Lily Marinho
Todo mundo sabe que ela é a viúva de Roberto Marinho, mas poucos conhecem sua irreverência
Lily já foi Lily de Carvalho. E hoje é conhecida como Lily Marinho, a dona Lily. Na verdade, ela é Lily Monique Lemb. Nascida na Alemanha, filha de pai inglês e de mãe francesa, ela foi criada e educada em Paris. Foi lá que conquistou o título de Miss Paris, o primeiro deles, num cinema dos Champs-Elysées, em 1938. Além dos aplausos de uma plateia sisuda, ela ganhou o coração de um dos maiores playboys cariocas da época, Horácio de Carvalho. Para casar com ele, ela deixou Paris aos 17 anos e enfrentou 14 dias num navio até aportar no Rio de Janeiro, cidade pela qual se apaixonou de cara. “Essa coisa de casamento arranjado não entra na minha cabeça. Jamais teria casado por decisão do meu pai”, conta ela, embalada por um comentário sobre Caminho das Índias, a que ela assiste e gosta.
Por 45 anos, Lily viveu um casamento cheio de emoções – a mais dolorida delas, a perda do único filho num acidente de carro –, ciúmes e glamour ao lado de Horácio. Dele conseguiu esconder, por cinco anos, o câncer que o matou. E com ele conviveu com todo tipo de gente poderosa, de João Goulart a Juscelino Kubitschek. Viúva, depois de um período de reclusão, se divertiu ao redor do mundo, fazendo coisas como tomar chá com o príncipe Philip no palácio de Buckingham, na Inglaterra. Ficou amiga do marido de Elizabeth 2ª depois de conhecê-lo num jantar em Genebra, na Suíça. “O príncipe é muito melhor quando está sozinho. Se a rainha está junto, ele fica muito sério”, garante.
Vodca e mentirinha
Em 1989 uma paixão arrebatadora a juntou a Roberto Marinho, que terminou seu segundo casamento para ficar com Lily. Ao seu lado, ele passou os 14 últimos anos de vida. Esse tempo está relatado em Roberto & Lily, que ela publicou pela Record em 2004, um ano depois da morte do marido. Aos 83 anos, Lily rodou mais de 50 cidades brasileiras para lançá-lo. Em quase 200 páginas, relata detalhadamente episódios como a descrição que Roberto fez quando se reaproximaram – ele lembrava exatamente como ela estava vestida 40 anos atrás, numa das primeiras vezes em que a viu. “Quando seu Roberto estava para morrer, ele segurava a mão de Lily e pedia que nunca saísse do lado dele”, conta Edgar Peixoto, mordomo da famosa mansão do Cosme Velho onde o casal viveu. Ele, que trabalha com a família há 26 anos, conta que dona Lily conquistou os 22 funcionários da casa assim que chegou e que, até hoje, nunca a viu perder a paciência ou ralhar com nenhum empregado.
Foi na mansão que Edgar, de luvas brancas, recebeu a reportagem da Tpm para a conversa com dona Lily. Ela, convencida de que vai viver somente mais dois anos “porque é raro uma pessoa passar dos 90 e ficar bem”, falou sobre a vida sem pudores. Contou da competição com a amiga Hebe Camargo (de quem tomava mais vodca) e revelou uma mentirinha que disse ao príncipe Philip. Também levou a repórter para conhecer o maior cômodo de sua casa, o closet onde estão mais de 40 araras com vestidos das mais famosas maisons do mundo. Com as mãos em seu preferido, um Oscar de la Renta preto e rendado, contou que não chegou a usar nem metade daquelas roupas, mas garantiu que aproveitou muito cada dia de sua vida.
Tpm. A (ex-socialite, modelo e colunista social) Danuza Leão costuma dizer que a senhora era a mulher mais bonita do Rio de Janeiro nas décadas de 30 e 40. Concorda? Lily Marinho. É o que diziam [risos]. Mas para mim é difícil dizer se era ou não. Aqui no Brasil tem muita mulher bonita... Quando cheguei aqui me encantei com isso. E me dei muito bem com as pessoas, com o clima. Com tudo. Quando viajo, se vou à França ou aos Estados Unidos, me sinto turista. Sou inteiramente brasileira.
