O intangível
Um pouco sobre ser estrangeiro
Daí que eu sou estrangeira aqui onde eu moro, né? E uma vez que eu sou estrangeira, every fuckin day eu vivo uma coisa que a minha amiga Mari apelidou de “o intangível”. Ou seja: por mais que eu more aqui há anos, conheça super bem a cidade e fale com gírias; não me livro de que me perguntem de onde eu sou, quando e por quê eu vim para cá etc.
Um exemplo foi o aniversário de uma amiga no sábado passado. Fui sozinha e não conhecia muita gente. O intangível começou bem no comecinho da festa, quando descí para abrir a porta para um grupo de pessoas que havia chegado.
Troquei meia-dúzia de palavras com eles e, logo no elevador, eles já perguntaram de onde eu era. “De dónde sos?” é a frase mágica que antecede um verdadeiro questionário sobre a sua vida pessoal. Todo mundo quer saber quando você veio, por quê, se estuda ou trabalha, se sente saudades do Brasil, se gosta de Buenos Aires etc.
Outra coisa bastante comum é a indignação dos argentinos perante o fato de um brasileiro ter escolhido a Argentina para chamar de sua. “Mas todo mundo quer ir pro Brasil e vocês vem para cá?”. Nêgo acha incompreensível. E logo começa a desfiar o rosário de lugares visitados no Brasil. Na infância todo mundo foi para Bombas e Bombinhas. Outros destinos top são Florianópolis, Rio, Búzios e Morro de São Paulo.
Seja comprando chocolate no kisoco, tomando um táxi, esperando a vez na recepção do dermatologista ou numa festa a conversa sempre começa por aí. E todo dia é a mesma coisa, preencher este formulario quando tudo o que você quer é apenas ser tratado como um ser humano comum que vai ao aniversário da amiga com a camiseta da banda de rock local preferida e quer se divertir em vez de escutar coisas como “você está muito argentinizada e é um desperdício que isto aconteça com uma brasileira”.
Oi?
Porque embora eu me camufle na multidão o meu coração continua batendo com um jogo do Palmeiras, bateria de escola de samba, purê de mandioquinha y otras cositas más. Mas em se tratando d’o intangível, a gente tem que se acostumar a lidar com este caminho sem volta, não tem jeito.