Photoshop existencial
Quando um deputado do PMDB e Britney Spears concordam em alguma coisa, melhor desconfiar
A história começou na França. Ano passado, a deputada Valérie Boyer propôs que todas as imagens manipuladas no computador fossem claramente identificadas. Assim como você aprende no maço de cigarros que “Fumar causa câncer de boca e perda dos dentes”, uma foto mexida no Photoshop deveria trazer o aviso: “Esta imagem foi digitalmente modificada e pode não corresponder à realidade”.
Como um croissant requentado, a ideia chegou ao Brasil mês passado, atrasada comme d’habitude. Um nobre parlamentar levou à câmara um projeto de lei mais ou menos nos mesmos termos. Na versão brasileira, a mensagem seria traduzida assim: “Atenção: imagem retocada para alterar a aparência física da pessoa retratada”. A multa para o descumprimento chegaria a R$ 50 mil, podendo triplicar em caso de reincidência.
Até Britney Spears sabe que tem Photoshop demais por aí. Ela divulgou os originais das fotos que fez para uma marca de roupas, antes dos retoques de praxe. “Britney tem orgulho do seu corpo, com imperfeições e tudo”, publicou um jornal inglês. E lá estavam todas as imperfeições que, bem, todas as imperfeições que o anúncio não mostrava e que o mundo inteiro já estava cansado de conhecer, graças aos paparazzi.
Só que é preciso uma dose razoável de ingenuidade para acreditar que o vilão seja mesmo o Photoshop. Ou que uma lei vá resolver a questão. Dos desenhos nas cavernas de Lascaux à capa do disco da Lady Gaga, uma imagem é sempre e apenas uma interpretação do mundo – e não seu reflexo exato. Claro que é bizarro que uma pessoa veja, por semana, até 5 mil fotos modificadas. Mas o que pega de verdade é a obsessão pela perfeição.
Não apenas o corpo perfeito, com seus contornos digitalmente aparados, mas a vida perfeita, devidamente retocada por algum Photoshop existencial – alguém lembrou de Rivotril ou Sibutramina? Nas Páginas Vermelhas, a psicanalista carioca Joana de Vilhena Novaes investiga essa paranoia, que se instala no seu dia a dia, na miúda, como se fosse a coisa mais natural do mundo. Ou você nunca deu uma tratadinha nas suas fotos do Facebook ou do Flickr?
Fernando Luna, diretor editorial