O buraco é mais em cima
O escritor Reinaldo Moraes entrega a mais vaginal das crônicas de seu novo livro
Não sei se você tem amigos com a libido acesa e tempo de sobra pra caçar putarias e bizarrices sexuais na internet, selecionando as que julga dignas de serem enviadas aos mais diletos cupinchas – entre os quais você. Eu tinha dois, um deles acabou de morrer, sobrou o outro, por sinal o mais profícuo em matéria de sacanagem. Trata-se de um designer gráfico recém-aposentado que me dá a impressão de não fazer outra coisa na vida além de tocar bateria num grupo de jazz-rock de cinquentões e sessentões zoados e percorrer os boudoirs virtuais da rede homenageando com dedicação todas as mulheres do mundo. E, claro, sempre fumando unzinho, que ninguém é de ferro.
Raro o dia em que eu não receba quatro ou cinco e-mails desse amigo com um CUIDADO! alertando para o perigo de abri-los em público e com legendas do tipo “Morena hospitaleira entuba três de uma só vez” ou “Colegial inocente pira no 69”.
Não tem jeito: se você não vai à putaria, a putaria vem até você, como diria a tia torta do doutor Freud.
Pois foi esse meu chapinha chapadão quem me mandou dia desses uns links pruns filmetes com moçoilas ostentando todo tipo de birutice tatuada na depilada região recreativo-reprodutiva delas. Na buceta raspada, pra ser um pouco mais explícito. Taí um nobre suporte pruma obra de artes plásticas, há que se reconhecer. Melhor que uma simples tela ou o teto em cúpula de uma igreja, apesar de bem mais perecível. Todos os desenhos, como é óbvio, jogam com as tradicionais particularidades anatômicas da dita região, de modo a que o portal refolhudo da vagina pareça a boca de alguma figura fantástica, quando não de um vaso de onde brotam flores multicoloridas ou, então, a porta aberta de uma gaiola por onde sai uma revoada de pássaros – ou de morcegos, como vi numa xota lá.
Um dos filmetes mais perturbadores mostra uma loira assaz apetecível abaixando calça e calcinha pra nos exibir seu púbis tatuado com a cara sacana de um gato parecidíssimo com o Fritz, the Cat, o felino junkie-priápico assinado e assassinado por Crumb quando o desenhista americano se encheu dele. Claro que a boca do gato é a racha da moçoila, ao repuxar a pele do púbis, o pussycat arreganha os dentes afiados
em sua gana de devorar o que lhe vier pela frente. Grande trabalho xanopictórico do tatuador. Em outro vídeo, mais uma loira-belzebu, essa meio bêbada, exibe sua vagina tatuada com um diabo chifrudo de boca vampiresca escancarada. O que dizer diante de uma tal figura? Vade retro, Satan?
Me pergunto que tipo de homem se compraz em meter a piroca na bocarra do gato Fritz ou de um demônio com caninos de vampiro. Até onde eu sei, a vagina dentata é uma fantasia mórbida que ronda a cabeça de neuróticos com fobia de castração. Há sempre uma alternativa ali pertinho para essas mentes torturadas, mas vai saber se elas não temem algo ainda pior na porta dos fundos – uma guilhotina, por exemplo. Falando nisso, alguns dos filmetes didáticos que meu amigo enviou tratam de tatuagem anal. Mas isso fica pruma outra oportunidade. Melhor não misturar as estações, apesar da proximidade entre elas no dial sexual.
Até aí nada de mais, não fosse a incrível coincidência de eu topar na Folha de S. Paulo por aqueles dias com uma longa matéria assinada pela jornalista Iara Bi derman sobre a nova moda em matéria de cirurgia plástica: a remodelação estética da perseguida levada a cabo por um “cosmetoginecologista” especializado em “design vaginal”. Trata-se, em suma, de cortar fora “excessos” dos lábios vaginais, internos e externos, ou da pele que recobre o clitóris, aquela espécie de prepúcio do grelo que nem todos os machos da espécie terão notado em suas incursões pelo território bucetal. Lábios internos, por exemplo, que ultrapassem 2 centímetros de largura ou que sobressaiam muito em relação aos externos estão
agora na mira dos designers vaginais. Nem quero saber qual a medida ideal para os lábios externos. Ou para o prepúcio do grelo. Quando topo com eles cara a cara a última coisa em que penso é em puxar uma fita métrica.
Um artista plástico inglês, Jamie McCartney, admirador da xota-como-ela-é, com ou sem tatuagens devoradoras de pirocas, e inimigo da vagina narcisista, resolveu protestar contra esse modismo sinistro e mutilador. O ativista ginecológico tirou moldes de gesso de 400 perseguidas, com os quais montou painéis que demonstram com triangular veemência a incrível diversidade anatômica do órgão sexual feminino, ora sob ataque “normalizador” de cirurgiões plásticos ávidos por esse novo nicho de mercado até então precariamente protegido pela calcinha e pela pentelheira da mulher.
Gozado que, olhando os diferentes modelos de vagina exibidos em alto-relevo nos painéis xotêmicos do arteiro McCartney, é possível que você, como eu, murmure consigo mesmo: “Cáspite! Acho que conheço
duas ou três dessas senhoras e senhoritas”. (Já um Mick Jagger diria: “Well, acho que só não conheço duas ou três delas”.)
Na vertente literária desse protesto, o escritor e sábio panfilosófico Xico Sá, que eu não me canso de admirar e citar a troco de tudo e qualquer coisa, rebateu em seu blog uma declaração que a modelo gaúcha Adressa Urach, recém-operada por um designer de xibio, deu naquela mesma matéria da Folha. Dizia a exuberante loira que “a vagina não é um órgão muito bonito. Dá pra ficar melhor”.
Xico cravou na lata: “Se a vagina – prefiro chamar por outro nome mais sonoro e nada científico – não é
bonita, o que seria obra-prima neste mundo? Não troco a da minha amada pela coleção completa dos quadros impressionistas”. E concluiu em grande estilo: “A mulher é o meu d’Orsay”, referindo-se ao museu
parisiense que abriga impressionistas e realistas.
A deliciosa reflexão anticosmetoginecológica do grande cronista cearense me levou a uma indagação crucial: será que uma xota redesenhada a bisturi é capaz de
turbinar a autoestima da mulher a ponto de lhe conferir mais e melhores orgasmos?
Pois nem isso, segundo uma pesquisa na área de etologia humana levada a cabo pela doutora Lenka
Novakova, da Universidade Karlova, de Praga. As mulheres que gozam com mais intensidade, segundo esse estudo, são as agraciadas com um olfato mais sensível aos feromônios masculinos – ou ao cheiro de macho, em português arcaico. Pouco importa o formato de suas vaginas. O buraco, no caso, é mais em cima – no nariz, precisamente. E são dois buraquinhos. Mesmo com esse sobrenome, Novakova, deduzo por conta própria que a pesquisadora tcheca também deve ser contra as mulheres serem induzidas a trocar sua antiga cova por uma nova cova desenhada a bisturi na cirurgia plástica, já que disso não depende a sua plenitude orgástica, que é o que conta em matéria de sexo.
Moral gratuita desta história: mais vale um nariz libidinoso que uma vagina narcisista.
Reinaldo Moraes é escritor. Autor de Pornopopéia e Tanto faz, entre outros livros. Este texto faz parte do livro Cheirinho do amor, que será lançado em novembro e reunirá suas crônicas publicadas mensalmente na revista Status.