Palmirinha Onofre

Famosa por seus quitutes e seu jeito doce, a vida da cozinheira nem sempre foi bolinho

por Bruno Torturra Nogueira em

Palmirinha Onofre: acomodada ficava a sua avó - Crédito: Gabriel Rinaldi

Famosa por seus quitutes saborosos e seu jeito doce de ser, a vida de Palmirinha Onofre nem sempre foi bolinho. Vítima de uma infância e de um casamento violentos, ela deu a volta por cima e se consagra, aos 80 anos, a celebridade mais tardia da televisão brasileira

O cabelo branco, o vocabulário simples, a pronúncia antiga, o crônico agasalhinho de lã que a acompanha como pele. Isso não basta para explicar a sensação que se tem ao conhecer Palmirinha Onofre: a de que ela já nasceu uma vovó. E o que parece dar a ela um ar de eterna melhor idade, e de parentesco instantâneo, é, no fundo, um raro carisma. Uma sensação nostálgica e confortável que ela, sem intenção, provoca em qualquer pau- d’água. E foi justamente essa naturalidade em ser fofíssima, muito mais do que suas receitas, que a transformou na vovó mais famosa do Brasil.

– Como é seu novo programa, Palmirinha?

– Ai, meu filho. É maravilhoso. Eu sou tratada com tanto carinho, precisa ver...

Ela está radiante. E cercada de pessoas sorrindo. Sua filha Sandra e Anderson Clayton, seu fiel escudeiro e o artista por trás do boneco Guinho. Seu “neto adotivo”, como os dois, neto e vovó, não se acanham em dizer. Todos da equipe que a ajuda no Programa da Palmirinha, no canal Bem Simples, do grupo Fox. Ou “fóquis”, como ela adoravelmente pronuncia.

E emenda uma minuciosa declaração de como se sentia bem no estúdio. De como a direção, o pessoal da maquiagem, os cozinheiros, cada um que a recebeu para as gravações de 26 programas em Porto Alegre era um doce. “Criei uma família lá. Quando fui embora foi uma choradeira só.” Nesse ponto, nem dez minutos de prosa, já não há mais jornalismo objetivo possível. É como se qualquer descrição que ela pudesse dar sobre sua nova atração na TV tivesse a palavra “carinho” como lastro. Pronto. O repórter também está rendido. E certo de que está diante não de uma pessoa velha, mas de alguém de um tempo muito diferente do nosso.

Isso nos leva à cidade de Bauru, no ano de 1931, onde e quando Palmira Nery da Silva nasceu. Filha de Felipe, baiano, e Anna, filha de italianos imigrantes. Cresceu em um sítio, e quase todas suas memórias da época são regidas pelas tarefas e aromas em torno das refeições. Faziam o queijo, matavam as carnes, catavam lenha e enterravam baldes de comida para mantê-la fresca em um mundo sem gás nem geladeira. Tudo era muito mais simples. E até o amor da família era algo mais cru. Seu pai a tratava como favorita. A mãe, por algum motivo, a elegeu desafeto. Sem saber por que, desde menina, Palmira apanhava, e apanhava muito, dela.

Terceira de cinco filhos, era a mais judiada. Foi quando, em 1937, preocupado com a índole da mulher, Felipe cedeu aos pedidos de uma francesa de posses em São Paulo e mandou a filha para a cidade. A menina, com 6 anos, seria criada como dama de companhia dessa viúva e teria, todo mês, um dinheiro depositado em uma poupança para seus 18 anos.

Boa filha

Foi educada e cuidada longe dos maus-tratos de Bauru até seus 14 anos, quando a mãe cruel reapareceu à porta da francesa com a polícia. “Eu não gosto de falar assim, mas é errado mentir: minha mãe era muito ruim.” Palmirinha acusa a mãe que, naquele tempo, acusou a francesa de sequestro e queria o dinheiro da filha. Não raspou o saldo, mas teve que levar a moça de volta. Com medo de ser deportada à França, dona Georgette não quis mais Palmirinha em sua casa.

