Somos o nosso próprio exército
O que Su Tonani, que denunciou José Mayer, tem a nos ensinar
Quando José Mayer escreve uma carta reconhecendo o abuso e suas colegas de trabalho — aqui, especialmente as midiáticas — vestem a camisa contra ele, e em defesa de Su Tonani, dá pra sentir um calorzinho no coração. Um gosto de evolução vem na boca e o pulsar do sangue nas veias mostra a força que nos une. Essa força importa para que tenhamos coragem de abrir a boca, de denunciar e, claro, para que as corporações tenham medo de não acolher essas denúncias. Porque se é preciso escândalo, baixemos duas doses dele. Somos muitas e somos fortes. Não estamos mais sozinhas.
Claro que nem todas somos colegas da Letícia Sabatella ou podemos contar com apoios de peso como o da Fernanda Lima. Mas que isso sirva de lição para todas que têm colegas assediadas. Que elas deixem de abafar o que deve ser denunciado. Quantas vezes você já não ouviu (ou falou): “Bobagem, amiga. É brincadeira”. Aí é que tá. Não, não é brincadeira. É assédio. É machismo. É exercício de poder. É violência das mais pesadas. E não só deve como pode ser combatido. E combate se faz em grupo. Pois sejamos o nosso próprio exército.
Fico aqui me perguntando: e você, do RH, está preparado para lidar com esse tipo de situação? Ou na sua empresa os casos só são levados a sério depois que saem no jornal? Porque não faltam denuncias, o que falta é seriedade para tratá-las. O último caso de assédio que me lembro acabou com a demissão do chefe acusado, mas só depois que a história foi alardeada nas redes sociais. Quantas denúncias de assédio não estão paradas por serem tratadas como casos menores? E quantas mulheres desistem de apontar o agressor por medo e uma espécie de resignação com a cultura do assédio?
Eu sonho com o dia em que aquela piadinha machista na reunião, vinda do chefe, do cliente, do colega ou do papa, tenha resposta na hora, na lata, sem que a razão retorne para o macho em questão com frases como: “Ixi. baixou a feminista”. Sim, baixou. E ela veio pra ficar. Porque como canta Karol Conka, “se bater de frente, periga cair”. E que caiam. Que se constranjam. E pela nossa senhora do bom-senso: que sirvam de exemplo para que os outros mudem! Vamos repetir quantas vezes for necessário (e Tpm faz isso há 15 anos): decote não é convite, beleza não dá passe livre, não é não, meu corpo minhas regras, não, a culpa não é da vítima.
Esse “mexeu com uma, mexeu com todas” de hoje está bonito de ver. Oxalá ele ultrapasse os corredores da Globo e inclua, Dandara (a transexual morta no Ceará), Eliza Samúdio (assassinada pelo goleiro Bruno) e muitas outras vítimas escarnadas pelo machismo institucionalizado do Brasil.