Como é para a senhora acompanhar as mudanças naturais do corpo conforme os anos vão passando? Não tenho problema com isso, não. Nunca tive. Sempre pesei os mesmos 58 quilos, só fui engordar depois que tirei a tireoide, três anos atrás, por causa de um câncer. E nunca fiz regime porque sempre fui magra. Mas acho as mulheres de hoje magras demais, feio. Nunca fiz plástica, como você está vendo. Nunca tive vontade de fazer. A única coisa que faço é passar tintura no cabelo. E acho feio essas velhas que se repuxam. Uma coisa que não tem como disfarçar, na velhice, é o olhar. Então as velhas puxam os olhos, mas o olhar continua sendo de uma velha. Isso é muito feio.
Como é esse olhar? É um olhar que não tem mais tanta vitalidade, entende? Eu acho que fiquei uma velha que está até bem. Tenho 88 anos e vou viver mais dois.
Por que mais dois? Porque eu acho isso. É muito raro uma pessoa passar de 90 anos e ficar bem de saúde. Meus joelhos já não me deixam andar direito... Não quero ficar toda quebrada, sabe?
O que faz a senhora sair de casa, além das homenagens ao Roberto Marinho? Quase nada. Sou muito feliz nesta casa, tenho empregados da época do Roberto que me tratam muito bem. Meus netos, meu filho e os filhos do Roberto me visitam sempre, estou realmente satisfeita.
Qual é seu maior prazer hoje em dia? Receber meus netos aqui em casa. Este que acabou de chegar [Anthony, 10] dorme comigo uma vez por semana. Dormimos abraçadinhos. Não tem nada melhor que o abraço de uma criança...
A senhora assiste à televisão? Assisto. Gosto da novela das oito, mas acho aquela coisa de casamento arranjado um exagero. Eu não teria casado por imposição do meu pai.
Ele era inglês e militar. Sua educação foi muito rígida? Muito. Inglês e militar, imagine só. Mesmo assim, vim para o Brasil sem ele saber. Tinha 17 anos, mas naquela época [1938] não precisava que o pai e a mãe assinassem autorização para viajar. A assinatura da minha mãe foi suficiente. Meu pai estava viajando e, quando voltou pra casa, eu já estava no Brasil.
A senhora veio pra casar com o Horácio? Vim. Ele não podia ir lá casar, então vim casar aqui. Depois de um tempo a minha mãe conseguiu pegar um navio em Portugal e vir pra cá, porque meu marido se dava muito com o Itamaraty e agilizou as coisas.
A senhora tinha irmãos? Tinha um meio-irmão do primeiro casamento de minha mãe. Ela casou com um homem muito mais velho. Então ele morreu cedo e ela casou com meu pai.
No seu livro (Roberto & Lily) tem uma foto linda da senhora, ainda bebê, sendo empurrada num carrinho por uma senhora muito chique. Era sua mãe? Não. Era minha nurse. Essa foto foi tirada em Paris, onde eu cresci. Mas nasci na Alemanha e me mudei pra França com uns 5 anos. Minha mãe era francesa. Meu pai era inglês, mas serviu como militar na Alemanha. Além de militar ele era jornalista, assim como meu primeiro marido, dono daquele jornal Diário Carioca [extinto em 1965, em decorrência da ditadura militar].
Como vocês se conheceram? Nos conhecemos em Paris. Horácio [de uma das famílias mais ricas do Rio de Janeiro] frequentava a cidade e eu tinha ganhado o título de Miss Paris, o primeiro que houve, num grande cinema dos Champs-Elysées. Foi uma paixão imediata. Queríamos casar em Paris, mas ele não pôde por causa de problemas com o jornal dele no Rio, problemas com Getúlio [Vargas, na época presidente da República]. Então eu vim embora de navio para casar aqui.
Quantos dias no navio? Quatorze!
Sua mãe veio depois sem seu pai? Veio. Ele estava num campo de concentração no interior da França. Ficou lá quatro anos. Horácio alugou um apartamento para minha mãe. Ela ficou um mês e, depois, veio morar conosco. E ficou, passou a vida toda, morreu aqui. Ela gostou muito do Brasil... Meu pai veio depois e não se deu muito bem. Aí teve tuberculose e foi se tratar na Suíça, onde morreu.
