“Sou leitora assídua da Tpm porque nunca encontrei uma matéria que me causasse aquela sensação de mal-estar por ser como sou. Por isso, resolvi sugerir uma matéria. Hoje, fotografei com um artista chamado Matt Blum, que está em São Paulo fotografando para o The Nu Project. Nesse projeto, ele busca a essência das pessoas e não só a beleza exterior, que estamos cansadas de encontrar em todo lugar. Ele me deixou super à vontade, a ponto de me esquecer que estava sem roupa. A sensação agora é que renovei minhas forças para uma vida inteira.”
A paulistana Michele Lerner escreveu esse e-mail para a Tpm tão logo fechou a porta de casa ao se despedir do fotógrafo Matt Blum, em fevereiro passado. Por uma tarde, ele a retratou, na presença do marido, nua – sem maquiagem, produção nem camuflagens. Assim como Michele, mais 11 brasileiras foram clicadas para o The Nu Project, projeto que o norte-americano iniciou há cinco anos, em Minneapolis, onde mora, para depois levá-lo para outras cidades do mundo. Por enquanto, fotografou cem mulheres, entre norte-americanas e francesas. Com a vinda ao Brasil, para um casamento no interior de São Paulo, Matt anunciou em sites que procurava protagonistas para o seu primeiro ensaio no país. Em 15 horas, recebeu mais de 500 solicitações. Entre as escolhidas, Juliana, Michele, Thaisa, Luana e Ariane.
Brasil, mostra sua cara
Agora, o que leva uma mulher comum a aceitar ser retratada nua por um fotógrafo nunca antes visto? Joana Vilhena de Novaes, autora de O Intolerável Peso da Feiura e coordenadora do Núcleo de Doenças da Beleza da PUC-Rio, acredita que, embora o The Nu Project não tenha sido pensado especificamente para cada uma dessas mulheres, elas ganham uma exposição e uma repercussão que as fazem se diferenciar das demais. “Isso hoje tem um valor absoluto porque vivemos numa sociedade do espetáculo. Um corpo que não tem visibilidade é um corpo que não existe. Expondo-se, você confere a ele uma existência que, sendo gorda ou magra, é distinta”, explica Joana. “Por isso choveu gente querendo expor esse corpo. Numa cultura de massa, quem não quer algo que seja único?”
Esse talvez seja um dos motivos pelos quais projetos fotográficos como o de Matt ganham tanta repercussão na mídia. Ele não é o primeiro que vem ao Brasil atrás desse tipo de trabalho. O norte-americano Terry Richardson e o peruano Mario Testino, renomados mundialmente, já retrataram um Brasil “nu” por meio de suas lentes. O primeiro, autor do Calendário Pirelli 2010, que, por acaso, foi produzido no país, lançou, em 2007, Rio Cidade Maravilhosa, em que, entre figuras anônimas, registrou Luiza e Yasmin Brunet nuas. O segundo, figura importante no mundo da moda, dois anos depois publicou MaRio de Janeiro Testino, com imagens das atrizes Fernanda Lima e Alinne Moraes seminuas.
O projeto de Matt Blum foca mulheres comuns, longe de ser – ou de seguir – um padrão de beleza cultuado pela sociedade. “O interessante do trabalho dele é que cabe todo tipo de mulher: a magra demais, a gorda demais, a que tem marcas”, comenta Juliana Bertechini, uma das personagens brasileiras. Matt, de 28 anos, iniciou o projeto sem pretensões, fotografando pessoas comuns sem experiência na frente da câmera. “Procuro capturar detalhes de humanidade pura e não distorcida. Não há produção e, muito menos, falsa sexualidade”, explica.
Mas por que o Brasil? “Pensei que seria interessante tirar fotos de pessoas normais, já que todos vão ao país para fotografar modelos e praias do Rio de Janeiro”, esclarece. No ponto de vista de Joana Vilhena de Novaes, é interessante ver um Brasil fotografado “gordo”. “Sendo o país um cartão-postal de corpos sarados, esse projeto cumpre um papel social importante”, acredita. E, considerando que o autor vem da cultura norte-americana, em que Hollywood desacostuma nosso olhar aos feios, aos imperfeitos e aos velhos, só mostrando pessoas lindas, magras e jovens, Matt vai na contramão ao fotografar imperfeições. “É importante as pessoas darem uma arejada no discurso que segue no sentido de criminalizar a gordura”, conclui.
Juliana Bertechini, 32 anos, professora e tradutora
O maior desafio para esta paulistana que fala com as mãos e de sorrisão aberto foi, durante o ensaio, conter o riso. “Nunca fui retratada sem sorrir, sou expansiva. Mas descobri, vendo as fotos, que posso fazer um olhar, uma expressão que não conhecia. Me emocionei com o resultado”, conta Juliana, que segue blogs de fotografia e conhecia o trabalho de Matt Blum desde 2007. Vontade de posar para um ensaio de nu artístico ela já tinha, mas nunca pensou que pudesse fazê-lo por achar esse tipo de trabalho incomum no Brasil. “Aqui se leva muito para o erótico, queria um trabalho em que estivesse nua de alma”, conclui.
Você é feliz com o seu corpo? Nenhuma mulher é 100% feliz com seu corpo, sempre tive uma encrenca com a minha barriga. Mas não deixo de comer uma lasanha nem digo não para a cervejinha de sexta-feira. Adoraria poder colocar um vestido mais justo, mas não sou infeliz por isso. As pessoas levam a perfeição muito a sério.
Michele Lerner, 24 anos, artista plástica
