Papai, eu quero mamar
Diferente do modelo da família brasileira, nos EUA alguns pais assumem a troca de fraldas
O relógio marcava 11h50 da manhã de uma quarta-feira ensolarada, quando 15 homens nova-iorquinos na faixa entre 30 e 40 anos chegavam para o inadiável compromisso do meio-dia. Bem vestidos com bermudas cáqui, sandálias de neoprene, camisetas de grife, óculos de sol, eles não estavam ali para jogar futebol nem para saborear uma gelada. Empurrando seus carrinhos de bebê supermodernos, levavam os filhos para a aulinha de música Rock’n’Roll Babies, no endinheirado bairro Upper East Side, em Manhattan. Sem mães, avós ou babás. Apenas os pais. Ou melhor, os “stay-at-home-dads”, ou pais que ficam em casa. Por 45 minutos, eles sentaram sobre coloridos colchões com seus bebês – todos com menos de 2 anos – e, com eles, cantaram, tocaram xilofones e estouraram bolhas de sabão. Um bebê vestia um macacão da finada casa de rock CBGB, enquanto outro engatinhava com sua camiseta versão bebê do grupo metaleiro AC/DC: lia-se ABCD.
Enquanto isso, no Brasil, os uniformes brancos das babás multiplicam-se nas praças, nas portas das escolas, em tudo quanto é parte – e os pais que eventualmente ficam em casa cuidando dos filhos são tachados de desempregados e “losers”. Já nos Estados Unidos, onde babá não usa uniforme e só assume o cuidado dos filhos quando os pais não estão, o cenário é outro: de 1995 para cá, as horas que homens americanos passam com seus filhos duplicaram. O censo de 2007 indicou 159 mil deles que ficam em casa especialmente para criar os pequenos, sem contar aqueles que trabalham e ficam de olho nos pimpolhos.
Coisinha do pai
Em 1995, a contagem não passava de 64 mil. Claro que o número perde feio se comparado aos 5,6 milhões de mães que ficam em casa – e, mesmo quando são os dois que trabalham, as mulheres cuidam quatro vezes mais da prole. No entanto, a minoria dos pais que olham os filhos enquanto suas esposas ganham o pão de cada dia deixou de ser raridade. Basta ver os inúmeros blogs em que despejam suas experiências e os livros dedicados ao assunto. Nos Estados Unidos, onde o custo de cuidados infantis, seja de babás ou creches, é exorbitante, muitos casais têm de ponderar quem abandonará a carreira por alguns anos: e nem sempre é a mulher – principalmente quando é ela que ganha mais.
Ao colocar no papel o custo de babás, que chegam a cobrar até US$ 15 a hora, o valor quase se equipara com o salário de muitos profissionais. Além disso, em época de recessão, um pai que perdeu o emprego nem chega a ter escolha. “Não há dinheiro que pague a educação que dou para minha filha. Uma babá nunca faria o mesmo”, pensa o nova-iorquino Patrick Spillman, pai de Grace, 1 ano e meio. Ele atuava no setor de café, mas hoje, além de cuidar da filha, cozinha para a esposa. “Muita gente que me vê com carrinho pergunta: ‘Hoje é o dia do pai?’. Digo que não: ‘Cuido dela todos os dias’.”, acrescenta. “Aposto que não irá demorar para lançarem uma revista dedicada ao nosso nicho.”
