O importante não é ter razão

O que você deseja em 2008? Todos nós, no fundo, queremos a mesma coisa. Mas, entra ano, sai ano, nos entregamos ao ato de fazer enormes listas de desejos. Uma babaquice quase infantil. Mas até que divertida

por Redação em

A ladainha se repete anualmente: listas de desejos para o ano que começa. Só que, em tese, nada muda, já que, de acordo com o calendário que nos rege, o 1º de janeiro não faz mais do que se seguir ao 31 de dezembro. Uma bobagem cristã isso de virada de ano. Mais uma, aliás. Mas, des­sa vez, uma babaquice divertida. Então, vamos lá.

Que em 2008 sejamos mais sorridentes e menos carrancudos, mais livres e menos sistemáticos, mais solidários e menos hedonistas. Que dancemos mais e passemos menos tempo sentados na frente do computador. Que encontremos menos crianças pedindo dinheiro nos sinais, menos crianças sentindo fome, me­nos velhos morrendo solitários e desamparados. Que a hipocrisia saia de moda, que a covardia seja enterrada, que a caretice diga adeus e vá embora. Que possamos rir mais, gargalhar mais, chorar mais. Que aceitemos o sofrimento como parte de nós mesmos, sabendo que ele é inevitável e belo porque representa a vida, e porque não existe vida sem ele. Que encontremos a verdade de cada um, que sejamos mais autênticos, que percebamos que só há crescimento quando há conflito de idéias, que amadureçamos sem perder a ternura. Que Xuxa e Sacha tirem um sabático e não sejam encontradas por nenhum paparazzo, que Gianecchini namore quem bem entender sem que isso se revele um alerta nacional, que o objetivo do futebol volte a ser fazer um gol e não simplesmente deixar de sofrê-lo. Que viajemos mais, que empaquemos menos, que nos apaixonemos mais, que odiemos menos. Que alguma distribuidora de cerveja consiga fazer uma campanha publicitária sem usar o corpo feminino como apelo de venda. Que os bancos repassem seus colossais lucros em serviços para clientes, que pelo menos se eliminem as filas e que percebamos não haver diferença entre o ladrão que mora na favela e aquele que mora na Vieira Souto. Que funcionários públicos entendam que são servidores do povo e não do governo. Que aqueles que falam a verdade não sejam processados e punidos, que padres deixem de abusar de menores, que contemos mais piadas, que o legislativo não seja um deboche, que a primeira-dama faça alguma coisa de útil, humanitariamente falando, e pare de ser simplesmente a patética sombra botoxada do marido.

Sem medo de se ridicularizar
Que políticos corruptos sejam finalmente presos, que esqueçamos que é mais seguro ser temido do que amado, que percamos o medo de nos ridicularizar, que aprendamos a viver e não somente a existir, que consigamos dizer “eu te amo” mais vezes, que aprendamos a pedir perdão, que não adiemos mais aquela palavra de carinho, aquele gesto, aquele olhar. Que pontes não caiam, aviões não explodam, túneis não sejam soterrados, obras não despenquem. E que, se isso acontecer, os responsáveis sejam punidos. Que tomemos consciência de que o amanhã não está garantido. Que a moral seja desvendada, que ética não se confunda com hipocrisia, que a picaretagem e a malandragem percam lugar para a solidariedade e a honestidade. Que nossos representantes separem o público do privado e que não reelejamos quem não sabe a diferença entre eles. Que esses mesmos representantes do poder do povo não abram mais suas carteiras onde se lê Governo Federal – Poder Legislativo e a arremessem grosseiramente sobre o balcão, sacando seus cartões de crédito corporate, pagos por você e por mim, para comprar R$ 2 mil em sapatos em um shopping center paulistano às duas horas da tarde de uma terça-feira qualquer de dezembro. Ou que, flagrados fazendo isso, sejam alertados para a pornografia do gesto. Aliás, que nossos deputados entendam que pornografia não é expor a elegante foto de um travesti nos salões da Câmara, que pornografia é o que eles fazem lá dentro de terça a quinta, porque em Brasília não se trabalha sexta ou segunda. Aliás, que em Brasília trabalhe-se sexta e segunda, sábados e domingos se for preciso.

Menos cinismo e mais sentido

Que sejamos menos cínicos, que entendamos que a validade de uma idéia não é determinada pelo fato de ela ser amplamente aceita, mas pelo fato de ela fazer ou não sentido. Que questionemos mais. Que nosso presidente perceba que educação é tão importante quanto comida, que escolaridade é o alimento da moral e entenda que não existe vida sem saber. Que sejamos mais tolerantes e menos preconceituosos. Que fiquemos menos indiferentes ao sofrimento do outro, que o apetite pelo fútil diminua, que o novo corte de cabelo da Fátima Bernardes não seja mais notícia. Que entendamos que a felicidade não é um destino, mas a viagem, e que valemos exatamente aquilo em que nos empenhamos. Que flertemos todos os dias com algum tipo de abismo. Que tenhamos menos medos, que escutemos mais músicas, compremos mais flores, derrubemos menos árvores, desperdicemos menos água. E, finalmente, que acreditemos em Ferreira Gullar, porque o importante não é ter razão; o importante é ser feliz.
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