Na época o Rio de Janeiro era mais encantador do que hoje? Era muito encantador, mas ainda continua sendo. Era tudo mais tranquilo... Hoje o movimento me deixa um pouco atrapalhada. Tanto que não gosto de sair, saio só quando preciso muito. Mas adoro ficar em casa. Adoro.
Quando a gente entra aqui parece que o tempo parou. Até barulho de rio correndo tem... É o nosso rio, com aqueles peixes japoneses. Como chama mesmo esse peixe?
Carpa? Sim, as carpas. E tem também aqueles bichos cor-de-rosa. Como chamam?
Flamingos? Sim, os que Roberto uma vez ganhou.
Foram presente do Fidel Castro? Sim. Ele veio aqui algumas vezes, gostava muito do Roberto e ofereceu uma meia dúzia. Depois nós compramos mais.
É verdade que a senhora costumava ir com amigas a uma feira clandestina de animais para comprar pássaros e depois soltá-los numa de suas fazendas? Contei isso uma vez à Danuza Leão, mas é mentira. Na verdade foi o seguinte: eu dei uma contribuição para o marido da rainha da Inglaterra [Elizabeth 2ª], o príncipe Philip, porque ele fazia muitas coisas pela natureza. Então, como eu estava viúva naquela época e sabia que havia um grupo de pessoas de muito bom nível que viajava muito com o príncipe, decidi dar uma contribuição para poder viajar também e participar de alguns encontros...
E onde os pássaros entram nessa história? Passei a viajar muito com esse grupo de pessoas. Isso foi um pouco antes de eu conhecer o Roberto. Um dia, a Lily Safra, que era minha amiga naquela época, me convidou para um jantar que ofereceu ao príncipe Philip, na Suíça. Ele estava sozinho, sem a rainha, eram umas 20 pessoas mais ou menos. E, como eu tinha feito essa contribuição, a Lily me colocou na mesa ao lado dele. Ele é muito engraçado, gostou da minha conversa e deu as costas à outra pessoa que estava ao lado dele. Para quebrar o gelo, como eu sabia que ele gostava de natureza, inventei que havia uma feira clandestina no Rio de Janeiro e que todo sábado eu ia lá com duas amigas para comprar os pássaros e depois soltá-los na fazenda... Ele achou muita graça e, a certa altura, me disse para chamá-lo só de Philip. É claro que eu não fiz isso, imagina [risos]! É difícil conversar com um sujeito desses sem conhecer, então eu achei melhor, em vez da cerimônia, partir pra brincadeira.
Do que mais vocês conversaram? De idade [risos]. Me perguntou em que ano eu tinha nascido e, quando eu disse 1921, ele ficou feliz porque também nasceu nesse ano. Falou: “Até que estamos bem conservados!”. Eu falei então que ele estava bem mais conservado que eu. E falamos também de signos. Eu disse que era de Touro e, quando ele me disse que era de Gêmeos, eu disse: “Ihhhhh”. Aí ele perguntou: “Por quê? É desagradável ser de Gêmeos?”. E eu disse que meu ex-marido era de Gêmeos e era muito mulherengo.
Você chegou a ir ao palácio de Buckingham tomar um chá com ele? Sim. Ele me convidou para, com outras pessoas, conhecer o palácio. Achei curioso, porque, como meu pai era inglês, ficaria muito satisfeito!
A senhora tomou de fato um chá? Sim, chá. Não que não quisesse outra coisa, mas eles só punham chá [risos]! E foi uma coisa mais descontraída, porque o príncipe é muito melhor quando está sozinho. Quando a rainha está junto ele fica mais sério. Quando ela está, ele tem que ficar atrás, e não é um homem que tem esse temperamento de ficar atrás. Acho que ele faz essas coisas de proteger a natureza só pra fugir da rainha...
Eu vi a senhora recentemente no aniversário da Hebe Camargo, bem empolgada... A Hebe é uma grande amiga, uma das poucas pessoas que ainda me tiram de casa.
A senhora gosta de tomar um drink? Não. Só bebo água.
Mas eu a vi tomando um drink no aniversário da Hebe. Você estava lá?
Não, vi na televisão. Aquilo foi exceção. A Hebe é uma amiga fantástica e me convidou para experimentar uma tal vodca que tinha na casa dela. Eu não gosto, mas resolvi fazer uma competição com ela, que tomou seis. Eu, sete. Ganhei. E olha que no dia seguinte nem acordei com dor de cabeça!
