Minha mãe e eu
O diretor editorial Fernando Luna descreve sua relação com a mãe
Minha mãe sempre telefona quando estou ocupado. Claro que o problema não é ela telefonar, e sim eu estar ocupado – se bem que isso nem sempre fica claro. Ela adora Carnaval e não gosta de beber. Nem precisa: já nasceu naquele estado de leveza que o resto da humanidade demora uma ou duas doses para alcançar. Minha mãe toca pandeiro toda semana num bar carioca, fiquei orgulhoso quando fui lá ver. Tanto que adorei quando ela convidou o Preto, o Dimi e seus amigos das rodas de samba para dar uma canja no meu casamento. Toca tamborim no Monobloco. Arranha violão em casa. Dança muito bem, mostra no pé. Gosta de cantar “Maracangalha”, do Caymmi.
Minha mãe adora vermelho: roupa vermelha, carro vermelho, esmalte vermelho, batom vermelho, relógio vermelho. Desistiu do cabelo vermelho. Minha mãe me deu três cobertores quando me mudei do Rio para São Paulo. Três! Quando fui morar em Londres, não se preocupou com o frio. Frio é coisa de país em desenvolvimento. Ela sempre me liga preocupada quando descobre pelo Jornal Nacional que choveu muito em São Paulo. Minha mãe tem o melhor senso de humor que conheço. Infelizmente, não é hereditário. Mas o formato dos olhos é. Ela adora ler, peguei vários livros da estante dela (Christiane F. li escondido).
Minha mãe dirige bem. Uma das minhas memórias mais antigas é dela dirigindo o Fusca verde. Acho que foi meu pai que escolheu a cor, ou não existia Fusca vermelho? Casou, separou, casou de novo, separou de novo, namorou, namora. Minha mãe é destemida: teve o primeiro filho nos Estados Unidos, longe dos pais. Gostou e teve outros três filhos, no Brasil. Virou avó, ganhou o segundo neto e agora tem outra neta a caminho. É uma avó tão querida como foi a mãe dela. Minha mãe lembra meus irmãos do meu aniversário, assim ninguém deixa de me ligar. Mas ela sempre telefona antes de todo mundo e, em vez de “alô”, canta logo “parabéns pra você”.
Minha mãe tem uma caricatura, feita ali pelo fim dos anos 60, em que ela passa de minissaia diante do Pão de Açúcar, e o morro com cara de malandro faz “fiufiu” pra ela. Continua bonitona. É nutricionista e não desiste de me lembrar que “nozes têm ômega-3, pode comer todo dia”. Adora viajar, descobre as promoções de passagens aéreas mais inacreditáveis da internet. Sempre volta com algum presente. Em geral, alguma coisa que fica grande demais em mim (na cabeça dela, sou bem maior e mais forte). Ou então uma peça de artesanato. Uma vez, foi me visitar e esqueci de tirar do fundo da gaveta uma casinha de madeira que ela havia trazido para mim de algum rincão remoto. Ela deu risada e, dali em diante, fez do chocolate seu souvenir infalível – não disse que ela tem senso de humor? Minha mãe de vez em quando comenta, assim como quem não quer nada, que não assino meu sobrenome do meio (o dela). Tem cabimento? Ainda mais numa edição especial de mães.
Fernando Abrantes Luna