De volta a Bauru, agora órfã de pai, ela voltou a viver sob o terror de sua mãe. Viu os irmãos desistirem e abandonarem o lar. Teve que se registrar mais velha em um cartório para poder trabalhar. Quando, aos 16, tentou ter alguma autonomia sobre seu dinheiro, sua mãe tentou vender a virgindade da filha por 5 mil réis a um fazendeiro. Palmirinha foi resgatada por uma tia. Mas viveu com a mãe até se casar, aos 19,
e se mudar para São Paulo.

Em cinco anos teve suas
três filhas. E, à medida que cresciam, as despesas aumentavam e o marido ia piorando. Mulherengo, boêmio e, por fim, violento. Palmirinha começou a apanhar, de novo, enquanto tentava dar conta – como empregada e faxineira – do sustento das meninas. E do marido. E da mãe, que, já bem mais velha, vivia às custas do dinheiro e dos cuidados da filha que espezinhou. Ficou mais aliviada – mas ainda passando aperto – quando descobriu que podia ganhar mais vendendo seus sonhos. Literalmente. “Sonhos recheados de creme! Ficaram famosos porque eram uma delícia”, gaba-se.

A receita, como outras 20 que definiram sua história, está em uma autobiografia lançada em 2011, A receita da minha vida. Em um livro curto, “dedicado às minhas amiguinhas” (como chama suas telespectadoras), escrito nas palavras diretas e com a visão limpa de Palmirinha, ela conta um enredo sofrido como um romance russo. Mãe, marido, toda a sorte de gente com más intenções. As filhas queridas, os muitos empregos ao mesmo tempo. A separação do marido depois de décadas, um câncer do qual se curou. E a culinária, no meio dessa tormenta toda, como o caminho que conduziu suas lembranças e sua vida até aqui, neste apartamento na Vila Mariana, cercada de amor e sorridente para a entrevista:

– O que mais você quer saber, meu filho?

– Como você foi parar na TV, Palmirinha?

Não foi por conta da comida, mas de quando foi indicada a dar um depoimento à Silvia Poppovic em 1993. O tema era Criei Meus Filhos Sozinha.

Rainha do Ibope

“Eu morria de medo do público, mas contei minha história como foi...”, ela recorda, “e já no meio do programa tinha gente ligando para comprar empadinhas. Aumentou muito o pedido!”. Em dois tempos outra TV, dessa vez a Record, convida a quituteira para o Note e anote, apresentado na época por Ana Maria Braga. A vovó cheia de gafes inocentes e pratos triviais virou atração do programa. Ganhou ali seu apelido de Palmirinha. Até que Ana ganhou um novo show na Globo em 1997. E Palmirinha, um só seu na Gazeta em 1999.

“Eu morria de medo do público, mas já no meio do programa ligaram para comprar empadinhas”

– E como foi?

– Eu não sabia nem o que era Ibope, menino – resumiu assim a ingenuidade com que conduziu seus 11 anos na emissora. Sem entender que, enquanto seguia fazendo o que sempre fez (dar duro), dessa vez construía um séquito. “Minhas amiguinhas vinham falar comigo na rua, mas um dia me chamaram para ir no Jô!”, ela conta, explicando como caiu a ficha.

O segredo da fama? Quem arrisca uma resposta é Anderson Clayton, o ator que se traveste de Guinho, fiel boneco que faz escada para ela: “O programa tem o conceito da vovó!”, elabora. “É uma coisa bem emocional, com receitas simples da infância das pessoas. Eu mesmo fui pego por causa disso. Sabe aquele filme da babá quase perfeita?”, ele conta, enquanto nega a previsão de Palmirinha: “Estou pensando em não fazer a segunda temporada do programa da ‘fóquis’ porque aí vão dar um programa só para o Guinho. Ele é um menino maravilhoso. Me conhece como ninguém. Ele sim merece. Não é?”, e olha para Anderson, que já se estica para um abraço. “Eu que não mereço a senhora”, rasga uma sincera seda para a patroa/vovó adotiva.


