O que rolou no SXSW 2012
Mariana Perroni conta o que de mais bacana viu no festival de música e tecnologia que acontece no Texas
Depois de três dias de chuva incessante e um frio de sete graus totalmente incomuns nesta época em Austin, o céu subitamente resolveu se limpar e brindar o público do South by Southwest 2012 com sol e calor. A temperatura subiu 18 graus em questão de seis horas, fazendo com que os gringos abandonassem o look de casaco + chinelo para adotar as camisetas/camisas xadrez com bota de cowboy. (Coerência? Não trabalhamos.)
Não vou falar dos dois primeiros dias, pois, como sou médica, fiz questão de assistir às excelentes sessões sobre inovação em Saúde, que aconteceram num campus longe do Centro de Convenções, o local dos eventos mais concorridos do South By Southwest. E pretendo escrever sobre isso no meu blog destinado ao assunto, aqui na Tpm.
O que vi de mais interessante nas sessões e palestras do Interactive é que aqui não se fala mais em Baby Boomers, Geração Y, Geração X, ou mesmo Geração W... mas sim na Geração C. De Connected. Somos os novos cyborgs, vivendo uma relação cada vez mais simbiótica com nossos devices tecnológicos para interagir com o mundo ao redor. E, por falar em mundo ao redor, algo que se repetiu inúmeras vezes foi o a constatação de estarmos vivendo num Egosystem: um cenário em que não temos mais que ir atrás na informação. Só de estarmos conectados, ela nos encontra. Se for importante.
Nos 60 minutos com mais "f*cks" e "sh*ts" da minha vida, o ator, diretor, escritor e fundador do SModcast, Kevin Smith, deu a receita de como construir uma carreira de sucesso e rentável: "Stick with what's personal and it tends to work out" [Se atenha ao que é pessoal que costuma funcionar]. Num engraçadíssimo e sincero relato, ele descreve como fez isso. Ao se flagrar insatisfeito por ter perdido o "Kevin Smith de O Balconista" e estar fazendo o que as pessoas esperavam dele ao invés do que ele realmente gostava, ele resolveu parar de dirigir e como isso o fez ter a idéia de começar a gravar os podcasts que acabaram se tornando um enorme sucesso capaz de pagar suas contas, mesmo sem fazer filmes. Se fazer isso é mais fácil quando se é Kevin Smith? Certamente. Ainda assim, acho o conselho válido para qualquer pessoa. Em qualquer profissão. Inclusive, deixar as próprias vontades de lado para fazer o que as pessoas esperam de nós está na lista dos cinco maiores arrependimentos dos pacientes no leito de morte.
"Se atenha ao que é pessoal que costuma funcionar", Kevin Smith
Numa sessão intitulada "No More (Music) Business As Usual", Billy Corgan, vocalista do Smashing Pumpkins (ou um observer de Fringe?), e o escritor Brian Solis tiveram uma conversa exaltada sobre as mudanças, limitações e desafios que a internet traz para a indústria da música e para os artistas atualmente. Às vésperas do lançamento de Oceania, Corgan oscilou entre descontentamento e resignação ao longo de toda a sessão. Especialmente ao constatar que o que importa hoje é ser famoso ao invés de respeitado. E que a qualidade das músicas passou a ter menor importância do que o número de views que você consegue (o que, como ele mesmo disse, é muito delicado "numa época em que é preciso competir com vídeos de gatos tocando piano no YouTube"). E, em decorrência disso tudo que ele enumerou, não demonstrou hesitação alguma para comparar os artistas de hoje com "prostitutas". Isso mesmo. Prostitutas. A platéia se olhou meio que desacreditando na comparação. Bem, é o Billy Corgan...
O músico também confessou estar falando cada vez menos em seus shows, temeroso da repercussão que suas palavras no palco possam vir a tomar, ao serem discutidas no Twitter. "Pode acontecer de eu falar UMA bobeira durante um show de duas horas e, por azar, algum loser não gostar e tuitar. Dependendo da proporção que isso tomar, uma carreira de vinte e cinco anos na música pode ir pelo ralo. Por causa de um comentário bobo que alguém não gostou."
Mas Corgan também propôs um (esboço de um)a solução: já que se vive num momento em que os views fazem tanta diferença, os fãs devem começar a sair da "postura de vítima" de só reclamar, apoiando mais os artistas de quem gostam. Seja na forma de tuíte ou compartilhamento no Facebook. Já para os artistas, defende que "o casamento entre o visual e o musical é inevitável. Mas é necessário que algum garoto num porão nos ajude a achar uma forma mais atraente e desenvolvida para fazer isso." E terminou solicitando reflexão tanto para os músicos quanto para os fãs. "Temos que ser responsáveis pela cultura que estamos criando."
"Mais do que criar fazendas virtuais, as redes sociais precisam começar a refletir a voz e os interesses políticos dos cidadão", Al Gore
O ex vice americano Al Gore e Sean Parker, um dos fundadores do Napster, também tiveram uma interessante (e concorrida) sessão ao fim do dia sobre democracia na era digital. Gore defendeu que a democracia precisa ser "hackeada", uma vez que seus moldes já são incompatíveis com a atualidade. "É preciso começar um 'Occupy Democracy'!". Afirmou também que "mais do que criar fazendas virtuais", as redes sociais precisam começar a refletir a voz e os interesses políticos dos cidadãos. No entanto, fica um pouco reticente ao perceber que, apesar de mais numerosas, as manifestações políticas motivadas pelas redes sociais parecem ser menos fortes e duradouras do que as de outros períodos da História.
Com a linguagem corporal demonstrando toda sua timidez no momento (e nerdice peculiar), Sean Parker concordou e disse acreditar que esse é um dos maiores desafios da atualidade. "A primeira fase, que é atingir o máximo de pessoas possível através da rede e viralizar a informação, nós já conseguimos. No entanto, não bastam atos online, clicar ou compartilhar algo. O desafio agora é criarmos ferramentas quer permitam a tomada de decisão em grupo e colocá-las em prática para hackear a democracia, de acordo com os interesses da população", disse Parker.
Algo bem legal foi que o pessoal da Imagethink, responsável pelos "desenhos" de alguns dos vídeos mais interessantes que já vi no YouTube (como esse, que sempre gosto de indicar) ilustrava todas as sessões mais importantes. Em real-time. E os desenhos ficavam expostos pelo centro de convenções ao longo dos dias.
Por enquanto é só. O South By Southwest, até agora, continua honrando a tradição do "Keep Austin Weird", comos eles mesmos dizem.
Vai lá: www.sxsw.com
(*) Mariana Perroni é médica intensivista e escreve no blog Palpitação