Outra realidade

A artista plástica da nova geração Regina Parra inaugura sua primeira individual

por Carol Sganzerla em

Em meio ao boom de jovens artistas plásticos, a paulistana Regina Parra, 27 anos, se destaca pelas pinceladas de realidade e inaugura sua primeira exposição individual

Às 16h35 de um sábado de agosto de 1997, a princesa Diana não imaginava que aquele seria seu último dia de vida. Sorridente para as câmeras de vi­gi­lân­cia do elevador do hotel Ritz, onde se hos­­pedava em Paris, ali seria registrada sua úl­­­tima imagem antes do fatídico acidente que também vitimou seu namorado, Do­­di Al-Fayed. Dez anos mais tarde, em São Pau­­­­­lo, os passageiros do voo 3054, às 18h51 de uma terça-feira chuvosa de julho, não po­­­­diam prever que pousariam pela última vez em Congonhas e que teriam a cena do avião fora de controle na pista eternizada nos jornais. Muito menos, o pequeno Ja­­­mes Bulger, de 2 anos, no caso que abalou o mun­­do em 1993, tinha consciência de que o segundo que antecedeu seu sequestro se­guido de assassinato por dois garotos de apenas 10 anos, próximo à cidade inglesa de Liverpool, seria flagrado pelas lentes de segurança.

Embora incômodas, essas cenas foram usadas como matérias-primas da série “Controle”, de 2008, da artista plástica Regina Parra, 27 anos. “É falar do horror sem falar do horror. Me interessa trabalhar com o que esta­mos ven­­­do, é difícil não ser contaminado pela quantidade de notícias e ima­­­­gens, es­­sa loucura que vivemos”, discursa a paulistana em seu ateliê em Hi­gie­­nó­po­­­­­lis, em São Paulo. Formada em artes plásticas pela Faap, Regina expõe (de 2 a 29 de mar­ço) sua primeira individual no Paço das Ar­tes, sele­cio­nada pelo pro­gra­­ma Temporada de Projetos 2009, um dos mais con­cor­­ri­dos editais de arte con­­­­tem­­po­­rânea do país, com mais de 300 ins­cri­tos. “A pro­dução de Re­gina tem um for­­­te impacto imagético. Suas pinturas ficam gra­­vadas em nossa re­ti­na, mais demoradamente do que as próprias imagens de mídia de mas­­­­­­sa em que ela se inspira, como ocorre em ‘Con­trole’. São ce­­nas de in­­­crí­vel ex­pectativa, que beiram o mal-estar e a excita­ção de um furo jor­­na­lís­­ti­co. Nos dei­xa a sós face a face com o real, aquilo que fica de fora das téc­­ni­­cas da pin­tu­ra, com a transmissão ao vivo direto de suas telas”, diz Mar­cio Ha­rum, crítico da Temporada de Projetos. Pa­ra sua mostra de estreia, a ar­tista utilizou con­cei­­to semelhante a “Con­­trole”: as câ­me­ras. Em “Mise-en-Scè­ne”, ela pinta ima­­gens cap­tu­­radas nos mo­nitores de ban­­­­­­cos, ga­­­­ragens e metrôs em que ela pró­pria apa­re­­­ce. “Que­ro trazer a cor e a ir­re­gu­­la­ri­da­­de da ima­gem digital pa­­­­­­ra a pintura.”

A vontade de trabalhar com imagens pron­tas veio quando expe­ri­­­­men­tava pro­je­tos de vídeo. “Do carro, filmei um se­nhor que ten­ta­va te­le­fonar do ore­lhão e deu von­­­t­ade de pintar o re­tra­­­to da impo­tên­­cia dele. Foi por acaso, aí co­­me­cei a pes­­­­­­qui­sar a técnica”, lembra ela, que, na épo­­­­ca, já ti­nha es­tu­­dado na Es­co­la de Ar­tes Vi­suais do Parque Lage, no Rio de Ja­nei­­­ro, a mesma por onde passa­ram ar­­­­­tis­­tas como Adria­na Varejão e Bea­triz Mi­­­­lha­­­­­­zes. E foi no Par­que La­ge que ouviu de um pro­fes­sor: “Vá a Pa­­­­­ris”. Ela foi e passou três meses na Éco­le Na­tio­na­le Su­pé­rieu­re des Beaux-Arts, a mais importante escola de arte fran­cesa. 

Re­gi­­­­na flerta com a pintura desde os 12 anos, nas primeiras aulas na zona leste de São Paulo, onde nasceu. Mais tar­de, dei­xou os pincéis pelos palcos. Cur­sou um ano de artes cênicas na USP até entrar no CPT (Centro de Pesquisa Tea­­­­tral), comandado por Antunes Filho, um dos principais diretores bra­si­lei­ros de teatro. Foram três anos dedicados aos ensaios e à assistência de direção de Me­deia, em 2001. “O An­­tunes exige que você abdique de tudo, e você acaba se afastando do mun­do”, lembra ela, que dividia as contas com duas amigas de cur­so. Hoje, casada, gos­­ta de se enfiar no ateliê e viajar. A moça já ca­­rim­bou o pas­saporte em Bar­ce­­­lona, Madri, Índia, Camboja, Viet­nã, Quênia, Zâm­bia, entre ou­tros destinos.

Zé facadinha

Regina tem 14 coletivas no currículo – uma delas a comentada “2000 e Oi­­to”, no Sesc Pinheiros – e um primeiro lugar na 38ª Anual de Artes da Faap, em 2006. Na ocasião, apresentou a série “Aparecida”, 12 pinturas (óleo e cera so­bre papel) baseadas em retratos de família. Não vendeu nenhuma. “Tenho a­pe­go porque fui premiada com ela, tem fo­­to do avô que mor­reu, da avó que ia a Aparecida”, conta ela, que é re­presentada pela galeria Laura Marsiaj, no Rio. Lá também expõe, a partir do dia 17 deste mês, com mais quatro ar­­­tis­tas.

A ambiguidade permeia os trabalhos de Regina. Em “Aparecida”, fotos de fa­mília ganham semblantes sombrios. “Exagerei no bran­co ­­para parecer mórbido e não ser sempre uma coi­sa só”, comenta. “De­vir” tam­bém é dúbio, já que a autora retrata assas­sinos quando crian­ças. A ideia sur­giu quando, vendo álbuns com a avó, apontou para uma das fotos: “Quem é o menino no cava­li­­nho?”. “É o Zé facadinha, um primo seu que está fo­ragido porque deu fa­ca­das no amante da ex-mu­lher.” Re­gina viu ali uma luz: “Gos­tei de ver como aque­la ima­­­gem ino­cen­te ficava tensa de repente. Daí fui atrás dos se­rial kil­­lers”, conta, com seus olhos azuis que não perdem uma boa ima­­gem. Melhor ain­­­da se for daquelas de mudar o ru­mo de vidas – a co­meçar pe­la dela.

ESTILO CAMILA NUNEZ MAQUIAGEM RENATO REYES

 

 

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