O limite da cantada

A Tpm perguntou: quando deixa de ser cantada e vira assédio e constrangimento?

por Natacha Cortêz em

Seguindo os desdobramentos do tema da edição de julho da revista, que trata de violência sexual contra a mulher, perguntamos às amigas da redação, e também nas nossas redes sóciais, “qual é o limite da cantada?”. Quando ela deixa de ser flerte pra virar agressão?

Lola Aronovich, 46, professora e escritora: “O que um desconhecido fala na rua eu não considero cantada, considero grosseria, se for de cunho sexual. Mas quando alguém passa por mim e diz 'Que lindos olhos!', eu encaro como elogio. Acho totalmente diferente de 'Quero mamar nesses peitos'. Grosserias não são ditas para seduzir alguém, mas para marcar território, para mostrar quem é que manda no espaço público, que ainda hoje é visto como masculino. Cantadas em espaços onde se espera paquera (barzinhos, baladas etc.) viram assédio se forem insistentes. A pessoa precisa aprender a respeitar um não. Nada de pegar no corpo da pessoa. Não é não. Tem também o assédio no trabalho, que quase sempre vem de uma posição de poder. Se uma pessoa no mesmo patamar de poder faz uma gracinha com outra no trabalho, pode ser uma cantada. Se um chefe se vale do seu poder para tentar levar alguém pra cama, é assédio.”

"Grosserias não são ditas para seduzir alguém, mas para marcar território, para mostrar quem é que manda no espaço público, que ainda hoje é visto como masculino" - Lola Aronovitch 

Karina Buhr, 39, cantora: “É uma questão muito delicada, e eu sou pouco tolerante com ela. Acho que é melhor não cantar se você não sentir que tá rolando algo no ar, um clima bom entre as partes. Acho que essa é a permissão pra começar o flerte.” 

Clara Averbuck, 33, escritora: “Pra mim, cantada na rua não é pra existir. O limite é esse: não fale comigo se não pedi."

Ana Carolina Rocha (Tchulimtchulim), 25, publicitária: “Para mim, o limite da cantada é quando alguém te canta pela primeira vez, você corta e a pessoa insiste, é um saco, já tive que bloquear e tirar pessoas do meu Facebook por causa disso, a pessoa não se toca. Outra coisa que acontece comigo por causa da exposição na internet: completos desconhecidos mandam tweets, inbox e emails com cantadas, oferecendo presentes, falando que querem me conhecer, que eu seria a mulher perfeita, ou que não vê a hora de me encontrar por aí, acho isso falta de respeito, me soa ameaçador, muito diferente da admiração. Cantada de completos desconhecidos na rua são sempre incômodas, já "reagi" à uma delas chamando o cara de babaca e ele disse pra eu tomar cuidado quando passasse por ali de novo, ou seja, fui ameaçada. De modo geral, nunca me senti à vontade com cantadas, sempre preferi uma boa conversa, gostos em comum e palavras diretas e sinceras.”

"Completos desconhecidos me mandam tweets, inbox e emails com cantadas, oferecendo presentes, falando que querem me conhecer, que eu seria a mulher perfeita, ou que não vê a hora de me encontrar por aí, acho isso falta de respeito. Me soa ameaçador, muito diferente da admiração.", Ana Carolina Rocha, a Tchulimtchulim 

Juliana Cunha, 25, jornalista: “Cantada é um movimento muito sutil que espera resposta do outro para continuar e se interrompe assim que essa resposta não chega ou é negativa. Todo o resto é assédio ou folga.”

