Made in Brazil sim, senhor
Chegará o dia em que não vamos precisar ser indicados ao Oscar para prestigiar um filme
Acabo de saber que o documentário Lixo Extraordinário foi indicado* ao Oscar de 2011. Que maravilha. Assisti a essa obra numa plateia de convidados no Angelika Theatre, cinema do circuito alternativo de Manhattan, em novembro passado. Tive ainda o privilégio de ter o fotógrafo Vik Muniz, o protagonista, sentado ao meu lado nos últimos 20 minutos do filme, narrando no meu ouvido o momento de que ele mais gosta. Lixo Extraordinário trata de um trabalho – extraordinário – que o artista fez com alguns catadores de lixo do Jardim Gramacho, na Baixada Fluminense. Este é o maior depósito de lixo do mundo em termos de volume.
Vik fotografou esses catadores e fez com que eles participassem, em seu estúdio, da montagem de painéis gigantes: eles revestiram suas próprias fotos com o lixo reciclável, o mesmo que eles catam todos os dias. Vik transformou algo extremamente indesejável – o lixo – em algo extremamente desejável: a arte. Além disso, devolveu a dignidade a pessoas invisíveis como o lixo que elas trabalham. O momento do documentário de que ele mais gosta? Eu conto: quando ele vai aos casebres desses trabalhadores e coloca a obra na parede de cada um. Pode começar a chorar.
O fato de um documentário brasileiro rodado no lixão ter chegado ao Oscar é um ganho imenso para o país. Mas, como disse o ator José Wilker num debate na TV, melhor do que o Oscar é ter os brasileiros indo ao cinema para ver produções brasileiras; isso sim é bom. Os brasileiros, e agora digo enxergando o Brasil de fora, têm um complexo de inferioridade tamanho, que as brasileiras se aglomeram na pior rua de Manhattan, a Canal Street, para comprar bolsas Chanel falsificadas por chineses.
Enquanto isso, nosso país produz as bolsas mais lindas do mundo, com flores, fuxico, artesanato. Aonde vou com as minhas bolsas coloridas e bem-acabadas made in Brazil, sou parada na rua em Manhattan. Está na hora de o Brasil valorizar o que tem. Chegará o dia em que não vamos precisar ser indicados ao Oscar para levantarmos do sofá e prestigiarmos um filme sobre a realidade do jardim de casa. O Jardim Gramacho.
*Até o fechamento da Tpm#107, o Oscar ainda não tinha acontecido.
Tania Menai é jornalista, mora em Manhattan há 15 anos e é autora do livro Nova York do Oiapoque ao Chuí, do blog Só em Nova York e também do site www.taniamenai.com