Mães Possíveis
Elas são mulheres, empreendedoras, múltiplas. Com desafios diferentes, criam seus filhos enquanto trabalham para desconstruir mitos e lutar pelo mundo que acreditam
"Existe uma solidão em todas as maternidades", diz a publicitária e educadora Deh Bastos. A frase resume um sentimento que atinge muitas mulheres, mas ainda é tratado como tabu. Sejam elas mães solo ou como a própria Deh, que podem contar com parceiros ou parceiras presentes, elas lidam com raízes internas que, muito anteriores ao nascimento de seus filhos, fazem parte da constituição feminina há gerações. "Tenho uma rede de apoio maravilhosa para me ajudar com meu filho. Mesmo assim, eu me sinto a única responsável pelo bem-estar dele e lido com isso todo dia. Ainda existe uma crença muito forte nesse modelo de mãe funcional, que responde em primeiro lugar pelos filhos, que dá conta de tudo", conta ela, mãe de José, de 2 anos e meio.
“Existe uma solidão em todas as maternidades”
Deh Bastos, publicitária e educadora
A escritora mineira Cris Guerra encarou essa solidão do jeito mais literal possível: no sétimo mês de gravidez do Francisco, hoje com 13 anos, seu parceiro, o pai, morreu. "Eu e o Gui éramos muito apaixonados, curtimos demais os seis primeiros meses da gravidez, eu estava muito feliz. Ele então teve uma parada cardíaca e morreu. Assim, de repente", conta. "A morte dele abriu um buraco enorme, eu quis morrer também. Mas aí tinha o Francisco e a alegria pela chegada dele. Foi tudo muito intenso. E ser mãe solo é muito difícil, principalmente quando você não escolhe."
Hoje aos 50 anos, Cris, que também é palestrante e influenciadora digital, olha com as distâncias – física e emocional – necessárias para dar conta dessa realidade tão dura. "A gente dá um jeito em tudo, minha vida acabou virando outra coisa, o Francisco é um menino maravilhoso, mas até hoje acho que o filho é uma alegria tão gigantesca que não é para uma pessoa só, sabe? É muito grande, muito bonito. É uma covardia o Gui não poder estar aqui para viver isso também."
Para Deh, com 36 anos, um dos grandes desafios da maternidade mora em outro recorte: o racial. Daí nasceu outro projeto da publicitária e educadora, o Criando Crianças Pretas. "Na época em que o José nasceu, tive meu letramento racial. Me descobri uma mulher negra tardiamente. Eu sabia que eu tinha uma pele negra, mas não sabia o que isso significava politicamente. E, quando veio meu filho, quis deixar um legado para ele, não queria que ele demorasse tanto tempo da vida dele pra lidar com essas questões", conta. "Claro, ninguém precisa ensinar uma mãe negra a criar um filho preto. Não é disso que se trata o Criando Crianças Pretas. É sobre consciência de raça, sobre uma criação antirracista."
Jogando os pratos para cima
Cris e Deh concordam: equilibrar todas as coisas da vida é uma tarefa complexa. Aliás, Deh nem sequer gosta da palavra equilíbrio. "Não é uma coisa positiva, é mais uma coisa que esperam da gente. Pior: colocam o equilíbrio como algo que nos falta. É um stress constante segurar todos os pratinhos", diz.
Essa cobrança, reforçada hoje pela cultura do cancelamento das redes sociais, ganha tonalidades subjetivas, já que, no fim das contas, as pessoas que mais exigem uma postura-mais-que-perfeita das mães são justamente as que estão mais afastadas da realidade delas. "Estamos numa época de muita intolerância. Ou você é a fada sensata ou é cancelada. E para quê? Para atender demanda de quem? Não faz sentido", pontua Deh. "Tenho feito esse exercício diariamente de acolher a dor e entender que toda dor é legítima. Não vou fingir que está tudo bem, que sou evoluidona, eu não sou. Preciso assumir minhas vulnerabilidades, ter direito às minhas dores."