Vivian Whiteman, jornalista: “Vixe, tema complexo. Pra não dar margem a nenhum tipo de ruído, diria o seguinte: o limite é o não. Não quero, por favor pare por aí. Agora, quanto a caras gritando na rua e coisas do tipo, acho que as mulheres têm de ser mais agressivas. Xingar, gritar, mandar à merda pra todo mundo ouvir. O assédio, dos mais bobos, tipo um 'gostosa', até os mais graves, como o estupro, estão relacionados a uma questão, política inclusive, de dominação. As mulheres são os principais alvos, mas precisam rejeitar absolutamente o rótulo de vítima. Mulher não 'é' vítima, não nasceu vítima; o que ocorre é que muitas vezes as mulheres são alvo de psicopatas e de gente simplesmente escrota e covarde. Os estupros recente no Egito por exemplo são, além de terríveis como violência, uma forma de reprimir a liberdade de uma forma mais ampla. Essas porcarias de vagões especiais também não ajudam em nada, parece um curral para carneirinhos indefesos. As mulheres devem se levantar contra a violência mas também contra a vitimização. E os homens de caráter devem assumir essa causa como deles. Temos problemas maiores, queremos nos envolver nas grandes lutas do mundo, chega de sermos as vítimas universais, chega de não podermos pensar em política ou física quântica porque estamos ocupadas tentando evitar estupros, brigando contra salários menores e desviando de aproveitadores. Chega! Mulheres, reajam! Estamos vivendo um tempo de protestos, e vale dizer que qualquer plano de mudança que preste deve incluir a guilhotina para o modelo de participação social machista, patriarcal escrotão. Homens e mulheres, diferentes que são, são também iguais quando lutam lado a lado por uma só causa. NÃO NASCEMOS VÍTIMAS!”

"Mulher não 'é' vítima, não nasceu vítima; o que ocorre é que muitas vezes as mulheres são alvo de psicopatas e de gente simplesmente escrota e covarde" - Vivian Whiteman

Letícia Matos, 37, artista plástica: "Começa a incomodar quando o cara te liga mais de uma vez por dia. Insiste mesmo quando você diz que não tá afim, pára o carro na rua quando te vê caminhando. Sei lá, imagina se o cara começa a te perseguir! Não posso com isso, meu espaço vital é bem grande."

Juliana Frank, 28, escritora: “Se eu estiver montada numa charrete, aceito o seguinte comentário: 'essa eu chupava...' Porém nunca: 'essa eu chupava desde o burro', que aí já é demais.”

Bianca Comparato, 27, atriz: “Acho que é de sentir, sabe? Quando me incomodo, me sinto desconfortável, é porque virou agressão. Acho que é muito pessoal, e depende da percepção de cada um. Cantada deveria ser bom, deveria ser um elogio gracioso. E deixa de ser se me sinto invadida.”

"Cantada deveria ser bom, deveria ser um elogio gracioso. E deixa de ser se me sinto invadida" - Bianca Comparato

Na fanpage e Twitter da Tpm:

Fernanda Guarnieri: “A partir do momento em que eu me sinto constrangida não é mais flerte. Se eu sinto medo do cara, como sairia com ele?”

Ana Carolina Rodarte: “O gesto diz muito. É diferente quando recebemos um cumprimento ('Bom dia!') ou um elogio com delicadeza. Quando eles avançam (aproximando-se demais), fica um tanto agressivo sim. Depende da mulher, tem gente que adora ser chamada de gostosa. Não me sinto à vontade se não for alguém que não conheça

Juliana Libretti: “Quando o "flerte" passa do verbal e vai pro contato físico. (Puxar o cabelo, segurar no pulso, vir de encontro ao seu corpo de maneira que uma mulher não pode se esquivar...). Coisas assim.”

Fran Carneiro: Se eu não dei brecha pra se aproximarem (exemplo: quando tô indo ou voltando do trabalho), já me sinto ofendida ou agredida. Não dei liberdade, não faça, nem fale."

Samira Marana: "Um simples 'ei, gatinha' na rua, sem mais nem menos pra mim já é agressão de bom tamanho."

Louise Tanajura: "Certas cantadas têm lá seu charme, sim. Mas aquelas que nos agridem moralmente ou extrapolam a verbalização e partem pra um contato físico não permitido não são nada bem vindas."

Danielle Marinho: "Quando me deixa constrangida em vez de lisonjeada. A diferença entre ouvir um 'linda' e um 'gostosa'."

Iayna Rabay: "Quando o cara chega muito perto: agressão! Quando usa de palavreado chulo: agressão! Quando precisa tocar: agressão!"
 
Maria Sannini: "Quando deixa de ser pro indivíduo mulher e passa a ser pro objeto mulher."
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