Mentir pra si mesmo é sempre a pior mentira
Vender perfeição é fácil, qualquer um pode fazê-lo. Mas para quê?
“Procurando bem todo mundo tem pereba, marca de bexiga ou vacina... Só a bailarina que não tem.” Se a música do Chico Buarque fosse feita hoje, poderíamos substituir a bailarina pela blogueira de moda ou por aquela mãe de três filhos que vende, na internet, uma vida perfeita.
Tudo ali é lindo, loiro, a família é unida e sem problemas. Ela não acorda tarde. Come muito e não engorda. “Medo de subir, gente, medo de cair, gente, medo de vertigem quem não tem?” Sempre me apeguei a essa frase, já que tenho muito, muito medo de vertigem. E era nesse medo que pensava quando estava prestes a entrar em um avião (medo de viajar sozinha quem não tem?) e sair de férias. Até que fui abordada por uma leitora da Tpm e logo ficamos amigas. Na hora da entrada, ela me perguntou: “Você vai viajar de primeira classe?”. “Eu, Nina, primeira classe?” Palavras que não batiam. “Sei lá, você é uma jornalista famosa.” Crise. “Eu, Nina, jornalista famosa?” Que imagem era essa? Onde eu errei?
Eu parecia uma solteira que corria o mundo entre salas VIPs e roupas de grife? A minha vida parecia glamorosa? O que eu fiz? Seria eu a blogueira de moda em versão punk? “Você não vai postar foto desse lugar maravilhoso?”, pergunta meu amigo em Viena. Respondo: “Melhor não”. E penso: “O que as pessoas vão pensar? Que a minha vida é maravilhosa enquanto elas estão fodidas?”. Elas não saberiam que na mesma viagem eu tive dois ataques de pânico, algumas brigas com o amigo, levei fora de um cara e muitas vezes acordei com o peito apertado.
Vender perfeição é fácil. E qualquer um de nós pode fazer isso se quiser. Para que eu faria isso? Para mentir para mim. Mas aí é só lembrar do Renato Russo, ídolo máximo da minha adolescência. “Mentir pra si mesmo é sempre a pior mentira.” Você mente para si mesmo cada vez que tem o peito apertado e escreve no Facebook que a sua vida está ótima. Cada vez que tem vontade de chorar sozinha na praia e posta uma foto no sol. Mas quem eu ia convencer? Eu mesma? Impossível. A dor continuaria lá.
Um aviso: se você vir uma foto e achar que a minha vida é maravilhosa, não, ela não é. Eu estou rindo, mas talvez esteja meio nervosa. Sou humana. Fazer o quê?
*Nina Lemos, 42 anos, Carioca exilada em São Paulo, é repórter especial da Tpm e não consegue ser alegre o tempo inteiro.