Sem glamour

Mas, apesar da fama, a vida na Gazeta não tinha glamour, ou sossego, algum. Sempre entrando ao vivo. Sem férias. Fazia ela mesma as compras no supermercado para o programa diário. Quando deu por si, não dava mais conta de tocar tudo. “Eu fiquei 11 anos na Gazeta, mas não tinha apoio, equipe.”

“Tem hora que, se eu quero sair, não posso. E se eu estou com a boca cheia e tenho que falar com um fã? Não fica bem”

A filha Sandra interrompe a mãe, e pede para ela falar do futuro, deixar a Gazeta pra lá. Mas admite: “Ela estava com pressão alta, exausta mesmo. Achei melhor também ela sair, e comecei a cuidar mais da agenda e da carreira dela”, diz enquanto autografa um livro de receitas de Palmirinha em nome da mãe para dar ao repórter que vos escreve. “A mamãe deu o aviso prévio e saiu da Gazeta muito magoada”, Sandra revela. É que, no último programa, no meio de sua despedida, aos prantos, cortaram seu microfone. Pela primeira vez não deixaram Palmirinha entrar ao vivo.

“Eu chorei muito, e foi muito difícil... Mas descobri”, e a voz engasga, “que eu era muito amada pelas pessoas.” Ela conta com os olhos cheios que foi convidada para o CQC e que uma das melhores noites de sua vida foi quando gritaram seu nome em um VMB, da MTV. E que realizou o sonho de conhecer o Silvio Santos, a Marília Gabriela, o Olivier Anquier... lançou livros de receita, um site e um Twitter cuidado pelos netos... virou vovó-propaganda de muitos produtos... e de outros desistiu, como uma marca de batatinhas que tentou, mas Palmirinha pulou fora no meio da gravação. Não conseguia – nem queria mais tentar – pronunciar Ruffles.

E eis que, depois de quase dois anos sem um programa pra chamar de seu, recebeu um convite da “fóquis”.

– Então fala um pouco mais sobre como é o programa novo, Palmirinha.

– Ai, meu filho – ela insiste – é maravilhoso! Eu cozinho, passo minhas receitas, converso com o Guinho, conto minhas histórias, choro com as amiguinhas...

– E como você se sente virando uma celebridade aos 80 anos de idade?

– Ah, eu acho maravilhoso. Mas tem hora que, se eu quero sair, não posso. Você tem que ser educada, tem que ser amável. Mas e se eu estou com a boca cheia e tenho que falar com um fã? Não fica bem. Mas mesmo assim eu gosto, porque é muito carinho.

– E a imprensa, como trata você?

“A imprensa não me deixa um minuto. É só eu aparecer na rua que enche de repórter. Acho que me amam muito também”, e emenda uma digressão sobre quanta sorte tem. Sobre como ainda cozinha todo dia para ela mesma e como, agora que tem tempo, engordou um pouco por “caprichar demais no fogão”. Como, depois de duas horas de papo, ela faz questão de me oferecer um bolinho e um café. E sobre como Deus foi tão bom para ela que tem três filhas, sete netos (incluindo Anderson, o boneco Guinho), duas bisnetas. E uma legião de brasileiros (o presente repórter incluso) que, atolados no século 21, não resistem a um espírito tão anacrônico, acolhedor e necessário quanto o de Palmirinha Onofre.

– E agora, quais os planos?

– Ah, eu não sei ainda. Mas acho que tenho um futuro muito grande pela frente.

– Mas como você imagina esse futuro, Palmirinha?

– Ah, meu filho... maravilhoso!

Crédito: Arquivo pessoal
Crédito: Arquivo pessoal
Crédito: Divulgação
Crédito: Gabriel Rinaldi
Crédito: Arquivo pessoal
Crédito: Arquivo pessoal

Créditos

Imagem principal: Gabriel Rinaldi

Arquivado em: Tpm / Páginas Vermelhas / Comportamento