. Até que uma mulher que trabalhava comigo disse que o irmão dela estava procurando uma vocalista pra banda dele. Disse: “Opa, vamo lá. Cadê?”. Ela me apresentou pro Pedro, guitarrista. E ele disse que a banda tocava cover dos Ramones, do Sex Pistols, do Deep Purple e que tava a fim de uma voz feminina. Não demorou eu comecei a mostrar as coisas que escrevia pra eles e começamos a fazer músicas próprias.

Como saíram do underground? A gente lia fanzines de todo o Brasil. Um dia consegui o estúdio emprestado na madrugada e gravamos uma demo. Mandamos pra vários lugares e a banda começou a rolar. Os shows começaram a dar público. Conheci o BNegão [na época do Planet Hemp], do Rio, e uma galera de fora de Salvador.

Qual o primeiro destaque que vocês conquistaram? Começou a sair matéria na mídia impressa de Salvador. Era inédito rock num jornal da Bahia. Foi quando a MTV foi lá cobrir um Carnaval. Alguém conseguiu o telefone da Astrid: “Olha, nega, tem um festival de rock aqui no Carnaval”. E ela ficou louca: “Vamos lá”. E foi. Era o Palco do Rock, que rola até hoje.

Daí pra você virar a Pitty como foi? Chegou uma hora que, além de a galera do Inkoma ir debandando porque precisava ganhar dinheiro, a coisa ficou meio limitada em termos musicais pra mim. Entrei na faculdade de música e continuei compondo. Já estava agoniada de sempre depender de um instrumentista pra compor. Pensava: “Preciso me bastar”. Então comecei a aprender violão.

Gostava da faculdade? Muito. Foi difícil passar no vestibular, tinha que ter um conhecimento técnico. Mas cursei uns três semestres e rolou de gravar o disco no Rio, então larguei.

Nessa época você já namorava o Duda (Machado, baterista da banda de Pitty desde o início)? Sim. Ele já era do Inkoma e, quando o Rafael [Ramos, produtor e diretor artístico da Deckdisc, gravadora da Pitty, do Rio] me convidou pra gravar uma demo mais oficial, o Duda, que tinha um estúdio em Salvador, me deu a maior força, gravou comigo. Duda sempre foi um grande incentivador. Tanto que toca comigo até hoje.

Vocês eram casados? Sim. Morávamos numa casa dentro do terreno da casa da família dele, num lugar gostoso, em Itapuã. E a família dele era maravilhosa. Foi a primeira vez que tive sensação de família. Fiquei encantada com aquilo, porque até então não sabia o que era. A gente passou muito tempo assim antes de eu ir pro Rio.

Nessa época você não tinha banda? Era eu sozinha fazendo minhas coisas. Mas precisava de uma banda para ir ao Rio gravar o disco. Ficava com receio de levar o Duda porque achava que nosso relacionamento acabaria se misturássemos as coisas. Só que a data-limite chegou e eu falei: “Vamo aí!”. Aí apareceu o Joe e o Peu e fomos numa batida de: “Gravamos e depois a gente vê o que dá”. Ficamos um tempo resolvendo se era ou não uma banda. Eu queria que fosse, mas não sabia se eles iam continuar comigo, então botamos o nome de Pitty. Depois eles foram embora porque tinham suas vidas em Salvador, e eu fiquei sozinha no Rio, num apartamento que a gravadora me emprestou.

Como foi esse tempo no Rio? Ficava enfiada no apartamento esperando alguma coisa acontecer. Não tinha um puto. Ficava escrevendo, esperando. Mas sabia que tinha que ficar lá, senão a coisa não ia acontecer.

Esse período foi longo? Não me lembro exatamente, mas pareceu uma eternidade. Aí a gravadora fez um projeto de divulgação, traçou planos e trouxemos os meninos. Fizemos um clipe [de “Máscara”], depois todos voltaram. Era uma época de marasmo na música. O Raimundos tinha acabado, o Rodolfo já tinha virado crente, era tudo insosso. E eu sabia o que a galera queria, fazia parte do meu próprio público. Mas o pessoal da gravadora não sabia que eu sabia [risos].

Houve desentendimentos entre você e a gravadora? Demorou para acertarmos os ponteiros. Eu dizia: “Gente, eu tô na rua, conheço a linguagem da galera, não tô atrás de uma mesa de escritório!”. Nesse período apareceu o Lobato [empresário de Pitty até hoje], que já trabalhava com o Planet Hemp e vinha desse segmento mais rock sujo, e ele entendeu o que eu queria. Tinha medo que o projeto desse certo simplesmente por dar. O mais fácil sempre me apavorou. Aí chegou a hora de divulgar o disco e fomos no que eu queria. Usamos como divulgação “Máscara”, uma música com guitarras e letra pesada.

“Estava pela primeira vez solteira. Pensava: ‘Agora vou barbarizar, comer todo mundo e beijar todas as bocas que aparecerem’. Mas não conseguia, não sou assim”

Quando você se deu conta de que estava fazendo sucesso? Quando comecei a sentir a galera se identificando, as pessoas cantando as letras, escrevendo nos blogs.

E grana, quando começou a ganhar? Demorou, viu? Primeiro ano, 2003, foi só investimento e terminamos no vermelho. No segundo deve ter empatado, do terceiro em diante é que começou a entrar alguma coisa. Hoje vivo bem, mas não sou rica!

