O assédio e o sonho de andar tranquilamente na favela onde eu nasci

Há 15 meses eu não tenho mais medo de andar sozinha na rua de noite e ter que sair correndo porque um cara parou o carro para "mexer comigo". Ainda não podemos andar em paz nas ruas do Brasil. Mas um dia nós vamos poder, manas! Certeza!

por Nina Lemos em

“Aconteceu quando eu tinha 12 anos. Mas acontece sempre. Aconteceu semana passada”. Os relatos das meninas contando os primeiros assédios de que foram vítimas invadiram o Facebook e o Twitter e, olha, dá gosto de ler (pela coragem).

E não, eu não fico nem um pouco surpresa com o fato de todas nós termos passado por assédio na infância e/ou adolescência. Sempre soube porque sou mulher. Não, isso não é coisa que as meninas comentem muito. Mas sempre tem o “tarado” que mosta o pau, o cara que  passa a mão na nossa bunda ou nos nossos peitos. Sempre. Isso é “normal”. E na adolescência, quando a gente é “carne fresca”, acontece mais. Os homens, esses sim, estão surpresos. Que ótimo. Que fiquem e nos ajudem e aprendam.

Mas talvez o que mais me choque é ver que a gente cresceu e, mais de 30 anos depois, não, não a situação não mudou! A gente ainda tem medo de andar de noite sozinha nas grandes cidades do Brasil. Ainda entra assustada dentro de um bar para comprar cigarro porque bar, sabe como é, é lugar de homem. E pode rolar uma “piadinha”. Não é piada. É agressão.

Há 15 meses eu não tenho mais medo de andar na rua sozinha. E talvez essa tenha sido uma das razões pela minha paixão por Berlim. Lembro das minhas primeiras noites na cidade, noites em que saí de madrugada andando sozinha nas ruas abraçada ao computador sentindo uma liberdade incrível.

Naquelas primeiras vezes em Berlim, muitas vezes eu deixava de pegar metrô de noite para andar a pé porque “bem, quando eu voltar para São Paulo não vou poder fazer mais isso.” Andar era programa turístico. Tipo a moça que da Arábia Saudita que sai de férias para poder tirar a burca.

“Mas você pode andar sozinha na rua a noite em São Paulo se você quiser”, diz o idiota que não entendeu nada. Eu posso. Não tem lei que me proíba. Mas meus passos são acelerados, sempre acho que estou sendo perseguida e muitas vezes o fim da caminhada termina em corrida (mesmo, fuga!) quando a gente vê um carro freando no meio com um sujeito (ou mais de um) dentro colocando a cabeça do lado de fora para falar: “quer carona, moça, ta sozinha?”. Um cara parar o carro na rua para mexer com uma mulher acontece sempre. E é por isso que não passeamos tranquilas de noite, porque nosso passeio pode terminar em fuga. Será que agora o idiota entendeu?

Sim, em Berlim eu posso andar na rua sozinha, posso entrar em um bar, ninguém olha para bunda, ninguém chama de gostosa, ninguem buzina, ninguém. As alemãs têm cara de bravas e às vezes acho que elas estão certas. Nada como uma cara de “nem se atreva”.

O assédio que sofri em Berlim foi diferente, mas não menos violento, terrível e agressivo. Voltava com uma amiga sábado a noite de Kreuzberg (um bairro de balada,  de imigrantes e de tudo junto e misturado) e na estação de metrô dois adolescentes puxaram papo com a minha amiga. Como ela não respondeu, um deles cuspiu nela. Sim, cuspiu! Dessa vez nós fugimos tipo no Brasil. Saímos correndo e entramos dentro de um táxi.

No Brasil, alguns dos nossos queridos amigos homens nos colocam dentro do táxi e falam para o motorista: “leva essa moça com cuidado porque ela vale ouro”. São machistas os nossos amigos que fazem essa gentileza? Pois não, não acho. E no que depender de mim podem continuar a fazer. No Brasil a gente ainda precisa dessa “proteção masculina.” Infelizmente.

“Você é uma daquelas quarentonas gostosas, né? De longe já vi sua bunda.” Quem me disse isso foi um taxista no Rio de Janeiro. Mandei ele parar de falar assim comigo e inventei uma historia de que era casada e tinha dois filhos (de novo, me vi colocando um homem inventado na parada para me defender). Lembro que escrevi no twitter que estava sendo assediada em um táxi e que se eu não escrevesse em 15 minutos podiam chamar a policia. Cheguei na praia. Tive um ataque de choro e voltei pra casa tremendo. Eu passei os 20 minutos daquela corrida de táxi, que na verdade mais pareceu um sequestro, ouvindo o cara falar absurdos e achando que podia morrer. “Ah, mas você devia ter mandando ele parar e ter saído do carro”, diz, de novo, o idiota, como se isso fosse coisa tão simples quando se tem medo e o cara que te assedia está DIRIGINDO UM CARRO e pode te levar para onde bem quiser. Muitas vezes a gente é vítima e ainda é julgada porque não reagiu do “jeito certo.”Qual é o jeito certo?

As coisas vão mudar no Brasil? Pois eu acho que vão e nem vai demorar. Não vai ter Eduardo Cunha ou Bolsonaro para impedir o que as meninas estão fazendo ao se expor,  comprar briga, gritar e causar. Eu fugi. Fugi de fugir na rua. Mas estamos juntas, companheiras. E nós vamos ganhar!

 

 

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