A senhora não bebia nem quando dava as famosas recepções aqui na casa do Cosme Velho com o Roberto? Não, nunca bebi.
Sente saudades dele? Muitas, todos os dias. Ele foi o grande amor da minha vida.
Foram 14 anos juntos? Sim, de intensa felicidade. Quando nos casamos ele tinha 84 anos e eu, 68. Quando Horácio morreu, Roberto foi a primeira pessoa que chegou ao velório... A gente se conhecia de jantares e outras coisas, mas nunca tínhamos nos aproximado. Quando nos reencontramos, Roberto teve a capacidade de descrever como eu estava vestida numa das primeiras vezes que me viu, mais de 40 anos atrás...
Quais as coisas mais memoráveis que viveram nesta casa? Recebíamos muita gente importante, reis, rainhas, políticos. Eu não gostava quando ele falava de alguma mulher do passado. Nem ele, tanto que foi me pedindo, aos poucos, para não usar as joias que tinha ganhado do Horácio. É claro que me dava novas, mais bonitas até... Um dia ele pediu discretamente para que eu retirasse do salão principal o retrato que aquele pintor [Van Dongen] fez de mim [e que hoje está no segundo andar].
O Roberto terminou um casamento (seu segundo, com Ruth Albuquerque) para ficar com a senhora? Terminou. Fez questão de que eu me mudasse para esta casa sem trazer nada da vida antiga. Até hoje mantenho o apartamento em Copacabana com as coisas do outro casamento...
A senhora leiloou a maioria de seus bens ano passado. Por que resolveu fazer isso? Porque me dei conta de que já fui muito roubada por advogados, essas coisas. E porque meu filho João Baptista gasta muito dinheiro. Tem a casa dele em Miami, mas é muito gastador, muito mulherengo. Então chamei as pessoas que trabalham comigo, pessoas muito boas, do banco do Walther Moreira Salles, e eles me ajudaram a decidir o que fazer. Organizamos os leilões e eu vendi absolutamente tudo... Todas as joias que eu tinha e as obras de arte. Organizei as coisas de uma maneira que, quando eu morrer, o João receba um dinheiro semanalmente. Assim, ele não tem como gastar tudo. Nunca vai faltar nada pra ele assim.
O João Baptista é seu filho adotivo? Sim. Meu único filho biológico, o Horacinho, morreu aos 26 anos num acidente de carro, a caminho de uma de nossas fazendas.
Foi o primeiro susto que a senhora levou da vida? O primeiro e o maior. Perder marido é muito triste, mas filho... A gente era muito próximo, tínhamos 18 anos de diferença, éramos muito companheiros. Ele era muito bom garoto, uma boa companhia... Morreu em 1966 e até agora dói [fica com os olhos cheios de lágrimas].
A senhora não gosta de falar desse assunto? Não, porque dói... Na época meu marido precisou me tirar do Rio porque eu fiquei deprimida. Não queria ir, mas ele me levou para Paris e ficamos lá uns seis meses. O apartamento do hotel em que estávamos ficava no último andar e tinha um terraço. Um dia meu marido recebeu a visita de um embaixador e eu fiquei sozinha. Foi a única vez que eu... [longo silêncio]. Não tive coragem de me jogar pela janela. Mas tive vontade. Tem que ter coragem pra fazer... Uma vez ouvi um médico dizer que a pessoa que vai se matar costuma fazer isso durante sete segundos de coragem. Se passar de sete, não faz. Passei desses sete segundos.
Não teve coragem? Não. E meu marido logo subiu e me acolheu... Durante esse mês em Paris eu sonhei que meu filho aparecia todo de branco me mostrando uma outra criança. Era o João Baptista, que a minha amiga Sarah Kubitschek tinha me falado antes que ela queria que eu adotasse.
Foi ela quem te incentivou a adotar o João? Foi. Ela me dizia: “Você não pode ficar neste estado, adote uma criança!”. Depois do Horacinho eu tinha tentado engravidar outras vezes, mas nunca aconteceu. Então era só ele mesmo. A dona Sarah tinha uma filha adotiva e tinha se dado muito bem com ela... Então me mostrou o João Baptista, que era o oitavo filho de uma família muito pobre que ela conhecia. Ele tinha 1 ano e meio.
