Lua adversa
Enquanto o corpo masculino continua um mecanismo silencioso, o feminino permanece um objeto estranho para ambos os sexos
As revistas femininas bem que tentam criar um armistício entre as mulheres e a menstruação: técnicas de relaxamento e exercícios para driblar a tensão. Tudo ajuda, mas chama a atenção o fato de que quando escrevemos de mulher para mulher ficamos falando obsessivamente do nosso corpo, esse relógio cuco, cuja rotina nos expõe sistematicamente. O corpo masculino é um mecanismo silencioso. Até o primeiro exame de próstata ou a ameaça de infarto, eles ignoram que pode dar trabalho. Ficam falando a respeito do corpo delas, mas elas também falam e escrevem sobre o próprio corpo! O corpo feminino é um objeto estranho para ambos os sexos.
Duvido que esse estranhamento com a própria carne seja meramente físico. A testosterona se manifesta ruidosamente nos homens, que ficam cheios de pêlos e cheiros e não fazem outra coisa do que se orgulhar disso. Quanto a nós, tudo parece ser um demérito. Basta o menor furinho de celulite na coxa para que qualquer mulher vire, aos seus olhos, carta fora do baralho.
O mal-estar com a tirania dos hormônios não é novo. Em 1948, Simone de Beauvoir escreveu em O Segundo Sexo: “É nesse período que ela sente mais penosamente seu corpo como uma coisa opaca e alienada; esse corpo é presa de uma vida obstinada e alheia que cada mês faz e desfaz dentro dele um berço; a mulher, como o homem, é seu corpo, mas seu corpo não é ela, é outra coisa”.
Monstros que saem do armário
De lá para cá temos mais recursos, remédios, homeopatias, as dificuldades práticas da menstruação diminuíram. Mas aumentaram em importância questões como nosso ciclo de fertilidade: postergamos o problema, até que, chegada a hora em que queremos ser mães, esbarramos em dificuldades. É preferível decidir sem pressa, pois, por mais que muitos homens troquem fraldas e acordem à noite, sabemos que é o nosso corpo que se responsabiliza pela empreitada e que nossa alma fica cativa da cria. Atualmente o prazo nos atazana, como em outras épocas o faziam as gestações múltiplas e indesejadas.
Nosso corpo ainda nos assombra, nos assusta. Quando eu era pequena, meus monstros moravam embaixo da cama, nos cantos escuros da casa, o que não era tão ruim assim. Depois, eles se tornaram olhos impiedosos, vozes internas. Baranga, velha, gorda, eles gritam! Sai, encosto!