Karina vai voar

Ela saiu do interior de SP para ser modelo, deixou a moda pra lá e agora canta com Caetano

por Marcus Preto em

Ela saiu do interior de São Paulo para ser modelo e, cheia de ter que estar sempre "no peso", deixou a moda pra lá. Soltou a voz em Nova York, fez turnê com Thievery Corporation, declinou um convite dos Mutantes e cantou com Caetano. Agora, Karina Zeviani vai brilhar sozinha

 

 

 

Amanhã corria tranqüila no aeroporto de Congonhas no momento em que ela chegou. Quando o avião saiu do Rio, não podia imaginar o frio que enfrentaria do outro lado da ponte aérea. Tanto que desceu vestindo calça jeans, camiseta branca e mais nada. Puxava duas malas lotadas de roupas e uma terceira só com sapatos. Sua presença chamava a atenção dos engravatados que faziam fila no ponto de táxi. Mais ainda quando se ajoelhou no meio da calçada, vasculhando a própria bagagem atrás de uma blusa de frio que combinasse com o que já estava vestindo. Achou.

Com uma carreira de cantora já bem encaminhada fora do Brasil, Karina Zeviani, 34 anos, tinha dado, cinco dias antes, um passo importante na árdua tarefa de ser reconhecida como tal em seu próprio país. Dividiu o palco com Caetano Veloso em uma das sessões de Obra em Progresso, show que o cantor apresentou por cinco quartas-feiras no Vivo Rio. "Achei a Karina muito legal, ainda não conhecia", comentou Tony Bellotto, guitarrista dos Titãs, na platéia ao lado da mulher, a atriz Malu Mader. "Ela canta MPB com uma pegada diferente, meio gringa, contemporânea. E tem uma presença instigante. Ela já foi modelo, não foi?"

 

 

Foi. Karina nasceu em Jaboticabal, a 344 quilômetros de São Paulo. Até completar 15 anos, nunca tinha ultrapassado aquelas fronteiras. Vivia uma vida típica de cidade do interior. Se divertia ouvindo rádio e a sanfona tocada pelo avô. Sua mãe costurava, cortava o cabelo, fazia tricô e pintava para a filha. Daí a paixão de Karina por tudo isso. Ela costura, inventa moda e adora moda. E continuaria sendo uma menina prendada do interior se um fotógrafo de sua cidade não tivesse farejado seu potencial para modelo. "Viemos para São Paulo com meu pai e fomos bater na porta da Ford [Models]. Ele entrou na agência, conversou com os caras e saiu de lá dizendo que eles queriam me ver", lembra. "Eu estava com duas calças jeans, uma em cima da outra, porque morria de vergonha de ser tão magricela." Mudou- se para São Paulo.

Uma das primeiras pessoas que conheceu na agência foi outra menina de Jaboticabal. "A gente estudou no mesmo colégio e não se conhecia", conta Luana Piovani. "Quando Karina chegou na Ford, parecia um bichinho-do-mato, supertímida. Ela disse que era da minha cidade e eu abri meio metro de boca. Uma cumplicidade que já estava nascendo naquele bate-papo virou uma irmandade." Ninguém imaginaria que, uma década depois, seria Luana quem produziria o primeiro CD demo de Karina.

"Eu não tinha a menor idéia de que um dia ela fosse virar cantora", conta a modelo Luciana Curtis, outra amiga desde os tempos da Ford. "Não acreditei quando fui fazer um trabalho na Alemanha e me disseram que ela estava cantando num bar ali." Mas era verdade. Karina tinha mudado o rumo das coisas. "Cheguei à Alemanha para trabalhar como modelo. Mas logo comecei a engordar e a agência disse que ou eu emagrecia em dez dias, ou voltava para o Brasil", lembra. Decidiu por abandonar a carreira de modelo. Mas não a Alemanha. Lá, freqüentava um típico bar brasileiro que, aos domingos, promovia um karaokê com banda ao vivo. "Foi nesse microfone que ela se soltou", aposta sua mãe, dona Durvalina. "Quando subiu no palco, começou a cantar e viu que o pessoal estava gostando, entendeu que tinha nascido para aquilo." A dona do bar deve ter pensado a mesma coisa. Tanto que contratou Karina como atração fixa da casa.

 

O que é dela, ninguém tira

Três anos depois, voltou para o Brasil. No Rio de Janeiro, montou uma banda e passou a tocar esporadicamente na noite. Começou a compor sua própria música. Nesse período, Luana passou a cuidar da carreira da amiga. "Consegui até que fizesse fotos para a capa da Trip", conta. "Fomos para o Guarujá com o [fotógrafo J. R.] Duran e fizemos fotos maravilhosas. Mas, no fim, ela ficou com vergonha e deu pra trás: não aprovou nada. Quase bati na bunda dela." Em 2002, Karina foi morar em Londres e, no ano seguinte, em Nova York. Foi quando as coisas começaram a acontecer. Em um ano, seus shows já lotavam o badalado clube Nublu, no East Village. Em dois, foi indicada por David Byrne (que só tinha ouvido sua voz em gravações semicaseiras) para ser uma das vocalistas da megabanda Thievery Corporation, com quem viaja o mundo em turnês até hoje.

 

 

"Tenho todas as drogas em mim"

Com uma agenda de trabalho imprevisível, sua vida em Nova York jamais cai na rotina. Acorda ao meio-dia, mesma hora em que nasceu. "Renasço todo dia. Sou bastante espevitada e não consigo ficar parada", conta."Às vezes sinto uma preguiça maior do que eu. Aí entra a ioga, que me ajuda bastante. Faço terapia e adoro. Não gosto de drogas, sinto que já tenho todas dentro de mim."Cuida da saúde através da alimentação: não vive sem todos os tipos de frutas (frescas ou secas), castanhas e água. Costuma dizer que é vegetariana cinco dias por semana. "Nos outros dois, escorrego num peixe, num pata negra, num ovo", ri. Dorme tarde praticamente todos os dias. De madrugada, quando a cidade está quieta, aproveita para treinar violão, ler e escrever canções. Este ano, recebeu o convite para cantar nos Mutantes, ocupando o lugar que foi originalmente de Rita Lee. Aceitou na hora e, por conta disso, estava decidida a voltar definitivamente para o Brasil. Mas voltou atrás quando descobriu que não poderia continuar tocando seu trabalho solo. "Ele é a única coisa que ninguém pode tirar de mim", garante. Produzido pelo belga Frederik Rubens, o disco inteiro deve ficar pronto só no começo do ano que vem. No paralelo, Karina também anda escrevendo muitas canções de ninar. " Mas vou deixar isso pra hora que eu engravidar, o que deve acontecer logo. Sempre fiz música para criança. Meu sonho é ir morar no mato e passar minha gravidez inteira fazendo esse disco", diz.No mato? "Sim. Gostaria de voltar das turnês e, em vez de passar frio naquele apartamento pequeno de Nova York, voar para o Brasil. Morar no meio do mato, passar o dia inteiro de pés descalços e camiseta furada. Só sair de casa para cantar. E depois voltar correndo."

 

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