Não sou loser, baby
Nina Lemos fala sobre os clichês da idade e a diferença entre homens e mulheres
Eu tenho 39 anos e não estou casada. Não tive filhos e isso não está nos meus planos urgentes. O sonho da casa própria ainda espera (até quando?). E, não, eu não tenho carro, porque eu não sei dirigir. Se você pensa que eu sou uma ótima cozinheira e ofereço jantares finos para os amigos, esqueça. Eu não sei nem fazer arroz.
Essa sou eu, Nina Lemos, 39 anos, uma loser, prazer.
Se eu fosse homem, eu não teria que explicar nada. Nem escrever este texto. Eu estaria apenas aproveitando a vida. Seria um cara foda. O único problema seria eu não ter carro, claro.
Como eu sou mulher, posso fazer uma lista para provar para vocês que eu não sou uma loser. Será que isso é necessário?
Na dúvida... Tenho bom coração e sou cercada de amigos que me amam. Tenho 20 anos de análise e adoro criança. Já me apaixonei por homens que também se apaixonaram por mim e sou amiga de boa parte dos meus ex-namorados. Ainda vou me apaixonar outras vezes, claro. E, se você tem 27 anos e acha que ter quase 40 é fazer parte de uma outra dimensão, eu aviso. Não é. A gente é a mesma pessoa. Só que menos neurótica (se você fizer esforço para isso, claro).
E profissionalmente, no mundo atual, não existe estabilidade, o que é ótimo. OK, eu poderia ser funcionária de uma estatal, mas morreria de tédio. No meu caso, trabalho em casa, tenho liberdade para escrever sobre coisas de que gosto. Algumas pessoas dizem que o que eu escrevo as ajuda. E, ah, eu lancei sete livros e um romance, que eu escrevi sozinha! Não estou rica. Mas esse nunca foi meu objetivo. Não preciso de muito dinheiro, graças a Deus. E agradeço por isso todos os dias. Pago as minhas contas escrevendo. Nunca achei que isso fosse possível, nem nos meus mais ambiciosos sonhos adolescentes.
Satisfeita? Se eu estivesse casada e tivesse três filhos, e ainda soubesse cozinhar e dirigisse uma picape para pegar as crianças na escola, talvez eu não precisasse contar tudo isso. Eu seria inserida na sociedade com destaque automaticamente, com direito a alguns pontos de milhagem.
Sim, eu já me senti freak muitas vezes. Principalmente no Natal, quando todos têm filhos e maridos e eu não. Mas depois de algumas viagens para Berlim (onde as pessoas de 40 anos podem ser alternativas sem serem consideradas loucas) e os tais anos de análise passei a achar que tudo bem.
Na verdade, passei a achar que tudo ótimo. Eu sou uma pessoa legal e contente com a minha vida (nem sempre, claro!). Quase todos os meus amigos são meio parecidos comigo. No sentido de estarem ligados no que está acontecendo. A Costanza Pascolato, que tem 70, me disse outro dia que largou as filhas indo a museus em uma viagem a Londres e foi com o neto para o rock. Ela ganhou dele um anel de caveira e não o tira por nada. Vocês acham que a Costanza é louca?
Algumas pessoas da minha família já devem ter achado que eu era. E por isso arrumaram uma maneira de me rotular. Elas acham que eu sou artista. Eu não contrario. Se é mais fácil para elas pensar assim, tudo bem.
Mas e se eu não escrevesse livros, não aparecesse de vez em quando na televisão nem mostrasse minha cara aqui na Tpm? Aí eles iam achar que eu era o quê? Só “artista” pode ter 39 anos e não ser casada nem ter filhos?
Não era para ser assim, mas é. Tenho muitas amigas da minha idade solteiras e sem filhos. E também tenho amigas casadas e com filhos. Todas ficam insatisfeitas às vezes porque a vida não é fácil. E aquelas que pararam de trabalhar para cuidar dos filhos se acham losers e às vezes até inventamos um campeonato.
– Eu vou fazer 40 anos, não tenho filhos e tô solteira!
– E eu que fiz mestrado e hoje sou só uma mãe? Se eu não arrumar um emprego de novo antes de fazer 40 vou me matar.
Brincadeira macabra essa, não?
Mas não, nada disso. Nós não somos losers, baby. Nós somos incríveis (na maioria das vezes).
PS.: Nina Lemos está solteira, mas pode estar casada quando você estiver lendo este texto.