A senhora foi adotá-lo logo que voltou ao Brasil? No mesmo dia em que cheguei. E meu marido foi muito generoso porque quando a gente cuida de filho acaba cuidando menos do marido. Assim que me viu, o menino abriu os braços. Foi amor à primeira vista. Somos muito amigos, estou muito feliz com o João e com meus netos.
Os netos são todos filhos do João? São. Quatro, um de cada mulher. Umas têm o gênio meio forte, você sabe, mas nos damos. E os meninos se dão muito bem entre eles. São três meninos e uma menina, o mais velho tem 21 e o mais novo, 6.
O João cresceu sabendo que era adotado? Contei pra ele quando tinha 4 anos. Um dia ele me perguntou: “Mãe, eu saí da sua barriga?”. Eu respondi: “Saiu do meu coração”. E ele: “Mas como, se coração não tem buraco?”. Aí eu expliquei tudo e ele ficou magoado, me perguntava como é que a mãe dele teve coragem de dá-lo... E eu nunca falei mal da mãe dele, imagina, dizia que ela tinha feito aquilo pelo bem dele.
A senhora a conhecia? Sim, conhecia a família toda. Comprei pra eles um sítio em Petrópolis e coloquei os sete irmãos na escola. E pus no contrato que eles só poderiam vender aquele lugar quando o filho mais velho completasse 22 anos. E assim foi. Quando o menino fez 22, eles venderam a casa... O João nunca quis ver a mãe verdadeira, mesmo quando ela ficou doente. E não se dá com os irmãos biológicos, eles sentem ciúmes, aquela coisa toda.
E sempre foi a senhora que cuidou desses assuntos? Sempre eu. Nem o Horácio nem o Roberto nunca interferiram.
O Horácio teve uma morte repentina? Foi um câncer, passei uns cinco anos cuidando. Mas nunca o deixei saber que era câncer.
Como conseguiu esconder isso dele? Se ele soubesse, seria o fim. Morreria antes, de tristeza. Então dei um jeito de pedir para o médico que fez o exame forjar o resultado... Tudo começou com um corte no nariz fazendo a barba. Fomos resolver isso no Pitanguy. Ele dizia: “Mas o Pitanguy é de mulher!”. E eu: “Não tem problema, ele é de confiança”. Acabamos indo lá e foi o Pitanguy que suspeitou do câncer e mandou fazer o exame. Eu pedi para que ele escondesse isso do Horácio. Como ele não topou, fui atrás do médico que fez o exame, conversei com ele, e deu certo. Ele entregou o exame ao Pitanguy, que só foi saber disso muitos anos depois, quando eu já estava casada com o Roberto e contei a ele, que deu muita risada.
O Horácio nunca soube que tinha câncer? Nunca soube... Dizem que quando a pessoa toma um susto muito grande acaba desenvolvendo um câncer. Eu também tive um, na tireoide, depois da morte do Roberto. Não se espalhou, só minha voz é que mudou. E eu, que mantinha o mesmo peso há mais de 20 anos, engordei uns 6 quilos...
A senhora foi casada por 45 anos com o Horácio. Como foi passar quase meia década com um mulherengo assumido? Ele era muito inteligente, muito encantador, um homem de muitas qualidades. E eu sabia que ele me amava. Eu brigava com ele, não era dessas que fingem que não veem as coisas. O marido tem que saber que a gente está vendo, senão pensa: “Minha mulher não faz nada, não vê nada, então vou continuar”.
Casou virgem? Ah, isso sim. Naquela época isso tinha que ser.
A senhora é muito ciumenta? Sou. E o Horácio também era. A gente brigava muito, mas se amava muito. Eu sou ciumenta até hoje. Mas sou ciumenta geral, de amigas, de netos. Era muito ciumenta do Roberto, mas ele não era mulherengo.
A senhora é religiosa? Sou católica, mas às vezes fico muito zangada com Deus. Fiquei zangada quando perdi meu filho. Um dia perguntei a um padre: “Se Deus é tão bondoso, tão isso, tão aquilo, por que deixa acontecer desgraças, incêndios, aviões que caem, essas coisas?”. Ele disse que Cristo morreu com 33 anos e não teve tempo de pagar em vida o mal da humanidade, então as pessoas têm que pagar o que Cristo não teve tempo de fazer [silêncio]... Bom, foi a explicação que me deram.