Sem dúvida, conseguir dizer ao mundo "deixem-me em paz, não estou bem, não estou equilibrada" ainda é um obstáculo a ser vencido para muitas mulheres, mas lidar com as próprias fraquezas é um passo fundamental para poder apresentá-las, sem medo e sem vergonha, para os outros. "Acho que somos fortes justamente quando admitimos nossas fraquezas. A gente tem que fazer as pazes com a imperfeição", diz Cris. "Se tem algo valioso que posso mostrar para o meu filho é minha humanidade, onde falho, onde não dou conta, onde choro. Ele convive com minha fragilidade, não com a Mulher-Maravilha. Minha mãe parecia perfeita, mas não era, morreu de câncer aos 55 anos, abriu mão de muita coisa."
A culpa não serve para nada
Na esteira da demanda pelo equilíbrio, vem a velha companheira de toda mãe: a culpa. Seja pelas expectativas dos outros, dos filhos ou das suas próprias, no que diz respeito à maternidade, não faltam dilemas sobre as escolhas que a mulher faz. "A culpa materna vem muito de um lugar de perfeccionismo, de uma mãe idealizada que não consigo ser, ninguém consegue", diz Deh. "Claro, tem horas que a culpa também me atravessa, principalmente nas demandas profissionais. É um processo diário de desconstrução. Mas às vezes também é só senti-la e deixá-la ir."
Ou, nas palavras de Cris, "a culpa toma um café aqui em casa, mas não tem quarto de hóspedes para ela." Esse é um tema recorrente nos textos e nas palestras da escritora, que busca abordar a culpa em todas as suas muitas camadas. Ela conta que, depois do nascimento do Francisco, precisou voltar a trabalhar em 40 dias. "Eu era diretora de criação de uma agência de publicidade e meu chefe me disse: 'acho melhor você voltar antes que alguém pegue seu lugar'. Foi terrível, em pouco tempo meu leite secou. O Francisco parou de mamar com três meses", ela diz. "A gente tem um monte de expectativa sobre a criação dos filhos, vai nascer de parto natural, numa banheira cantando. Não vai comer isso, não vai ver aquilo. A realidade vem de um jeito totalmente diferente. E aceitar isso liberta a gente."
“A gente tem que ser pai e mãe. É cansativo, temos que sustentar essa posição o tempo todo, o filho vê a mãe inteira”
Cris Guerra, escritora
Para além das expectativas sociais, na relação direta com os filhos, a culpa pode se tornar uma armadilha difícil de escapar. "A própria criança aprende a jogar com essa culpa. Vira um instrumento na mão dela", diz Cris, lembrando ainda que, no caso das mães solo, essa carga vem ainda mais intensa, já que elas não têm com quem dividir, na mesma medida, as decisões, os momentos difíceis, as broncas. "A gente tem que ser pai e mãe. É cansativo, temos que sustentar essa posição o tempo todo, o filho vê a mãe inteira."
Em suas elaborações diárias sobre maternidade, a escritora mineira procurou dar novas dimensões a esse sentimento tão presente e invasivo. "Hoje, olho a culpa como uma situação que já aconteceu, sobre a qual não podemos fazer mais nada. Para mim, ela remete ao passado. Então acho que a gente tem que trocar a culpa pela palavra responsabilidade. O que precisamos fazer? O que conseguimos fazer? A gente dá o nosso melhor. Porque, no fim, a culpa não passa de um instrumento de autoflagelação que vai deteriorar sua relação com seu filho. A culpa não serve para nada."
Poder viver na própria pele
Uma mulher não vive só dos filhos ou da sobrevivência funcional – que ganhou novas cargas durante a pandemia. O que mantém uma mulher viva são seus projetos, suas paixões, sua alma criativa. É da ordem da nossa identidade – sem isso, nos esvaziamos, viramos sombras de nós mesmas, à mercê das demandas alheias. No entanto, como achar energia para alimentar nossas paixões? Como achar esse espaço físico e emocional?