Como se sentia com o primeiro sucesso? Sempre me senti agoniada. Até hoje não conheço a paz. Não existe paz.

Em algum momento você procurou sua mãe pra “fazer as pazes”? Não, a obsessão dela por controle foi se apaziguando à medida que eu fui ficando independente. Acho que, quando eu for mãe, vou conseguir entender melhor o lado dela.

Você ficou grávida em 2007 e perdeu o bebê. Como foi? Um susto engravidar e um susto perder o bebê. Eu usava DIU, então demorei pra descobrir. Um dia tive uma cólica forte, procurei meu médico e, quando soube que estava grávida, não acreditava. Foi aquela crise do “não estou pronta”. Conversei com amigas e o que todas diziam era: “Nega, relaxa, você nunca vai achar que está pronta”.

O pai do bebê era o Daniel (Weksler baterista do NX Zero, com quem Pitty está casada até hoje)? Sim. E ele, pirralho de tudo, foi muito homem. Namorávamos há pouco mais de um ano, mas nessa hora eu falei: “Esse é o cara!”. Ele dizia: “A gente se ama, vai dar tudo certo”. E eu apavorada porque, além das preocupações corriqueiras, tem a questão hormonal, que te deixa louca. Eu não me reconhecia, não sabia quem era aquela pessoa. Uma sensação de não se controlar, rir e chorar do nada. Mas aí falei: “Vamos nessa”. E a gente foi amarradão.

Você mudou coisas na sua vida? Mudei. Me programei pra compor durante a gravidez, pra lançar o disco quando. [para, acende um cigarro]. Eu queria escrever grávida, aproveitar aquela sensibilidade. Parei de fumar, não conseguia beber nada, fiquei com tesão por fruta. Estava tranquila, superanimada, fazendo hidroginástica. E aí não rolou.

O que aconteceu? Fiz um show e, na volta, senti uma cólica. Quando cheguei a São Paulo vi que estava muito forte e pedi um ultrassom. Quando cheguei lá a moça falou: “Não tem mais batimento”. Eu falava: “Como assim? O que significa isso?”. Demorei pra entender. Não queria aceitar.

Você estava sozinha? Não, com uma amiga. Foi foda: “Se não era pra ser, pra que passar por tudo isso?”. E a culpa. Queria encontrar motivos. Foi a pior noite da minha vida. Passei um tempo péssima porque, além de mim, tinha as pessoas querendo saber. Um momento tão íntimo e ainda tinha que pensar em nota pra imprensa.

Deu uma parada no trabalho? Precisei. Fiquei um tempo em casa, até porque existia uma recuperação física. Eu tinha leite no peito. Entrava no chuveiro e espirrava leite. Pânico. E o pior é que você vê tudo isso acontecendo e não pode fazer nada. Uma sensação de impotência. Por sempre ter tido essa coisa da autonomia, de controlar tudo ao meu redor, fiquei amedrontada.

Demorou pra ter vontade de voltar à ativa? Pouco mais de um mês. Mas sabia que precisava enfrentar aquilo. Fiz um show inteirinho chorando. De raiva mesmo. Raiva da impotência. No fim joguei bateria no chão, catarse. Precisava pôr pra fora. Depois foi indo. O tempo cura tudo.

Tem vontade de engravidar de novo? Imediatamente depois do que rolou eu queria engravidar. Era meio questão de honra, sabe? Mas o tempo foi passando e eu vi que não precisa ser assim. Uma hora vai rolar, eu e o Daniel estamos superbem, mas sem pressa. A pouca experiência que eu tive com gravidez me mostrou que é algo gostoso de viver. Mas deixa rolar.

Você disse que o Daniel era um “pirralho”. Qual é a diferença de idade entre vocês? Eu tenho 31 e ele, 23. Quando nos conhecemos eu tinha 28 e ele, 20. Foi num VMB, em 2006, numa noite em que eu tinha sido superpremiada. Menino bonito, bom papo, acabamos ficando juntos nessa noite, mas pra mim não ia passar disso. Estava pela primeira vez solteira. Pensava: “Agora vou barbarizar, comer todo mundo e beijar todas as bocas que aparecerem”. Mas não conseguia, não sou assim. E aí acordei no dia seguinte pensando no Daniel. Ele me ligou, a gente saiu e descobri que ele era muito mais que um menino bonitinho.

Você curtia o trabalho dele como músico? Liricamente nunca achei bacana. Mas quando vi ele tocar achei sensacional.

E a sua convivência com o Duda, que toca com você e foi seu namorado por oito anos, como ficou? No começo foi difícil, depois ficou tudo na boa. Terminamos aos poucos. Eu vou deixando as coisas irem até seus limites. Chegou uma hora, no começo de 2006, que bastou.

Qual é o limite da Pitty? Ainda não descobri. Mas tô sempre me vasculhando, querendo entender e descobrir os lugares mais escondidos e obscuros dentro de mim. Tem gente que não quer saber. Eu quero.

Assistente de foto Luan Barros
Maquiagem Ju Muñoz (ABÁ MGT)
Assistente Nuria Ariel
Agradecimentos The Pub S.P.; Reference e Luiz Estofados; globo espelhado MP Globos e Iluminação

Crédito: Arquivo pessoal
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