Já te saludei hoje?


É por causa disso que eu devo beijar umas cem pessoas todos os dias

por Ana Manfrinatto em

Aí no Brasil a gente chega no trabalho e dá um bom dia e um oi geral pra galera, não é mesmo? Aqui na Argentina não é assim, não: todos os dias as pessoas se cumprimentam com beijinho no rosto quando se encontram pela primeira vez naquele mesmo dia – inclusive os homens, que também se cumprimentam – ou “saludam” – com beijo na bochecha.

É tudo muito lindo e simpático. Mas cansa.

Eu trabalho em televisão e estou indo de um lado para o outro o dia inteiro. Isso significa que eu tenho que dar beijinho no rosto de todo mundo que eu cruzo pela frente mesmo que seja nove da matina e eu tenha visto esta mesma pessoa às nove da noite do dia anterior.

E se engana quem pensa que o saludo só é válido para o período da manhã: se você cruzar com alguém pela primeira vez naquele dia mesmo que já sejam cinco horas da tarde, a pessoa vai perguntar se já te saludou e vai te dar um beijinho no rosto.

Quem não saluda com estalo na bochecha é tido como antipático. E eu já fui tida como antipática durante muito tempo até cair a ficha de que eu deveria dar um beijo na bochecha de todo e qualquer ser humano que eu visse no trabalho.

Às vezes eu dou um oi geral para o pessoal mais chegado e mesmo assim eu não escapo de escutar que eu sou “mala onda” (leia-se chata). Eu sempre explico que no Brasil é diferente mas ninguém aceita minha explicação.

E no que diz respeito a saludo, ele não se resume a um beijo na bochecha e um “Tudo bem? Tudo bem!”.
Se trata de um diálogo mais ou menos assim:

- Hola, cómo estás?

- Todo bien, y vos?

- Si, si, todo bárbaro. Y vos?

- Todo perfecto, por suerte!

- Me alegro!

Nem vou me dar ao trabalho de traduzir porque a minha idéia só é mostrar a extensão do diálogo. Imagine então este mesmíssimo diálogo multiplicado por todas as zilhares de pessoas que eu cruzo todos os dias. É uma falação danada!

Sem falar que todo mundo sempre está “bárbaro”, “perfeito”, “jóia” e “fenômeno”.

Enfim, taí um problema de adaptação e uma grande diferença cultural entre brasileiros e argentinos. Eu juro que sou simpática e que gosto de falar com todo mundo. Mas que saludar o dia inteiro cansa, ah, isso cansa...

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