O Amante Italiano

''Me dei uns 40 minutos caçando italianos no aplicativo. A maioria se chama Andrea, tem péssimo gosto pra roupa e bronzeamento artificial está em alta...''

por Gaía Passarelli em

Sozinha numa cidade estranha. Terceira noite de uma temporada de vinte dias na gringa, a trabalho. Sem sono e com pena de não ver Veneza de noite. Não queria andar sozinha por pontes e vielas entre casais com ar apaixonado. Depois de tomar esporro de uma amiga no WhatsApp (“porra gata, se mexe! abre o Tinder aí!") me dei uns 40 minutos caçando italianos no aplicativo. Constatações imediatas: a maioria se chama Andrea e tem péssimo gosto pra roupa, bronzeamento artificial tipo terracota está em alta no verão vienense.

Até que aparece um moço bonito de barba e camisa xadrez. Fotos de viagem (sem selfie) no Instagram. Minha idade. Taí, deu match. Marcamos numa piazza próxima. De cara, ele não pareceu muito impressionado pela minha presença magnética e nacionalidade cool, mas insisti. Descobri que trabalha com hotelaria, que viaja a trabalho o tempo todo, que nasceu em Veneza e voltou para cuidar do apartamento do avô, já falecido. Também descobri não bebe vinho, só cerveja. Desculpa para caminhar pelas tais pontes e vielas até um lugar de cervejas artesanais em outro bairro, com mais venezianos que turistas. Fui e passei as próximas duas horas puxando assunto. Não gosta de tv. Nunca assistiu seriado. Cinema, só europeu. Música, só cult. Uma hora bateu vontade de ir embora e ele gentilmente me acompanhou até minha casa temporária, se despediu com um beijo em cada bochecha e agradeceu pela companhia.

Nem ia falar nada, mas acordei com uma mensagem de bom dia na manhã seguinte. Achei gentil. Convidou para um drink no terraço do hotel onde trabalha, mais pro fim da tarde. Achei seguro. Acabei convencida (sem grande dificuldade) a ir até o apartamento ver umas fotos que ele fez numa viagem pra Índia. Ele aproveitou para trocar o terno por uma jaqueta de couro velha. Se ofereceu para mostrar mais da cidade. Achei sexy. Aí coloquei meus óculos escuros novos e ele identificou como os mesmos usados pela personagem de um dos meus filmes preferidos. Apaixonei.

O programa acabou virando jantar e conversas sobre relacionamentos passados, em outro lugar com mais venezianos que turistas. Contei que tinha acabado de passar por uma separação difícil sobre a qual não queria falar e confessei que era meu primeiro Tinder date na vida. Também quis saber por que um cara gato, inteligente, bem vestido e interessante estava solteiro. Ele tentou explicar que todos os amigos estavam casados e com filhos e que tinha acabado de terminar com uma moça ucraniana justamente porque não conseguiam se ver nunca.

Mais umas taças de vinho (e copos de cerveja pra ele) e estávamos na cozinha do tal apartamento de cento e cinquenta anos, de onde só saí às nove da manhã, toda amassada e com mau-hálito, em tempo de buscar minha mala e pegar o trem para outra cidade.

Poderia ter acabado aí. Mas dois dias depois ele alugou um carro para me encontrar e passamos um dia como adolescentes, comendo, bebendo, conversando e transando em Florença. Em duas semanas me vi mudando planos e voltando pra Veneza para passar mais três dias andando pelas tais pontes e vielas escuras, dessa vez com ar apaixonado, de mãos dadas com um cara que sabe ler as placas de mármore em latim na frente das igrejas. Um cara que parece incrível, mas cuja personalidade é difícil de ler. Tímido demais? Sério demais? Psicopata? Não ia dar tempo de saber.

Embarquei no trem para Milão no dia e hora combinados. Feliz por tomar minhas próprias decisões, por sentir o coração batendo forte, por ter história para contar. Tão feliz que na volta para São Paulo fiz uma coisa que nunca tinha feito antes: dormi as nove horas de voo direto. 

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