Talvez seja uma missão para a vida toda. Cris, que reinventou o que conhecia por vida após a morte do parceiro, transforma tudo que acontece com ela em material criativo. "Logo que o Francisco nasceu, senti necessidade de seguir minha vida e, ao mesmo tempo, elaborar aquela multiplicidade de emoções. O luto de um lado, a alegria do nascimento do meu filho do outro. Eu era a mulher mais triste e a mãe mais feliz." Daí nasceram, naquele ano, 2007, dois projetos fundamentais: o blog (que mais tarde virou livro) "Para Francisco", no qual Cris conta ao filho, em cartas, quem é seu pai; e o Hoje Vou Assim, em que a autora mineira passou a explorar outra paixão, a moda.
Deh também tirou da própria vivência o insumo para seus projetos. À frente do Criando Crianças Pretas, ela luta na linha de frente por uma sociedade não apenas livre do racismo, mas antirracista, que combata o preconceito ativamente. A causa nasceu do desejo de, como ela diz, "que as crianças pretas possam sonhar, possam ter paz, porque hoje nem direito a essas coisas elas têm", e transcende a maternagem, já que num país com um racismo tão enraizado e velado como o Brasil o trabalho é dobrado. "É curioso porque o termo 'racismo estrutural' esteve entre os mais procurados em 2020 na internet, mas a gente ainda vive esse racismo muito à brasileira. Somos uma sociedade racista em que ninguém se admite racista. E as famílias de crianças brancas precisam de educação antirracista."
Claro, o dia a dia de quem faz escolhas – em vez de se submeter às vontades dos outros – também acontece, muitas vezes, aos trancos e barrancos. "É um exercício diário olhar para o meu projeto, avaliar meu propósito, entender o sentido de tudo isso. Até mesmo a escolha pela desconstrução é extremamente dolorosa. Quando a gente decide ser uma mulher que vive fora desse padrão social tem um caminho difícil pela frente", diz Deh. "Muitas vezes a gente tem que conviver com o que não concorda, e é importante flexibilizar isso, porque ir para um extremo pode ser muito violento com nós mesmas. Então, a gente faz escolhas possíveis."
Aos 50, Cris se vê às voltas com diferentes preocupações e desafios. Mas, em vez de tentar prever o futuro – se terá condições físicas para seguir cuidando de Francisco e trabalhando, por exemplo –, ela prefere se render à força do imponderável. "Um aprendizado muito valioso que a morte do Gui me trouxe foi essa coisa do controle. A gente não controla nada na vida. Só podemos controlar a maneira como vamos lidar com a realidade que se apresenta. Aprendi cedo essa coisa da entrega."
Ainda que a maternidade seja um tema central na vida das duas mulheres, elas sabem que suas identidades não se definem por elas. "O Francisco, aos 13, entrou na adolescência. Eu, aos 50, entrei na menopausa. É uma nova fase para nós dois", diz Cris. "E meu aprendizado, neste momento, é parir a mim mesma de novo. Olhar para mim, para os meus projetos. Não dá para pensar só no futuro dos filhos, temos que pensar no nosso também."
Candice Renoir: Uma mulher como todas nós
Um dia, Candice Renoir se vê numa vida que não seguiu o script planejado: recém-separada, com quatro filhos e desempregada, longe do mercado de trabalho há 10 anos.
A série francesa, que chega ao Brasil pelo AXN, narra a trajetória dessa policial, que decide voltar para a Brigada Criminal da comunidade litorânea de Sète, no sul da França. No entanto, por mais que esteja disposta a retomar a vida profissional, Candice tem que se adaptar a uma realidade que não conhece mais e lidar com colegas incrédulos. Mas a detetive mostra que seu talento, sua experiência e sua inteligência estão acima de qualquer preconceito.
Personificação de tantas mães que enfrentam desafios diários, a matriarca francesa recomeça sua história.
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