João Gabriel
Ele é carioca, louco por esportes e sedento por conhecimento
João Gabriel apareceu no cinema em Do Começo ao Fim, em que se apaixona pelo irmão gay. Depois, fez graça ao lado de Preta Gil como repórter do Vai e Vem. Carioca louco por esportes e sedento por conhecimento, ele quer comprar o tempo
Como pregava a banda Metrô, no auge dos anos 80, “no balanço das horas tudo pode mudar”. Imagine só uma manhã de sábado assim: muita chuva, cidade vazia, montanhas cobertas por neblina, calçadas desertas, mar bravio. Em dias molhados, o Rio fica meio sinistro, meio dramático. Antes das nove, eu pulei da cama. Missão: entrevistar um ator, no escritório do assessor de imprensa, na Barra da Tijuca. Para mim, a Barra é outra cidade. E atores que dão entrevista com babá do lado – de saída – me dão muita preguiça. Às 11 horas, em ponto, cheguei ao prédio comercial da avenida das Américas, uma – quase – freeway, decorada com uma réplica malfeita da Estátua da Liberdade. João Gabriel Vasconcellos, o ator em questão, apareceu meia hora depois. Xeque-mate. Minha manhã de trabalho forçado virou uma boa conversa, um papo bacana com um rapazinho interessante.
João Gabriel tem 24 anos. Profissionalmente falando, ele fez um filme, o polêmico Do Começo ao Fim, de Aluizio Abranches, uma história de dois irmãos gays que se apaixonam. Nove peças de teatro, entre elas uma com Bia Lessa, Formas Breves. E foi o repórter da primeira temporada do programa da Preta Gil, Vai e Vem, no GNT.
O CV não é o mais importante. João Gabriel encanta. Surge de cabelos molhados, pedindo desculpa pelo atraso. Quando começa a falar, é um menino do Rio, a sua mais perfeita tradução. Adora água. Surfa “desde sempre”. E já foi nadador profissional, com título de campeão carioca e tudo. A viagem perfeita é acampar em paraísos ecológicos. Garante conhecer todas as trilhas e montanhas. Acabou de ler o Gênesis, livro bíblico atribuído a Moisés. De vez em quando, frequenta templos budistas. Não gosta de balada. Tem “muito bode” da noite. Está casadíssimo, com a bonitinha Tammy Di Calafiori. Refere-se a ela de um jeito que dá inveja. Ama ler. No momento, anda apaixonado por Gabriel García Márquez e José Saramago.
Quanto vale o tempo?
A cada frase, eu, que dancei ao som do Metrô, penso: “No meu tempo não era assim”. Rapaz de 24 anos não falava essas coisas: “Noite nunca me satisfez. O prazer é muito efêmero. Acordar no dia seguinte cheio de ressaca. Sou mais tranquilinho”; “Leio muito. Sempre li coisas mais técnicas. Gênesis é técnico, se você pensar. Sou fissurado em mitologia grega. Estou começando agora minha busca na literatura”; “Lá em casa somos um time, um casal, dois companheiros”; “Eu e a Tammy nos preocupamos muito com alimentação: fruta, verdura, legumes, arroz integral”; “Gosto muito de estudar as religiões. Melhor, o re-ligare”... E para completar o colóquio: “Acho que está vindo aí uma geração mais romântica. Hoje é tudo pelo gozar, pelo prazer imediato. A pessoa toma drogas para ficar doidona, transa pelo orgasmo. Muito raso. Por isso eu não curto muito a balada. Prefiro buscar a minha evolução. Sem mergulho fica sem graça”.
João Gabriel se revela um menino família. No sentido literal. Tem seis irmãos. Um por parte de pai, três por parte de pai e mãe e dois só por parte de mãe. O pai era militar e morreu quando ele tinha 2 anos. A mãe, executiva de uma grande empresa, casou-se de novo com um empresário. Ele foi criado na Barra e, até os 17 anos, foi atleta. “É uma coisa meio egocêntrica essa, falar de mim”, incomoda-se. “Eu não tinha ambição de Jogos Olímpicos. Gostava de nadar. Gosto. Acordava às cinco da manhã. Treinava até seis e meia. Ia para o colégio. Três da tarde estava na academia. Malhava até as cinco. Depois voltava para a piscina e ficava até as nove.” Hiperativo, o menino do Rio dedicava o pouco tempo livre a cursos de toda sorte. Entre eles, aulas semanais no Teatro Tablado, de Maria Clara Machado. Antes de fazer 18 anos, porém, largou tudo. Foi para a Itália modelar. Chegou a fazer campanhas para Diesel e Armani. “E para todas as marcas de refrigerante e telefonia”, diz. Quando voltou ao Brasil, entrou na CAL (Casa das Artes de Laranjeiras). Lá, acabou escalado para o filme Do Começo ao Fim.
João Gabriel se levanta para pegar uma água. Já se vai uma hora de papo. No caminho até a geladeira, faz um comentário estranho: diz que está muito magro. Olhando do sofá, parece-me tudo muito bem, obrigada. Segundo ele, “desnutrir-se é parte da preparação para gravar”. Trata-se de As Horas Vulgares, um filme de dois diretores estreantes de Vitória, no Espírito Santo, Rodrigo de Oliveira e Vitor Graize. “Tenho que emagrecer mais 5 quilos. Faço um andarilho, um artista desiludido que sai pelo mundo andando. É um filme atemporal. O personagem é do caralho.” Quando volta para o sofá – e se acomoda de novo –, João Gabriel ainda fala por mais meia hora. O assunto são os mil cursos que faz – e ainda vai fazer. No momento, está terminando o bacharelado em teoria do teatro, na UniRio. “Se eu pudesse, eu comprava o tempo”, sintetiza.
“Hoje é tudo pelo gozar, pelo prazer. A pessoa toma drogas para ficar doidona, transa pelo orgasmo. Muito raso. Prefiro buscar a minha evolução. Sem mergulho fica sem graça”
“Leio muito. Sempre li coisas mais técnicas. Sou fissurado em mitologia grega. Estou começando agora minha busca na literatura”