Agregando homens de diversas origens étnicas – loiros, latinos, asiáticos – a aula de música foi organizada por Lance Sommerfeld, que cuida do filho, Jake, desde o nascimento, há pouco mais de um ano. “Ter visto meu filho andar pela primeira vez foi a maior recompensa. Isso não se compara a uma babá enviando fotos pelo iPhone”, conta. Para não se sentir isolado, criou a comunidade na internet NYC Dads, que, até janeiro deste ano, já agregava mais de 150 membros. Uma vez por semana, eles se reúnem para alguma atividade – parques, zoológico – seguida por meia hora de papo, quando trocam experiências. Depois da aula, enquanto alimentavam a prole, vinham as questões da semana, mediadas por Lance: um pai estava frustrado por sua filha de 8 meses rejeitar comidas sólidas, outro disse que seu filho resistia ao sono da tarde, e um terceiro perguntou ao grupo como ensinar o bebê a descer do sofá sozinho. Imediatamente, choveram dicas. Ninguém ligou para as esposas. Inclusive, a de Lance, Jessica Sommerfeld, vice-presidente de uma companhia de seguro, só vê vantagens: “Não me importo de ser a provedora da casa. Constatamos que minha carreira renderia um salário mais alto e, como ele conseguiu um tempo de folga, tem sido uma grande oportunidade para ele estar com nosso filho em tempo integral. Ter um dos pais em casa nos primeiros anos da vida de uma criança é um benefício indescritível”, afirma.
“Ter visto meu filho andar pela primeira vez foi a maior recompensa” (Lance Sommerfeld)
Lance e sua turma são apenas um entre os diversos grupos de pais que começam a pipocar pelo país. “Eles estão presentes em todas as comunidades, camadas sociais e religiões, incluindo as mais conservadoras”, diz o escritor californiano Jeremy Adam Smith, que passou três anos pesquisando centenas de pais e mães nos Estados Unidos e culminou no livro The Daddy Shift (A Jornada do Pai), lançado nos EUA ano passado. Em 2009, o censo apontou que uma em quatro crianças em idade pré-escolar, filhas de mães que trabalham fora, era cuidada pelo pai. Para comparar, Jeremy conta no livro que, em 1970, a média de horas que um pai passava com seus filhos não ultrapassava três por semana.
Inversão de papéis
Há dois anos, o site de empregos Monsters.com fez uma pesquisa que indicou que 68% dos pais entrevistados ficariam em casa com os filhos. Segundo Jeremy, muitos americanos sentem prazer em participar da vida familiar. Paralelamente, as mulheres conquistaram a licença-maternidade e horários mais flexíveis no trabalho, algo que carece no mundo masculino. “Mesmo quando são os pais que ganham o pão, eles se questionam quanto devem dividir as tarefas com suas mulheres”, diz o autor.
Jeremy lembra que, quando a Grande Depressão, na década de 30, abalou a economia americana, os homens abandonavam suas famílias: na época, eles tinham o único papel de trabalhar para prover. O índice de divórcio foi altíssimo. Em 2009 a situação foi outra: 80% das americanas trabalhavam fora e um terço delas ganhava mais que seus maridos. “Hoje muitas têm capacidade de sustentar uma família. Além disso, por décadas tivemos pais pioneiros que ficaram em casa voluntariamente. Graças a eles, hoje podemos dizer aos pais desempregados que eles ainda têm um papel a desempenhar na família, mesmo que não seja a parte financeira”, repara. Em sua pesquisa, o autor também descobriu que, se pai e mãe dialogarem, a mãe será mais feliz ao perceber a nova relação entre pai e filho. “Isso não significa que ela terá de sustentar a casa para sempre, ou que ele nunca mais encontrará um emprego; mas, durante essa situação, tudo será mais feliz”, complementa ele, que trabalhava todas as manhãs de casa, quando cuidava do filho.
O autor ainda repara que uma das vantagens da mudança de papel é que os pais entendem as mães que chegam cansadas do trabalho – e o que significa passar o dia com uma criança. Ao escutar sobre a realidade de famílias da classe média brasileira – que exageram no uso de babás, a ponto de elas substituírem os pais em eventos infantis, participarem de viagens e da vida social da família – brincou dizendo que essa realidade soa “ficção científica” e não soube elaborar se os americanos fariam o mesmo caso o serviço fosse tão barato nos EUA. “Vivo em uma comunidade onde existem babás, mas elas não moram com as famílias. Há uma cultura nos EUA, e também em países europeus, de os pais se envolverem na criação dos filhos mesmo que eles passem o dia na creche ou com uma babá. Quem ganha é a família”, conclui.